EXPANSÃO URBANA E MODOS DE VIDA TRADICIONAL: O CASO DO QUILOMBO FAZENDA CANDEAL II, FEIRA DE SANTANA (BA)

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
EXPANSÃO URBANA E MODOS DE VIDA TRADICIONAL: O CASO DO QUILOMBO FAZENDA CANDEAL II, FEIRA DE SANTANA (BA)
Autores
  • Adriana Nogueira Vieira Lima
  • Michelle Camacam Da Silva De Oliveira
  • Rafaela Brandão da Silva
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 07 – Planejamento e gestão territorial, bens públicos e privatizações, expansão urbana e as relações urbano-rurais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485803-expansao-urbana-e-modos-de-vida-tradicional--o-caso-do-quilombo-fazenda-candeal-ii-feira-de-santana-(ba)
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Expansão urbana, Quilombo, Direito à cidade.
Resumo
Adriana Nogueira Vieira Lima Michelle Camacam da Silva de Oliveira Rafaela Brandão da Silva 1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 consagrou o Plano Diretor como o principal instrumento da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Apesar do avanço da ordem urbanística inaugurado pela Constituição Cidadã de 1988 e consagrado pela Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), em prol dos princípios da função social da propriedade e das cidades, os dispositivos legais são constantemente violados pela administração pública local, configurando um conflito relevante entre disposição legislativa, prática gestora e perspectiva popular. No intuito de ilustrar essas problematizações, este trabalho apresenta o estado da arte sobre as tensões decorrentes do processo de expansão urbana no município de Feira de Santana (Bahia), realizado por meio do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Territorial, instituído pela Lei Complementar nº 117/2018, que, entre outros objetivos, buscou incorporar as comunidades quilombolas à área de expansão urbana, desrespeitando as condicionantes previstas no artigo 42-b do Estatuto da Cidade, relativas à ampliação do perímetro urbano, e violando o direito constitucional à participação, núcleo central do direito à cidade. O trabalho foi desenvolvido a partir da inserção das autoras no Núcleo de Prática Jurídica Marcelina Oliveira, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), espaço voltado para a contribuição do empoderamento dos sujeitos coletivos de direito, enquanto estratégia articulada de resistência e garantia do direito ao território. 1.2 O ESTUDO DE CASO: MATINHA E FAZENDA CANDEAL II – FEIRA DE SANTANA (BA) Feira de Santana, localizada a 114 km de Salvador, possui cerca de 620 mil habitantes, sendo o segundo município com maior população do estado da Bahia, e configura-se como sede da Região Metropolitana de Feira de Santana, instituída pela Lei Complementar nº 35, de 6 de julho de 2011. Ao longo da sua história, o planejamento de Feira de Santana esteve longe de promover a complementaridade e integração entre o urbano e rural, previstas no artigo 2º, inciso VII, do Estatuto da Cidade. Em seu curso, a legislação urbana vem contribuindo com a hierarquização entre campo e cidade, promovendo apagamentos e desconstituição do modo de vida rural, sobretudo em relação às comunidades tradicionais. Esse tratamento, intensificado nas últimas duas décadas, vem acirrando os processos de segregação e servindo para a abertura de fronteiras para o mercado imobiliário, através da implantação de loteamentos urbanos e condomínios fechados (ver Santos e Araújo ). A comunidade quilombola do Candeal foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2017, sendo formada por pequenos sítios cujos moradores desenvolvem o plantio de feijão, milho, mandioca e amendoim e a criação de aves e animais caprinos, ovinos e suínos. Em termos de infraestrutura, há sérios problemas de mobilidade e ausência de equipamentos públicos. 1.3 A EXPANSÃO URBANA NO PLANO DIRETOR DE FEIRA DE SANTANA A elaboração do Plano Diretor vigente ocorreu no âmbito do Projeto Integra Feira (Proif), que propunha articular o poder público, empresários e sociedade civil na elaboração dos estudos para subsidiar a elaboração do Plano Diretor e de leis complementares. Apesar do slogan do Proif, “Planejando com a sociedade civil, o desenvolvimento integrado e sustentável no território feirense”, o processo de elaboração do Plano Diretor não garantiu a efetiva participação da sociedade civil em todas as etapas do processo, nos termos dispostos no artigo 40 do Estatuto da Cidade e na Resolução nº 25, de 1º de março de 2005, do Conselho das Cidades. A falta de consulta pública às comunidades quilombolas confronta o disposto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais, com destaque para o artigo 6º, que estabelece o direito à participação da comunidade