SAPORÉ É ZEIS - O CONFLITO ENTRE A IMPLEMENTAÇÃO DO PARQUE RIACHO MACEIÓ E A PERMANÊNCIA DA COMUNIDADE

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
SAPORÉ É ZEIS - O CONFLITO ENTRE A IMPLEMENTAÇÃO DO PARQUE RIACHO MACEIÓ E A PERMANÊNCIA DA COMUNIDADE
Autores
  • Luísa Fernandes Vieira Da Ponte
  • Juliana De Boni Fernandes
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 09 – Função social da propriedade, desmonte da ordem jurídico-urbanística e efetividade dos instrumentos de política urbana
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/486200-sapore-e-zeis---o-conflito-entre-a-implementacao-do-parque-riacho-maceio-e-a-permanencia-da-comunidade
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Planejamento urbano, ZEIS, Mapeamento comunitário, Conflito, Assessoria Técnica
Resumo
Fortaleza, assim como demais capitais brasileiras, é palco de muitos conflitos no âmbito urbano (VAINER, 2016), e há, nesse sentido, várias formas de olhar para a cidade. Uma delas é por meio das lentes do planejamento urbano oficial: a propaganda da administração pública promete, com seus planos, programas e projetos, um desenvolvimento sustentável e participativo para a cidade. Outra maneira de enxergar é por meio da vida das pessoas que constroem a cidade cotidianamente, mas são frequentemente excluídas dos benefícios que o planejamento do espaço urbano pode trazer. Trata-se, aqui, de pessoas que vivem em assentamentos informais de baixa renda e que precisam lutar para acessar condições de vida básicas por meio da retomada de direitos a eles negligenciados. A existência de conflitos nesse tipo de contexto acaba se tornando, como entende Vainer (2016), um caminho possível de visibilização de pluralidades e construção de novas realidades urbanas. Neste trabalho, abordamos o conflito no território onde se encontra a Comunidade Saporé, no Mucuripe, em Fortaleza e a potencialidade da análise territorial aprofundada através do desenho e mapeamento alternativo. O Mucuripe está localizado em uma área litorânea bastante conhecida e valorizada da cidade, onde é possível encontrar realidades contraditórias: a do bairro turístico, com ocupação de prédios de alto padrão de renda, e, em contraposição, os assentamentos populares originados de vilas de pescadores, originários do território, e do êxodo rural do século XX. Também é uma área repleta de espaços ambientalmente sensíveis, como o ecossistema do riacho Maceió, inserido completamente no Grande Mucuripe. As ocupações populares têm sofrido um processo de sufocamento pela ocupação de alta renda, em especial a partir do final do século passado. Os moradores desses assentamentos são pressionados pelo mercado imobiliário formal, dado que suas formas de ocupação do território nem sempre são vistas como válidas. Este contexto, no qual políticas públicas estão bastante alinhadas com os interesses da iniciativa privada, incita na população afetada a necessidade lutar pela efetivação de seus direitos, o que tem lhes garantido algumas vitórias. Uma das mais importantes é a delimitação de parte do território do Mucuripe como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), que engloba em sua poligonal, segundo classificação do Plano Local de Habitação de Interesse Social - PLHIS (FORTALEZA, 2012), oito assentamentos precários, sendo um deles a Saporé. O status de ZEIS confere aos moradores daquela área algumas atribuições, como o aumento das chances de segurança de posse e, em casos de remoções consideradas indispensáveis, que o reassentamento seja realizado em um raio de até dois quilômetros de distância do local origina, segundo seu próprio regimento interno. A delimitação de uma ZEIS, em Fortaleza, também implica na elaboração de um plano especial, específico para cada zona, que tem a prerrogativa de adaptar os parâmetros urbanísticos originalmente estabelecidos pelo Plano Diretor. O Plano Diretor Participativo de Fortaleza - PDPFor, lei complementar nº 62, de 02 de fevereiro de 2009, - ainda vigente visto que o processo de revisão, necessário a cada 10 anos, ainda não foi concluído - foca na questão da ZEIS e na sua implementação, e, cabe destacar que, a relevância dada a esta pauta nas normativas municipais recentes é fruto da grande mobilização dos movimentos populares de luta por moradia. De fato, esta tem sido uma agenda que tem capacidade de reunir diversas lutas por direitos de grupos urbanos em situação de vulnerabilidade. A