O LUGAR DAS ZEIS NAS TRAMAS DA CIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DO RIO DE JANEIRO E DE FORTALEZA

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
O LUGAR DAS ZEIS NAS TRAMAS DA CIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DO RIO DE JANEIRO E DE FORTALEZA
Autores
  • Juliana De Boni Fernandes
  • Luciana Ximenes
  • Michaela Farias Alves
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 03 - Direito à moradia, política habitacional, regularização fundiária e direitos dos povos e comunidades tradicionais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/493631-o-lugar-das-zeis-nas-tramas-da-cidade--uma-analise-a-partir-das-experiencias-do-rio-de-janeiro-e-de-fortaleza
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Zona Especial de Interesse Social, política urbana, planejamento urbano, Fortaleza, Rio de Janeiro
Resumo
A Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) é um instrumento da política urbana brasileira disseminado nos planos diretores e peça importante nas disputas territoriais desde a sua concepção. Como um tipo especial de zoneamento que situa os territórios populares na cartografia da cidade, a ZEIS tem como princípio a proteção do direito à moradia digna e a democratização do acesso à terra urbana contra a histórica segregação socioespacial no Brasil. Assim, a ZEIS pode ser entendida como uma reação à negligência do Estado no atendimento das demandas populares por moradia. A regulamentação das ZEIS no Brasil teve resultados que refletem a diversidade das realidades sociais, das formas de moradia popular e dos atores locais. No entanto, as situações de uso do instrumento têm em comum a delimitação de áreas da cidade para a produção de novas moradias populares ou onde já existam formas de moradia que não se encaixam nas normas vigentes. Em área de ZEIS, os parâmetros de uso e ocupação do solo devem ser definidos de acordo com o quadro existente, reconhecendo a legitimidade das formas de moradia popular. Trata-se, portanto, de um tipo de zoneamento dedicado à inclusão social. A ZEIS entra, portanto, em disputa com a lógica hegemônica de pensar e produzir ? por meio do zoneamento ? cidades para ampliar os ganhos com produtos imobiliários. Rolnik destaca que predomina nas cidades brasileiras, segundo o estatuto da propriedade privada e moldada, “um zoneamento fortemente capturado pela lógica do mercado imobiliário e seus produtos e pelo desejo dos proprietários e residentes, nos bairros de classe média, de manter e proteger o valor de suas propriedades” (ROLNIK, 2019, p.30). Este exercício crítico acerca da ZEIS busca discutir os sujeitos sociais que fazem uso desse instrumento e as disputas e ações políticas que ele inspira, avançando sobre as contradições que emergem do seu uso nos diferentes casos estudados. As contradições são latentes à medida em que a ZEIS tem origem nas mobilizações do campo popular pelo direito à moradia e permanece como bandeira de luta contra a lógica excludente de produção do espaço urbano. É expressiva a contribuição da ZEIS na resistência a tentativas de despejo e na constituição de sujeitos sociais de territórios populares. Entretanto, a história por trás da ZEIS ? das reivindicações pela Reforma Urbana durante a redemocratização ao Estatuto da Cidade e as décadas seguintes de avanço neoliberal nos governos da América Latina ? levanta questões relevantes para um debate. Inserida no campo jurídico e governamental, a ZEIS não cumpriu seu propósito inicial, assumindo a função de controle e contenção dos conflitos urbanos em benefício dos mercados e do estatuto da propriedade privada (em detrimento da posse) sob a pressão por captura de terras e despossessão. Para alimentar uma reflexão sobre o lugar da ZEIS nas tramas territoriais das cidades brasileiras, destacamos os casos do Rio de Janeiro e Fortaleza. As duas cidades têm parte expressiva da população morando em territórios populares e, nos últimos anos, passaram por grandes remodelações para sediarem os eventos da Copa do Mundo FIFA de futebol masculino de 2014 em meio a conflitos sociais acirrados e