NÃO ERA PARA REDUZIR O DÉFICIT HABITACIONAL? O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA SOB A ÓTICA DO DIREITO À MORADIA EM ARACAJU-SE

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

DOI
10.29327/166881.11-19  
Título do Trabalho
NÃO ERA PARA REDUZIR O DÉFICIT HABITACIONAL? O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA SOB A ÓTICA DO DIREITO À MORADIA EM ARACAJU-SE
Autores
  • Sarah Lúcia Alves França
  • Viviane Luise de Jesus Almeida
  • Emyly Ferreira Lima
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 03 - Direito à moradia, política habitacional, regularização fundiária e direitos dos povos e comunidades tradicionais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485651-nao-era-para-reduzir-o-deficit-habitacional-o-programa-minha-casa-minha-vida-sob-a-otica-do-direito-a-moradia-em
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Produção Habitacional, Programa Minha Casa Minha Vida, Déficit Habitacional, Direito à Moradia, Direito à Cidade.
Resumo
1. INTRODUÇÃO A questão da moradia na cidade capitalista tem sido objeto de debates, face à centralidade da temática na política urbana e no contexto das desigualdades socioespaciais nos séculos XX e XXI. A partir da década de 1930, em decorrência dos impactos da industrialização na rápida urbanização, a terra urbana enquanto mercadoria, tornou-se sujeita a disputas econômicas e sociais, que configuram, no espaço urbano, diferentes formas de apropriação do solo, a exemplo das ocupações informais, encontradas principalmente em áreas de risco e/ou preservação ambiental (MARICATO, 2010). Embora tenham se tornado responsabilidade do Estado, a questão do aprofundamento da precariedade da habitação tem sido consequência das políticas urbanas e habitacionais adotadas em décadas anteriores. Apesar do discurso ter sido enfrentar o déficit habitacional, a construção de conjuntos habitacionais subsidiados por programas como Banco Nacional de Habitação (BNH) (1964-1986) e Programa de Arrendamento Residencial (PAR) (1999-2008) acirrou nuances quanto à exclusão social e periferização da qualidade de vida, distanciando a efetivação da moradia como direito, conforme Declaração Universal dos Direitos Humanos e Constituição Federal de 1988. Essas experiências colocam o Brasil num cenário de panorama de ilegalidade e irregularidade fundiária e urbanística, decorrente da autoconstrução da moradia em assentamentos precários, desprovidos de equipamentos e serviços urbanos, que atingiu em 2019, 5.127.747 domicílios localizados em 13.151 aglomerados subnormais (IBGE, 2020). Mais uma vez, na tentativa de trazer soluções para o enfrentamento dessa crise habitacional e principalmente, econômica, o Governo Federal, lançou em 2009, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), com o objetivo de construir, em parceria com o mercado da construção civil, moradias populares destinadas a famílias distribuídas em 4 faixas de renda: faixa 1, para famílias com renda de até R$1.800,00; faixa 1.5, até R$2.600,00; faixa 2, até R$4.000,00; e faixa 3, até R$7.000,00 (atribuídos a partir da última fase em 2016). Com a meta de construir 5 milhões de moradias, diversas pesquisas demonstram que o PMCMV (entre 2009-2021) direcionou sua produção para os interesses lucrativos do capital privado, com foco nas famílias de renda média, que correspondiam às faixas 2 e 3, que apresentavam maior rentabilidade na comercialização da moradia enquanto produto (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015; CARDOSO; ARAGÃO; JAENISCH, 2017). Contraditoriamente, vale lembrar que as famílias de 0 a 3 salários mínimos (faixa 1), por compreenderem maior parte do déficit habitacional das cidades brasileiras, foram proporcionalmente menos atendidas no programa. Ou seja, pouco contribuiu para reduzir diferenças sociais, assegurando o direito à moradia, enquanto direito social e urbanístico, entendido de forma ampla, somando-se ao acesso à educação, saúde, alimentação, trabalho, transporte, lazer, segurança, previdência social, etc. Assim como outras cidades do Brasil, em Aracaju, capital do estado de Sergipe, França (2019) assegura que a oferta de moradias para famílias carentes pelo PMCMV foi ínfima, com resultados pouco significativos para efetivação do direito à moradia. Então a pergunta que se delineia é: como se deu a produção de moradias na capital sergipana face ao objetivo do programa de redução do déficit habitacional, sendo que 95% do total correspondia às famílias de 0 a 3 salários mínimos, em 2010? Que padrão de cidade se constituiu diante da inserção desses empreendimentos para faixa 1? De fato, houve a efetivação do direito à moradia? Com isto, o objetivo desta pesquisa é analisar a efetivação do direito à moradia nas famílias de renda baixa, na implementação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) (faixa 1) em Aracaju-SE. Para sua elaboração, utilizou-se de levantamentos bibliográficos, de informações dos empreendimentos contratados na CAIXA de 2009 a 2021, dos equipamentos públicos nas secretarias locais, que subsidiaram a construção de cartografias e tabelas de estudo. 