DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTEÚDO JURÍDICO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: UMA ANÁLISE POR OCASIÃO DOS 20 ANOS DO ESTATUTO DA CIDADE

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTEÚDO JURÍDICO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: UMA ANÁLISE POR OCASIÃO DOS 20 ANOS DO ESTATUTO DA CIDADE
Autores
  • Paulo Eduardo de Oliveira Berni
  • Camila Rapach Xavier
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 09 – Função social da propriedade, desmonte da ordem jurídico-urbanística e efetividade dos instrumentos de política urbana
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/486111-descaracterizacao-do-conteudo-juridico-da-regularizacao-fundiaria--uma-analise-por-ocasiao-dos-20-anos-do-estatut
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Direito Urbanístico, Diretrizes, Regularização fundiária, Lei nº 13.465/2017.
Resumo
O tema da presente investigação é o conteúdo jurídico das diretrizes da política urbana no Brasil. Especificamente, pretende-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: completados 20 anos da promulgação do Estatuto da Cidade, quais os reflexos que as modificações do conteúdo jurídico da diretriz da regularização fundiária produzem nesses processos? A hipótese de trabalho é que a Lei nº 13.465/2017 descaracterizou o conteúdo jurídico de regularização fundiária, modificando radicalmente seu conceito legal. Busca-se, então, a partir de casos concretos, explorar as consequências desse fato. Marco normativo da regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição, a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) foi resultado de grande mobilização do movimento pela reforma urbana, sendo por esta razão muito celebrada. Muito embora outras normas sobre o tema tenham sido editadas nas duas décadas de sua vigência – com destaque para a Lei nº 11.977/2009, “que trouxe novas diretrizes e instrumentos, assim como um procedimento básico a ser adotado para fins de regularização fundiária no país, superando impasses gerados pelas lacunas dos dispositivos sobre o tema no Estatuto da Cidade” –, foi a Lei nº 13.465/2017 aquela que produziu a mais radical modificação no conteúdo jurídico da diretriz regularização. De uma concepção de regularização que se convencionou chamar de plena, a recente lei passou a considerar a regularização a partir de sua dimensão registral. A pesquisa se divide em três partes. Na primeira, o objetivo é recuperar o debate jurídico a respeito do sentido, do alcance e das funções das diretrizes da política urbana, com ênfase na regularização fundiária. A partir de pesquisa na doutrina especializada, resgata-se o debate sobre a efetividade de normas dessa natureza, nos planos normativo e concreto. Ainda que o marco temporal da investigação sejam os 20 anos do Estatuto, é necessário recuar até o art. 182 da Constituição Federal, que dispõe que a “política de desenvolvimento urbano” será executada pelos Municípios “conforme diretrizes gerais fixadas em lei”, estabelecidas justamente pelo Estatuto da Cidade. Presente desde os primeiros debates acerca da elaboração de projeto de lei nacional sobre o desenvolvimento urbano, algumas diretrizes passaram incólumes pelas diversas etapas de tramitação. Entretanto, o rol foi ampliado durante o processo legislativo e outras acrescentadas por leis modificadoras. O conjunto final expressa “uma leitura de cidade e um compromisso com a reversão de um quadro histórico de injusta distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização”. Sundfeld refere que “o direito urbanístico fica claramente vinculado a uma visão totalizante de mundo, oposta ao individualismo que, ainda hoje, inspira o direito civil”. Muito embora formalmente não exista hierarquia entre o Estatuto da Cidade e os demais diplomas legais infraconstitucionais que dispõem sobre a política urbana, é importante registrar o caráter especial daquele. Trata-se, afinal, da lei que estabelece diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano, conforme preceitua a Constituição Federal. Desse modo, entende-se que a disposição constitucional é inequívoca: “não há validade jurídica para a aplicação de instrumentos em sentido contrário ao preconizado pelas diretrizes da Política Urbana traçadas no Estatuto da Cidade”. Ao menos três seriam as repercussões práticas de tal afirmação. Primeira, “possibilitar a sanção jurídica da inércia do Poder Público”; segunda, “fornecer parâmetros normativos para controle das orientações seguidas pela política urbana, com isso viabilizando a invalidação das normas e atos a eles contrários”; por fim, permitir o bloqueio dos comportamentos privados que agridam o equilíbrio urbano”. Portanto, as diretrizes indicam o modo interpretar a totalidade da norma, produzindo efeitos em relação ao próprio legislador – tanto para a legislação urbanística em geral quando para o legislador municipal –, aos administradores e ao intérprete em geral. Na segunda parte da pesquisa o objetivo é traçar uma linha da evolução do conceito – também normativo – da diretriz da regularização fundiária. Busca-se compreender como seu sentido foi se consolidando ao longo de quinze anos, até a radical modificação de 2017. Nas últimas três décadas, a experiência brasileira consolidou, em particular se olharmos para a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade e a Lei nº 11.907/2009, uma abordagem integrada de regularização. Com olhos para a segurança da posse e para a integração socioespacial dos moradores informais, “mais do que regularização jurídica dos lotes, tais intervenções passaram a ser encaradas em dimensões múltiplas, tendo sempre por meta a melhoria das condições de habitabilidade dos assentamentos”. Já a Lei nº 13.465/2017 rompeu com essa trajetória. Desconsiderando o “conjunto de princípios jurídicos, ambientais e