violentos processos de despejo. Recorremos às contribuições de autores dedicados à crítica da produção do espaço urbano e da atividade de planejamento para orientar a discussão de cada caso. Em Guerra dos Lugares (2015) e Paisagens para a renda, paisagens para a vida: disputas contemporâneas pelo território urbano (2019), Raquel Rolnik discute a condição de transitoriedade permanente da moradia popular, a fronteira incerta entre legal/ilegal e o papel central do Estado nas disputas territoriais. No texto "Mapeamentos, identidades e territórios" (2010), Henri Acselrad identifica a importância do registro cartográfico para identificação de sujeitos sociais com o território, tema que traz à tona a contribuição da ZEIS para a visibilidade dos conflitos urbanos. Incorporamos ainda autoras que exploram formas de planejar fora do Estado, Leoni Sandercook (1998) e Faranak Miraftab (2012). Na cidade do Rio de Janeiro, reconhecemos as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) como uma experiência de aplicação do instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social. Na trajetória local, este instrumento teve sua origem e sua aplicação imbricada às políticas públicas de intervenções em favelas (majoritariamente com intervenções físicas) e em loteamentos populares (especialmente nos processos de regularização urbanística e fundiária). A década de 1980 marca um importante momento de consolidação de bases para as políticas públicas habitacionais locais e, neste quadro, ocorreu a primeira experiência de flexibilização do zoneamento urbano. Atrelada à intervenção do PROMORAR na favela da Maré (por meio do Projeto Rio) é criada a Zona Especial 10 (ZE-10) em 1981. Ela é apresentada como zona de “recuperação urbana de áreas já consolidadas, constituídas por aglomerações de habitações subnormais, consideradas de interesse social”, para a qual deveriam ser estabelecidas condições de zoneamento, parcelamento e edificações específicas. Após sua criação, a ZE-10 foi aplicada em outros territórios da cidade que receberam intervenções por políticas públicas. As AEIS foram incorporadas à legislação municipal em 1992, por meio do Plano Diretor da cidade, reconhecido por sua abordagem progressista e alinhada aos preceitos do movimento de Reforma Urbana. Sua aprovação se deu logo após a aprovação da Lei Orgânica Municipal, em 1990, que também avançou na defesa do direito à moradia, destacando o princípio da não remoção e a previsão de projetos de urbanização e regularização. A partir destes marcos e junto ao fortalecimento da capacidade institucional do município, as AEIS foram incorporadas no PD como instrumento básico da política habitacional, com a declaração prévia de loteamentos e favelas como AEIS sendo prerrequisito para a inclusão nas políticas formuladas e executadas pela recém-criada Secretaria Municipal de Habitação. Desta forma, a longa trajetória de políticas locais de urbanização de favelas na cidade do Rio de Janeiro tem as AEIS como instrumento essencial, sendo acionada para transpor entraves internos à administração estatal e externos (dando suporte a diálogos com concessionárias, Cartórios e, em especial, com o BID). Ao fim desta longa trajetória, com a interrupção das políticas locais e a perda de centralidade desta agenda na gestão municipal (assim como estadual e federal), temos hoje mais de mil favelas e loteamentos populares declarados como AEIS por meio de leis de autoria do executivo municipal, além de um conjunto significativo de AEIS com origens no legislativo. Apesar desta ampla operação do instrumento, são raras as AEIS destinadas a vazios urbanos (categoria prevista na legislação municipal desde 1992) e poucos avanços se deram na regularização urbanística, sendo escassas e rasas as legislações neste sentido. Em Fortaleza, a luta para o reconhecimento e inserção das ZEIS na política urbana já soma mais de uma década e, ainda assim, parece ter um longo caminho pela frente. Desde o PDPFor de 2009, a inércia da gestão municipal, que também pode ser lida como falta de vontade política para a regulamentação do instrumento, tem sido