2. DESENVOLVIMENTO DE RESULTADOS Localizada no estado de Sergipe, inserida na Região Metropolitana de Aracaju, a capital abriga 664.908 habitantes em 169.586 domicílios, distribuídos em 182,163 km². Seu espaço é marcado por fragmentações sociais, que diferem porções norte, sul, leste e oeste também nos aspectos urbanísticos, como infraestrutura, equipamentos públicos e condições habitacionais. Se por um lado, os bairros da zona sul, em especial, na faixa litorânea, se caracterizam pela apropriação mercadológica de condomínios fechados para classes de renda média e alta, nos bairros da zona norte moram famílias com renda média menor que 3 salários mínimos, acrescidos dos bairros Santa Maria, 17 de Março, Marivan e São Conrado, no sudoeste (IBGE, 2011). Essa condição reflete-se também no grande percentual de assentamentos informais, inseridos principalmente nessas áreas. A implementação do programa tendeu a agravar essas nuances sociais, com a inserção de 73 empreendimentos de 2009 a 2021, que totalizaram 15.294 unidades habitacionais, em bairros periféricos nas porções norte, oeste e sul com ausência e/ou insuficiência de infraestrutura, e distantes das principais centralidades que concentram emprego e renda. Sem dúvida, desencadeou a formação de áreas isoladas e desarticuladas, de baixo valor fundiário, em especial naqueles onde vivem famílias de baixa renda. Dentre o total de empreendimentos, apenas 6, com 1.857 moradias (12,15% de Aracaju), foram destinados à faixa 1, dentre esses, 3 encontram-se no bairro Santa Maria (sul), 1 no Porto D'Antas, 1 no Japãozinho e 1 no Soledade (norte) (Figura 1). Importante destacar a proximidade desses empreendimentos com aglomerados subnormais conforme definição do IBGE para ocupações de habitação precária, e sua localização nos bairros de maior índice de desigualdade e pobreza: Santa Maria, Porto D'Antas e Japãozinho. O Observatório Social de Aracaju (ARACAJU, 2019, p.9) define que essas áreas “são pontos com extrema vulnerabilidade social, com famílias vivendo em condições precárias, marcadas por altos índices de analfabetismo e baixa escolaridade, que dificultam o acesso ao mercado de trabalho formal, comprometem as relações sociais no território e relegam a sua população a formas de emprego precárias e até degradantes”. Os três empreendimentos situados no bairro Santa Maria: Residencial Jardim de Santa Maria (2010), com 281 unidades, Vida Nova Santa Maria (2013), com 468 unidades, e Getúlio Alves Barbosa (2014) com 280, estão próximos uns aos outros, sendo considerados os mais segregados e distantes por estarem às margens do limite oeste com município São Cristóvão. No seu entorno imediato há apenas algumas habitações precárias e dispersas, e grandes vazios de terra, além de áreas ambientais. Os equipamentos públicos estão concentrados na porção norte do bairro, a mais de 1km de distância, dificultando o acesso dessas famílias às necessidades básicas e diárias, como escolas, mercados, postos de saúde e trabalho, e principalmente a outras localidades da cidade, pela insuficiente disponibilidade de transporte público. Conforme a Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte (SMTT), no perímetro, são ofertadas as linhas de ônibus Caípe Novo/D.I.A/Via Prainha (número 404) a cada duas horas, Padre Pedro (407), que circula de 20 em 20 minutos, e Santa Maria/Zona Sul (505) a cada uma hora ou mais, que integram a região ao terminal do D.I.A localizado na zona oeste de Aracaju. No bairro Porto D'Antas, na região norte, o empreendimento Jaime Noberto (2010) com 369 unidades na tipologia vertical fechada, está concentrado juntamente com outros de faixa superior, às margens da avenida Euclides Figueiredo, distantes das áreas consolidadas, percebendo-se maior relação com bairro Japãozinho, configurando-se essa implementação uma frente de “expansão”. Aqui, evidencia-se a distância do bairro Centro e das subcentralidades da zona norte, além das das escolas e postos de saúde "mais próximos". Para garantir o deslocamento dessa população estão disponíveis as linhas Alto da Boa Vista/Maracaju (104), a cada 40 minutos e somente de segunda à sábado, e