ARQUITETURA HOSTIL, POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DIREITO À CIDADE

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
ARQUITETURA HOSTIL, POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DIREITO À CIDADE
Autores
  • Júlia Vivas da Silva
  • Bruno Barbosa Heim
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 05 – Desafios do Direito Urbanístico em políticas setoriais urbanas (segurança alimentar, assistência social, saneamento, mobilidade etc.)
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/493634-arquitetura-hostil-populacao-em-situacao-de-rua-e-direito-a-cidade
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
arquitetura hostil, população em situação de rua, direito à cidade, capitalismo
Resumo
1 INTRODUÇÃO Em fevereiro de 2021, a prefeitura de São Paulo instalou blocos de paralelepípedos debaixo de viadutos, ocasionando uma repercussão negativa por parte da população, a qual foi intensificada com a manifestação do Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese Paulista, que consistiu em quebrar os blocos a marretadas. Após as críticas, a prefeitura informou a retirada das pedras do local, alegando que a medida teria sido adotada após decisão individual de um funcionário. No entanto, a medida não é novidade nas cidades brasileiras, principalmente nos grandes centros. Em diversas cidades são encontradas intervenções arquitetônicas com o intuito de afastar pessoas indesejadas dos ambientes públicos dos centros das cidades, sendo as pessoas em situação de rua como as mais afetadas. Nesse contexto, a presente pesquisa possui como problema: de que modo a arquitetura hostil impacta a população em situação de rua e por que é antagônica ao Direito à Cidade? A análise é necessária para observar o esquecimento do Poder Público em relação à população em situação de rua e a sua insistência para “resolver” o problema da desigualdade social promovendo uma segregação socioespacial, através de intervenções que se mostram contrárias a legislação urbanística no país. Tem-se, portanto, como objetivo geral analisar de que modo as intervenções promovidas pelas municipalidades no paradigma da arquitetura hostil se mostram violadoras ao Direito à Cidade, apontando as pessoas em situação de rua como as principais afetadas. Para isso, deve-se conhecer quem são as pessoas em situação de rua, sob uma ótica da medicina social e influência do capital; entender a arquitetura hostil e como a insegurança social refletiu na arquitetura das cidades; questionar a quem serve a cidade; compreender o Direito à Cidade; e investigar a contradição entre a arquitetura hostil e o Direito à Cidade. Quanto à metodologia, optou-se pelo método de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com a realização de revisão bibliográfica com a análise de artigos publicados em periódicos, trabalhos acadêmicos e obras, não se restringindo à literatura jurídica, uma vez que o tema requer abordagem interdisciplinar. Neste sentido, as referências incluem pesquisas e produções no campo da geografia, psicologia social e arquitetura. Ademais, a análise documental se dará em observância da legislação nacional. 2 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS 2.1 População em situação de rua: pessoas invisíveis O termo “população em situação de rua” é adotado pelo Decreto n. 7.053/09, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua , para designar: o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população em situação de rua até março de 2020 era de quase 222 mil, com a projeção de um aumento significativo nesse número no último ano em razão da pandemia do COVID-19, acompanhada da crise econômica que assola o país . A medicina social se tornou um instrumento além da ideia de cura e prevenção, se inserindo como um modelo utilizado para “civilizar” a sociedade baseada na higiene e na moral, adentrando no cotidiano de uma forma que veio a ditar o comportamento dos indivíduos. A medicalização ultrapassou a ideia de saúde e começou a constituir uma ideia política que influenciava não somente os indivíduos, como também a organização das cidades, com processos de assujeitamento recaídos sobre multiplicidade de corpos . O poder que a medicina social exercia sobre os indivíduos era um mecanismo da biopolítica, a qual Foucault designava como a forma que o poder tinha controle sobre as vidas, em que se complementavam ao disciplinarem o indivíduo e estabelecer comportamentos a serem normalizados . O controle sobre o corpo social se tornou chave para desenvolvimento do capitalismo, uma vez que o sistema buscava tornar úteis os corpos através da disciplina e docilização. É com a “inutilidade” dos corpos sob a ótica capitalista que o fenômeno da população em situação de rua aumenta, visto que se o indivíduo não possui êxito na troca da sua força de trabalho pela remuneração , não haverá valor no sistema. Desse modo, ante a “falta de valor” do indivíduo para a continuidade do funcionamento da máquina capitalista, o Estado se utiliza de políticas de necropoder para descarta-lo, ainda que isso acarrete em perdas de direitos básicos ou em mortes. As pessoas em situação de rua, portanto, são consideradas descartáveis, inúteis e invisíveis, inclusive sob a ótica do Estado, que demonstra uma recusa em reconhece-las como sujeitos de direito. Não preocupado em solucionar os problemas decorrentes da situação em que vivem, o Poder Público se utiliza de mecanismos de segregação urbana que tentam promover o afastamento e apagamento dessa população, como no caso da arquitetura hostil, estratégia de design urbano para se obter um controle espacial. 