ZEIS Mucuripe é, dentre as 45 ZEIS de ocupação delimitadas pelo PDPFor 2009, uma das 10 classificadas como prioritárias, e teve seu Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF) elaborado, mais uma vez após pressão dos movimentos de luta por moradia, no ano de 2019. Algumas questões problemáticas permeiam o PIRF da ZEIS Mucuripe no que diz respeito à Saporé, já que, mesmo com a prerrogativa de flexibilizar o parâmetros do Plano Diretor para construir alternativas viáveis e compatíveis com a vida de moradores de assentamentos em situação de vulnerabilidade, a equipe técnica responsável pela elaboração dos planos enfrentou resistência da gestão pública municipal para o desenho de permanência da comunidade na área, com a justificativa de estar em uma Zona de Preservação Ambiental (ZPA) de acordo com o PDPFor. Além do Plano Diretor e do PIRF, há pelo menos mais duas iniciativas de planejamento que incidem sobre essa área específica. A primeira é a Operação Urbana Consorciada Maceió Papicu - OUC Maceió Papicu, que baseia seu desenvolvimento em uma parceria público-privada. Ela ainda está em fase de negociação, mas, se concretizada, ela iria ser conflitante com o que é previsto no Plano Diretor. Mesmo que seu zoneamento respeite e considere os limites da ZEIS, eles promovem mudanças nos parâmetros urbanos em quadras vizinhas, o que aumentaria o custo de vida da região e a pressão para que os moradores se mudassem para locais mais distantes e baratos. A segunda é o projeto do Parque Riacho Maceió, promovido pela Prefeitura de Fortaleza com financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). A escala onde esse projeto e a comunidade da Saporé se intercedem é o nosso principal objeto de investigação. O parque começou a ser implementado em 2020, e em 2021 a Prefeitura publicou no Diário Oficial do Município o decreto nº 15.060, de 26 de julho de 2021, contendo as poligonais de remoções a serem realizadas para a implementação da construção. A municipalidade condicionou o melhoramento urbano e a requalificação do recurso hídrico, através do projeto do parque, à negociação com os moradores da Saporé - quase metade das casas da comunidade estão incluídas em uma das poligonais. Agentes municipais foram ao local para comunicar que a remoção parcial aconteceria, e para medir e marcar as casas que iriam ser retiradas. Segundo moradores que tiveram suas casas marcadas, eles não se importaram, entretanto, em explicar os motivos, apresentar o projeto, ou conversar com os moradores sobre alternativas de compensação. “Se vocês não saírem, tudo bem. Mas aí não vamos ter projeto para essa área”, eles escutaram de uma funcionária pública da Secretaria Municipal de Infraestrutura durante uma reunião em novembro de 2020. É importante dizer, entretanto, que os moradores da Saporé não querem só ser deixados em paz. É necessário pensar em melhorias para a área, para mitigar as vulnerabilidades ambientais, habitacionais e urbanísticas enfrentadas. A existência sobreposta dessas duas iniciativas de planejamento para a área do Mucuripe, é, em si, sintoma de uma lógica contraditória de planejamento da cidade, no qual é realizado um investimento em infraestrutura urbana com verba pública para uma área na qual há previsão de flexibilização para investimentos da iniciativa privada, “preparando o terreno” para a vinda de grandes empreendimentos, enquanto que se deixa de lado a provisão habitacional para assentamentos afetados. Mesmo que a nova gestão municipal, iniciada em 2021, parecesse assimilar a demanda por permanência da maioria dos moradores e considerar a importância da ZEIS na região, ainda não houve apresentação do projeto aos moradores ou consulta sobre a compensação desejada, seja ela a indenização justa ou o reassentamento próximo, de acordo com os preceitos da ZEIS. Também houve bastante resistência em fornecer as plantas do projeto para a comunidade. Após diversos pedidos e pressão por parte do Conselho Gestor da ZEIS Mucuripe durante as reuniões com os representantes do Poder Público, os arquivos foram finalmente cedidos. É importante lembrar que tudo isso está acontecendo durante uma pandemia e enquanto há, inclusive, publicação de decisão do Supremo Tribunal Federal que orienta a suspensão de ações de despejos, a ADPF 282, válida até junho de 2021. Com pouco diálogo por parte da Prefeitura, entretanto, os moradores se encontram em uma situação em que eles não sabem o que fazer, ou