na adoção de decisões que atinjam diretamente o seu modo de vida, além de determinar que deve haver consulta realizada de maneira prévia, esclarecida e de boa-fé, antes de qualquer decisão acerca da comunidade. A expansão urbana sem planejamento compromete a integridade do patrimônio cultural brasileiro, nos termos do artigo 216 da Constituição Federal de 1988. No caso específico, a comunidade Candeal II, por ser remanescente de quilombo, tem organização e gestão específicas, em uma lógica de ocupação do território distinta da lógica estatal e metropolitana. Desse modo, o Plano Diretor não pode adotar uma modelagem especial que distancie a comunidade da sua conjuntura histórica de resistência, em especial às formas de produção e reprodução presentes no ambiente urbano hegemônico, que tanto fragmenta, quando não extermina, as formas de sustentabilidade e existência do povo afrodescendente ali concentrado. A partir da análise do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2018 de Feira de Santana, é possível observar a permanência do método de hierarquização entre urbano e rural promovida pelas legislações anteriores, sendo explicitado que as comunidades quilombolas deverão ser “incorporadas ao desenvolvimento e à urbanização”. O inciso VII do artigo 206 do Plano Diretor, ao tratar do ordenamento da macrozona de conservação ambiental, define como um dos seus objetivos: [...] incorporar as comunidades quilombolas da Lagoa Grande, no Distrito de Maria Quitéria e Matinha dos Pretos e Candeal, no Distrito da Matinha, ao desenvolvimento urbano e metropolitano de Feira de Santana, promovendo a melhoria da mobilidade da população moradora dessas localidades, em especial da locomoção das crianças às escolas, aos serviços de saúde, promoção de funções diversificadas de moradia, lazer e serviços, potencializando seu caráter ambiental e turístico. No Plano Diretor, não há o detalhamento da previsão de projetos, planos e programas que busquem a proteção desses territórios e as suas formas próprias de organização social, reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Por outro lado, o artigo 197 do PDDU/2018 define a macroárea de expansão urbana como espaço territorial de ampliação do tecido urbano com finalidade de proporcionar novas dinâmicas. Essa diretriz pode ser mais bem compreendida a partir da modelagem espacial proposta pelo PDDU/2018 e das obras para ampliação do sistema viário empreendidas pela Prefeitura de Feira de Santana, a exemplo da ampliação das Avenidas Fraga Maya e Airton Sena, que permitem uma maior interligação com o bairro do Papagaio, intensificando o redirecionamento da implantação de condomínios fechados em áreas anteriormente consideradas como zona rural. Em uma primeira análise do PDDU/2018, é possível verificar que o processo de transformação do urbano em rural não conta com dispositivos fundamentais, taxativos, do artigo 42-b da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. A modificação do Estatuto da Cidade teve o objetivo de delimitar diretrizes e restrições para ampliação do perímetro urbano e foi introduzida pela Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. O artigo 42-b do Estatuto da Cidade determina que os municípios precisam formular um projeto específico como condição para ampliação do perímetro urbano. Esse projeto, além de demarcar o novo perímetro urbano, deve delimitar os trechos com restrições à urbanização e sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; definir diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais, e parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda; prever áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido; definir mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana; definir diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e prever mecanismos para a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público. Conforme já exposto, não se pode perder de vista que a comunidade Candeal II, por se tratar de remanescente quilombola, prevista no Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, insere-se no âmbito de política habitacional específica. De acordo com isso, apesar de o Plano Diretor 2018 ter previsto no artigo 206, inciso VII, a comunidade de Candeal como região para ser futuramente incorporada ao desenvolvimento urbano e metropolitano, não especificou como isso se daria sem o comprometimento das identidades socioambientais, culturais e segurança coletiva. Ao contrário, a conversão da área rural em urbana tende a elevar o preço da terra e aumentar a pressão do mercado imobiliário sobre os modos de vida tradicionais, o que permite inferir que a expansão urbana proposta buscou atender aos ditames do capital corporativo, que se utiliza do aparato legal para inserir práticas mercadológicas que inflam a especulação imobiliária. Nesse mesmo sentido, preconiza Harvey que “ [...] a absorção de excedente através da transformação urbana tem um aspecto obscuro. Ela tem acarretado repetidas contendas sobre a reestruturação urbana pela ‘destruição criativa’ que quase sempre tem uma dimensão de classe [...]”