2.2 Arquitetura hostil Arquitetura hostil é terminologia formulada por Ben Quinn, na matéria intitulada “As pontas de ferro anti-sem-teto são parte de um fenômeno mais amplo de ‘arquitetura hostil”, em tradução livre . Quinn expõe a arquitetura urbana baseada em bancos e espetos que afastam skatistas e pessoas em situação de rua, através da gestão do espaço público voltada apenas para uns. Nesse sentido, a arquitetura hostil, também nominada como arquitetura do medo ou arquitetura antimendigo, pode ser caracterizada como a adoção de estruturas que possuem a finalidade de excluir e afastar “grupos indesejáveis” em espaços de uso público, como a população em situação de rua. Os artefatos utilizados para a manifestação desse tipo de arquitetura encontram-se em locais como praças públicas, fachadas de prédios e embaixo de viadutos, sendo exemplo de objetos: bancos curvados, com divisórias de ferro ou com larguras inferiores ao determinado pelas normas de ergonomia; arames farpados; cacos de vidro; espetos de metal; pedras embaixo de viadutos; grades pontiagudas; dentre outros. 2.3 A mitigação do estado e o reflexo na arquitetura das cidades Com a formação do Estado Moderno, a sensação de insegurança se tornou frequente. O Estado Social, que fornecia proteção ao indivíduo de forma deliberada e planejada , foi substituído pela ideia de supervalorização do indivíduo. Contudo, a promoção da concepção individualista era inacessível para muitos, gerando uma vulnerabilidade dos indivíduos, antes amparados pela força estatal. Desse modo, a liberdade entregue ao indivíduo pelo Estado promove a insegurança e causa transformações no tecido social, em que classes consideradas perigosas surgiram de pessoas consideradas inúteis naquele sistema. O medo presente na coletividade reflete na arquitetura das cidades, projetadas como um meio de controle social, em que se “escolhe” quem será acolhido ou afastado nos ambientes. O planejamento urbano, portanto, se utiliza de mecanismos limitadores físicos excludentes, instrumentos de controle social vinculados à arquitetura e ao design , para afastar do “verdadeiro cidadão” (aquele que possui valor para o sistema e que produz), o sujeito incômodo que representa a sujeira, o perigo e a inaptidão para viver no contexto urbano. 2.4 A quem serve a cidade? A quem serve a cidade é uma questão enfrentada por Carvalho e Rodrigues: Infelizmente, a cidade contemporânea ainda guarda características próprias de um espaço de disciplina e, consequentemente, de opressão. A segregação sócio-espacial que impera nas cidades de todo o mundo, sobretudo naquelas localizadas na periferia do capitalismo, demonstra que a rede urbana, que deveria ser um espaço destinado às realizações coletivas, acaba servindo aos interesses de um grupo restrito, que detém os poderes econômicos e políticos locais. A cidade assume, com isso, um conceito menos virtuoso: torna-se um território de exploração do capital [...] e, por fim, um território dividido, hierarquizado, que define quem terá acesso à cidadania e não terá . O espaço urbano, portanto, se desenvolve em torno das relações econômicas, servindo aos interesses das classes dominantes, impactando toda a estrutura social daquela população, uma vez que os direitos básicos que constituem o direito à cidade se tornam inacessíveis a uma parte da população: a classe não dominante. Assim, a ideia de uma cidade que atenda aos interesses de todos, torna-se mais distante, tendo em vista a prioridade pelo pleno funcionamento do capital. Dessa maneira, a aplicabilidade das normas urbanísticas se restringe às localidades que possuem sujeitos (os considerados cidadãos) que interessam o funcionamento do sistema. Os indivíduos que não atendem aos interesses do capital, não agregando no sistema produtivo, encontram-se fora da noção de cidade e de direito à cidade, consoante ao que Milton Santos chama de “não cidadania” . Conforme Raquel Rolnik, “[...] não existir, do ponto de vista burocrático ou oficial para a administração da cidade, é estar fora do âmbito de suas responsabilidades para com os cidadãos” , de modo que o Estado, ao desconsiderar a cidadania dessa população, desconsidera também sua existência. 2.5 Direito à cidade x arquitetura hostil A expressão direito à cidade surgiu com o sociólogo Henri Lefebvre, na sua obra “O Direito à Cidade”, em que apresenta um conceito filosófico sobre esse direito sob o contexto urbano francês, sua estrutura opressora marcada pelo capital e a retirada do proletariado para áreas periféricas, perdendo o seu direito à cidade . Da construção filosófica, o direito à cidade foi incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Estatuto da Cidade, nos termos do artigo 2º, I, como “direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” . A centralidade que se busca com o direito à cidade é o acesso ao bem estar coletivo, com “condições necessárias para a sua realização política, econômica, cultural, social e ecológica [...]”, conforme disposto na Carta Mundial Pelo Direito à Cidade . 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS As intervenções calcadas na arquitetura hostil promovidas pelas cidades violam o Direito à Cidade, que tem como principal alvo a pessoa em situação de rua, uma vez que vulnerabilizam ainda mais e dificultam o acesso a direitos básicos dessa população, procurando atingir a finalidade de apagar aquele sujeito, visto (ou não visto) como sujeito incômodo ao contexto, espaço e funcionamento urbano. Torna-se evidente que o direito à cidade deveria ser para todos, mas a cidade é apenas para uns. Demonstrada a incompatibilidade da aplicação de técnicas da arquitetura hostil no nosso ordenamento jurídico, cabe ao Poder Público criar políticas públicas verdadeiramente atuantes para resguardar o direito da população em situação de rua, uma vez que o afastamento dessas pessoas através de medidas higienistas não é capaz de solucionar a pobreza e desigualdade social que assola o país; pelo contrário, agravando ainda mais esse contexto.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SILVA, Júlia Vivas da; HEIM, Bruno Barbosa. ARQUITETURA HOSTIL, POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DIREITO À CIDADE.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/493634-ARQUITETURA-HOSTIL-POPULACAO-EM-SITUACAO-DE-RUA-E-DIREITO-A-CIDADE. Acesso em: 11/05/2025

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