o que vai acontecer: se irão ser removidos de maneira forçada, ou se vai haver algum tipo de negociação. Enquanto isso, eles não sabem por quanto tempo ainda têm suas casas. Neste cenário de incertezas, fomos chamadas para acolher a demanda dos moradores, dada a nossa atuação de assessoria técnica junto ao Conselho Gestor da ZEIS Mucuripe. Com isso, começamos a realizar visitas de campo para entender melhor o progresso das ações da gestão municipal em relação aos moradores. Durante o último ano, acompanhamos a comunidade através de reuniões e visitas de campo, ouvindo os relatos dos moradores e buscando, através da análise e comparação dos dados oficiais com a realidade construída, montar um repertório de estratégias que contribuam para a defesa de uma compensação justa para a parcela da comunidade afetada. A nossa atuação se concentrou em, além de tentar mobilizar os moradores para o comparecimento de reuniões onde seriam discutidas estratégias para confrontar a não ação da Prefeitura, realizar um mapeamento coletando informações sobre suas relações de vizinhança; a comunicação com a Prefeitura depois da demarcação e cadastramento das casas a serem removidas pelo projeto do Parque; o conhecimento deles sobre o instrumento urbanístico da ZEIS, e que tipo de compensação seria mais adequada de acordo com cada um. Ademais, a análise técnica desses dados através do georreferenciamento nos permitiu identificar diversas incongruências em relação ao desenho técnico do projeto e à realidade encontrada em campo, como casas inexistentes no projeto e existentes na realidade e vice-versa, delimitações diferentes das edificações e também mapear riscos socioambientais que estariam diretamente relacionados com a não ação da gestão municipal dentro do território, como árvores frágeis ameaçando cair na estrutura das casas, pontos de acúmulo de lixo e casas tomadas por grupos faccionados. Por meio do trabalho de campo, notamos alguns problemas nos desenhos do projeto oficial e começamos a organizar a informação, entendendo que o exercício de elucidar essas invisibilidades ajuda na compreensão da sistemática de um projeto implementado sem a participação da sociedade civil. A produção e o desenho urbano a partir de novas camadas de informação, coletadas in loco, pode ser um instrumento para a democratização da informação, para o empoderamento comunitário e para um futuro confronto com a gestão, visto que, para além da defasagem de dados para informar o conflito, o Poder Público municipal tem se esquivado da responsabilidade de tratar a questão com transparência e diálogo com a comunidade, fundamental para a construção de uma proposta que considere a existência das pessoas no território. Uma atuação situada no território, em suma, nos permite melhor avaliar como os instrumentos de acesso à cidade estão se dando na prática, e compreender os conflitos existentes de maneira mais aprofundada - quais as condições de moradia, trabalho e vida dos moradores, quais os reais riscos ambientais que a comunidade está submetida, quais os desejos dos moradores que têm sofrido processos históricos de espoliação. Acredita-se, nesse sentido, que é possível traçar estratégias efetivas rumo à garantia do direito dos moradores da Saporé a permanecer em um dos metros quadrados mais valorizados da cidade e tais conquistas estão diretamente relacionadas ao ato de desenhar a comunidade de forma aproximada à realidade local, construindo esse mapeamento com a consulta e contribuição dos moradores. Referências Bibliográficas FORTALEZA. Lei Complementar nº 62, 02 de fevereiro de 2009. Plano Diretor Participativo. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Fortaleza. 2009. ______. Plano Local de Habitação de Interesse Social. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Fortaleza. 2013. VAINER, Carlos. Introdução. In: OLIVEIRA, F. L. DE et al. (EDS.). Planejamento e conflitos urbanos: experiências de luta. Rio de Janeiro, RJ Letra Capital, 2016. (E-BOOK)
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PONTE, Luísa Fernandes Vieira Da; FERNANDES, Juliana De Boni. SAPORÉ É ZEIS - O CONFLITO ENTRE A IMPLEMENTAÇÃO DO PARQUE RIACHO MACEIÓ E A PERMANÊNCIA DA COMUNIDADE.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/486200-SAPORE-E-ZEIS---O-CONFLITO-ENTRE-A-IMPLEMENTACAO-DO-PARQUE-RIACHO-MACEIO-E-A-PERMANENCIA-DA-COMUNIDADE. Acesso em: 02/09/2025

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