sociais que lastreavam a matriz de regulação urbana que vinha se consolidando no Brasil”, tem como traço marcante “a supervalorização da dimensão econômica dos bens fundiários e imobiliários, facilitando-se a aquisição e a transação de seus títulos de propriedade”. Não há na nova norma a exigência de articulação entre a política de regularização fundiária com outras, setoriais. A partir da possibilidade de regularização de “imóvel urbano com finalidade não residencial” (art. 23, inciso I), sequer há vinculação desses processos com o direito à moradia. Dessa forma, “saem de cena o direito à moradia e o direito à cidade, a função social da propriedade e a preocupação com o meio ambiente equilibrado, passando para a centralidade da política o direito de propriedade e a função econômica da propriedade”. O recente diploma representa, assim, uma aproximação à concepção de regularização fundiária limitada à titulação da terra e que retoma a obra de Hernando De Soto e a experiência peruana da década de 1990 – entendido até então como paradigma antagônico ao caso brasileiro. O afastamento do núcleo do programa constitucional da política urbana indica a intensificação processo de mercantilização das cidades. Finalmente, na terceira seção, foram analisadas exemplificativamente experiências de regularização fundiária a partir dos paradigmas apresentados, com o intuito de identificar as repercussões e os limites da aplicação da diretriz da regularização em casos concretos. O primeiro caso é o da Vila das Placas, próxima do centro de Porto Alegre. Em 1997 passou por um processo de regularização fundiária. Segundo relato do urbanista que acompanhou o processo, a regularização foi marcada por intensa participação popular. Durante a realização das obras, que transformaram os barracos em prédios residenciais, os moradores, por exigência própria, permaneceram no local, abrigando-se em imóvel que se tornou, posteriormente, o centro comunitário. O Condomínio dos Anjos (novo nome), assim, conquistou, além da titularidade regular dos lotes e padrões construtivos mais seguros, o acesso à cidade a seus serviços. Outro caso, contemporâneo ao anterior, é o da Vila Nossa Senhora da Esperança. Também em 1997, a vila, então localizada no bairro da Glória, em local com acesso à área central e seus serviços, foi reassentada no bairro do Belém Velho, na Zona Sul da cidade. Segundo uma liderança comunitária, os moradores, sem acesso à área urbana de Porto Alegre, saqueavam carregamentos de frutas e legumes destinados aos animais da fazenda para obterem alimentos. As famílias receberam apenas os lotes vazios, demarcados por estacas, e precisaram construir suas moradias. Somente a partir do ano 2000, o poder público começou a investir na infraestrutura local, com a instalação de redes de água encanada, esgotamento sanitário e energia elétrica, a pavimentação de ruas e a garantia de recursos para a construção de casas com maior segurança construtiva. Hoje, a Vila Esperança é equipada com um posto de saúde e uma creche-escola. No entanto, os moradores ainda relatam dificuldades no acesso à cidade. O terceiro caso, mais recente, mais recente, é o da Vila União, localizada no bairro do Belém Velho, em Porto Alegre. Trata-se de uma ocupação de um terreno particular iniciada em 2014, cujo titular havia realizado, na gleba vizinha, um loteamento irregular. Desde o início da ocupação, os moradores da Vila União resistem ao processo de reintegração de posse iniciado não apenas pelo proprietário, mas também pelos moradores do loteamento, que, visando sua regularização fundiária, precisavam de uma reserva de espaço destinado a equipamentos públicos, sendo necessária, para esse fim, a desocupação de moradias da Vila União. Em 2017 os moradores do loteamento perderam interesse na reintegração, já que, com a Lei nº 13.465/2017, a reserva de lotes para equipamentos públicos tornou-se dispensável. Atualmente, a Vila União permanece resistindo à reintegração de posse, sendo pautada, pelo Ministério Público, a remoção de algumas casas para a instalação de uma bacia de contenção de águas pluviais de serventia para ambos os assentamentos. Por fim, a experiência do “Projeto Portelinha”, regularização fundiária de assentamento de baixa renda localizado em Tramandaí, apresenta-se como iniciativa pioneira no envolvimento de diversos atores voltados à efetivação de um projeto de regularização fundiária pleno, com o oferecimento de infraestrutura adequada, de saneamento básico e de todos os serviços básicos necessários a uma vida digna na cidade. A iniciativa é considerada pioneira, uma vez que é realizada no âmbito do Poder Judiciário, com oralidade e informalidade, contando com o apoio técnico da UFRGS para o mapeamento, georreferenciamento e demarcação da área. O projeto é marcado pela união de esforços conjunta e concentrada de diversos atores da sociedade em prol de uma causa social voltada à efetivação do direito à cidade de uma comunidade de mais de 3.000 (três mil) pessoas. A metodologia utilizada se valeu de pesquisa bibliográfica. No que tange aos casos analisados, as informações foram obtidas a partir da realização de pesquisas empíricas, sendo então propostas categorias de análise que possibilitam identificar as consequências concretas da descaracterização do conteúdo jurídico da regularização.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

BERNI, Paulo Eduardo de Oliveira; XAVIER, Camila Rapach. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTEÚDO JURÍDICO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: UMA ANÁLISE POR OCASIÃO DOS 20 ANOS DO ESTATUTO DA CIDADE.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/486111-DESCARACTERIZACAO-DO-CONTEUDO-JURIDICO-DA-REGULARIZACAO-FUNDIARIA--UMA-ANALISE-POR-OCASIAO-DOS-20-ANOS-DO-ESTATUT. Acesso em: 06/05/2025

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