. METODOLOGIA De início, cumpre esclarecer que a presente pesquisa se encontra na fase inicial de construção. De tal modo, a fim de alcançar os objetivos pretendidos, buscou-se associar a pesquisa bibliográfica, o levantamento de legislação e dados em documento oficiais que estivessem relacionados a elaboração do Plano Diretor do município de Feira de Santana-BA, bem como a participação e os desdobramentos do referido plano na Comunidade da Fazenda Candeal II. RESULTADOS Consoante o já exposto, este trabalho deu-se no ciclo inicial da pesquisa, de modo que os resultados visualizados ainda são tímidos. À vista disso, foi possível construir uma reflexão crítica e consistente acerca da expansão urbana e seu impacto nas comunidades com modos de vida tradicionais, demonstrando que no caso do município de Feira de Santana o aumento do perímetro urbano buscou atender aos ditames do capital corporativo, não garantindo o direito à cidade nos moldes da Constituição Federal. Ademais, pretende-se também colaborar para o fortalecimento das pesquisas no âmbito do Direito, visto que a pesquisa tem essa função de difundir conhecimento, principalmente no âmbito jurídico, já que é notória a carência de estudos nesse ramo, especialmente no que tange ao direito urbanístico, tema de destaque em muitas discussões. Busca-se ainda oferecer ao poder público um estudo útil na elaboração de novas políticas de expansão urbana no tocante às comunidades quilombolas. 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estatuto da Cidade, ao incorporar diretrizes para a delimitação de novas áreas de expansão urbana, busca mitigar os seus efeitos negativos. Essas condicionantes devem ser lidas à luz de todo arcabouço jurídico internacional e nacional voltados para a proteção dos povos e comunidades tradicionais, em especial a Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais; do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; e da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. As políticas públicas urbanas não podem dissociar o território de suas marcas próprias na tentativa de se enquadrar em parâmetros predeterminados que não respeitam as suas particularidades. É imprescindível que qualquer movimentação no planejamento urbano esteja associada à função social da propriedade e comprometida com o bem-estar dos seus habitantes, respeitando o direito à participação da comunidade na adoção de decisões que atinjam diretamente o seu modo de vida. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Antônio Marcello Ricci de. Expansão urbana de Feira de Santana/Ba: atuação do Estado e do setor imobiliário (2004-2018). 2019. Tese (Doutorado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social) – Universidade Católica do Salvador, Salvador, 2019. 193 p. ARGOLO, Nyelson; CORDEIRO, Tamires; OLIVEIRA, Tamares (org.). Integra Feira Planejamento: Um presente ao futuro. Feira de Santana: [s. n.], 2018. 1180 p. BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jul. 2001. FEIRA DE SANTANA (BA). Lei Complementar nº 117, de 20 de dezembro de 2018. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Territorial do Município de Feira de Santana – PDDU 2018 e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Feira de Santana, Feira de Santana, ano IV, n. 893, 20 dez. 2018. HARVEY, David. Direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p. 73-89, 2012. SANTOS, Bethsaide Souza. Passado e futuro de Feira de Santana – BA: modelagem da dinâmica espacial do uso do solo entre 2000 e 2022. 2019. Dissertação (Mestrado em Modelagem em Ciências da Terra e do Ambiente) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2019. 120 f. SOUZA, Railma dos Santos. Memória e história quilombola: experiência negra em Matinha dos Pretos e Candeal. 2016. Dissertação (Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas) – Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, 2016.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

LIMA, Adriana Nogueira Vieira; OLIVEIRA, Michelle Camacam Da Silva De; SILVA, Rafaela Brandão da. EXPANSÃO URBANA E MODOS DE VIDA TRADICIONAL: O CASO DO QUILOMBO FAZENDA CANDEAL II, FEIRA DE SANTANA (BA).. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485803-EXPANSAO-URBANA-E-MODOS-DE-VIDA-TRADICIONAL--O-CASO-DO-QUILOMBO-FAZENDA-CANDEAL-II-FEIRA-DE-SANTANA-(BA). Acesso em: 13/05/2025

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