confrontada pelos movimentos organizados da sociedade civil. Ao longo do caminho, uma série de momentos se aproximam do que Miraftab (2012) chamou de planejamento insurgente. A partir dos espaços convidados (audiências públicas, reuniões ordinárias e extraordinárias do comitê e comissão), movimentos sociais e comunitários, junto a grupos acadêmicos,, conseguiram se articular e criar outros meios de pressionar o poder público a garantir seus direitos , criando espaços inventados como a ocupação da sede da Prefeitura em 2013, a elaboração da Carta da ZEIS enviada à Câmara e outros momentos de apropriação do instrumento por moradores de territórios para evitar despejos forçados ou reagir a projetos não participativos. Assim, o caso da regulamentação das ZEIS em Fortaleza reitera a importância da prática cidadã defendida por Miraftab (2012). Tais práticas, articulações e reivindicações pela garantia de direitos diversos podem se tornar ponto de inflexão do curso hegemônico da política urbana. E é a partir dessas movimentações, que permeiam esferas convidadas e inventadas, apoderam-se do que lhe é de direito e decidem agir com o Estado, contra o Estado e apesar do Estado (SOUZA, 2006) rumo ao direito à cidade, que é possível tecer uma rede de casos onde essas estratégias merecem ser evidenciadas para construir um outro modo de planejar as cidades. Não podemos perder de vista que nas negociações, lutas e disputas surgem e se fortalecem sujeitos políticos. Nos violentos processos de remoções e reassentamentos por efeito dos megaeventos, fortaleceram-se articulações que reivindicavam o reconhecimento dos territórios populares e a constituição de seus moradores como sujeitos de direitos que, para além da garantia do direito à moradia, deveriam ter garantido o direito a pensar e imaginar (e planejar) o futuro das cidades. Nessas organizações populares constituídas a partir dos territórios, o instrumento da ZEIS também foi disputado, sendo acionado contra as remoções como uma das diversas camadas do pluralismo jurídico. Como defendido por Leoni Sandercock (1998), mesmo sendo este um instrumento moldado pelo Estado e para suas ações, é necessário iluminar as experiências de planejamento para além da versão “oficial” da história, em que os sujeitos autorizados com marcadores sociais estritamente definidos são protagonistas. BIBLIOGRAFIA ACSELRAD, Henri. Mapeamentos, Identidades e territórios. In: Cartografia social e Dinâmicas territoriais: marcos para o debate. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2010, pp 9-46. MIRAFTAB, F. Planning and Citizenship.In: Rachel Weber and Randall Crane (eds.) Oxford Handbook of Urban Planning. Oxford University Press.p. 1180-1204, 2012. ROLNIK, R.. Democracia no fio da navalha: limites e possibilidades para a implementação de uma agenda de Reforma Urbana no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Recife, v. 11, n. 2, set. 2009. Disponível em: http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/rbeur/article/view/219. ______. Informal, ilegal, ambíguo: a construção da transitoriedade permanente. In: Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo Editorial, p. 169-194, 2015. ______. Paisagens para renda, paisagens para vida: disputas contemporâneas pelo território urbano. Indisciplinar, [S. l.], v. 5, n. 1, p. 18–43, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/article/view/32741. Acesso em: 14 jan. 2022. SANDERCOCK, Leonie. Introduction: Framing Insurgent Historiographies for Planning. In: Making the Invisible Visible. A Multicultural Planning History. Los Angeles: University of California Press, 1998.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

FERNANDES, Juliana De Boni; XIMENES, Luciana; ALVES, Michaela Farias. O LUGAR DAS ZEIS NAS TRAMAS DA CIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DO RIO DE JANEIRO E DE FORTALEZA.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/493631-O-LUGAR-DAS-ZEIS-NAS-TRAMAS-DA-CIDADE--UMA-ANALISE-A-PARTIR-DAS-EXPERIENCIAS-DO-RIO-DE-JANEIRO-E-DE-FORTALEZA. Acesso em: 02/05/2025

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