Santos Dumont/Mercado (607), variando entre 45 minutos a 1h30min, conectando-as com o terminal de integração da zona norte Maracaju, e o terminal do Mercado localizado no Centro. No bairro Japãozinho encontra-se o Residencial Zilda Arns (2013), com 144 unidades, que se diferencia dos anteriores, ao estar localizado em uma região com maior oferta de infraestrutura, próximo à escolas, postos de saúde e áreas de lazer. A implementação deste empreendimento vertical, foi possível à sua pequena escala, com apenas três torres, que demanda uma área de terreno menor. Quanto às condições de deslocamento, as linhas de transporte ofertadas nas proximidades são: Industrial/Mercado (613) que liga ao terminal do Mercado a cada 40 minutos ou 1 hora, e ainda o Corujão (1001C), que circula somente durante a madrugada. O último empreendimento, embora tenha sido registrado como no bairro Soledade, José Raimundo dos Santos, com 315 unidades, não foi encontrado. Apesar de ter sua contratação em 2013, segundo CAIXA (2021), o processo de obras não foi bem sucedido, sendo o único empreendimento em Aracaju contratado por uma entidade social sem fins lucrativos. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, pode-se constatar que a implantação do PMCMV, Faixa 1, em Aracaju, não supre nem 10% do déficit habitacional da capital, que no início do programa concentrava 24.481 domicílios (IBGE, 2011). O foco da produção da moradia atendeu interesses do mercado e, consequentemente, rompe com a tentativa de solucionar a questão da precariedade habitacional e da dificuldade de acesso à terra urbanizada para famílias de baixa renda. Diante disso, entende-se que a atuação do capital no programa resulta na reprodução da venda da moradia enquanto produto, segregando as famílias de menor renda em áreas afastadas, precárias e fragmentadas da cidade. Ineficiente em implementar instrumentos de democratização do acesso à terra urbanizada, como a ZEIS, ou aqueles de regulação do cumprimento da função social da propriedade urbana estabelecida na Constituição Federal (1988) e no Estatuto da Cidade (2001) (SAULE e ROLNIK, 2001). Esse é o principal desafio da política urbana não só em Aracaju, como em todo país, que ainda enfrenta dificuldades na real efetivação do direito à moradia e à cidade. Portanto, é possível concluir que sem oferta de saneamento básico e equipamentos públicos, precário serviços de transporte público, e distantes das oportunidades urbanas, a localização dos empreendimentos subsidiados pelo PMCMV em Aracaju reforça uma dinâmica de cidade desigual, cuja segregação espacial, fragmentação e exclusão social com empreendimentos situados em zonas de expansão urbana ou áreas limítrofes, como é o caso daqueles destinados à faixa 1, replicam o velho padrão periférico de construção de habitação social, que funciona para viabilização da reprodução do capital no espaço urbano das cidades brasileiras. REFERÊNCIAS AMORE, C. S.; SHIMBO, L.; RUFINO, M. B. (orgs.). Minha Casa... E a cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros. 1. ed .Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. ARACAJU. Mapografia Social do Município de Aracaju. Observatório Social de Aracaju. 2019. CARDOSO, A. L.; ARAGÃO, T. A,; JAENISCH, S. T. (orgs.). Vinte e dois anos de política habitacional no Brasil: da euforia à crise. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2017. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2011. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Áreas Urbanizadas do Brasil. Rio de Janeiro, 2017. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Aglomerados Subnormais 2019: Classificação Preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à COVID-19. Notas Técnicas. Rio de Janeiro: 2020. MARICATO, Ermínia. O estatuto da cidade periférica. In: CARVALHO, Celso (org); ROSSBACH, Ana Claudia (org). Estatuto da cidade: comentado. São Paulo: Ministério das Cidades; Aliança das Cidades, 2010. SAULE, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da cidade: novos horizontes para a reforma urbana. 2.ed. São Paulo: Pólis, 2001.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
DOI

Como citar

FRANÇA, Sarah Lúcia Alves; ALMEIDA, Viviane Luise de Jesus; LIMA, Emyly Ferreira. NÃO ERA PARA REDUZIR O DÉFICIT HABITACIONAL? O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA SOB A ÓTICA DO DIREITO À MORADIA EM ARACAJU-SE.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485651-NAO-ERA-PARA-REDUZIR-O-DEFICIT-HABITACIONAL-O-PROGRAMA-MINHA-CASA-MINHA-VIDA-SOB-A-OTICA-DO-DIREITO-A-MORADIA-EM. Acesso em: 31/05/2025

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