A FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DO DIREITO À CIDADE NA COERÊNCIA ÉTICA E JURÍDICA DO DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
A FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DO DIREITO À CIDADE NA COERÊNCIA ÉTICA E JURÍDICA DO DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO
Autores
  • Harley Carvalho
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 01 – Experiências de ensino, pesquisa e extensão em Direito Urbanístico; teoria do Direito Urbanístico seus objetivos e princípios; intersecções e articulações com os demais ramos e teorias do Direito
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485618-a-funcao-do-principio-do-direito-a-cidade-na-coerencia-etica-e-juridica-do-direito-urbanistico-brasileiro
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Direito à Cidade; Teoria do Direito; Argumentação Jurídica.
Resumo
1 INTRODUÇÃO Após décadas de um processo de consolidação do Direito Urbanístico e da política urbana com a feição dada pela Constituição de 1988, é correto afirmar que a produção acadêmica majoritária na temática assume o direito à cidade como seu elemento nuclear. Este direito é expresso no artigo 2º, inciso I, da Lei 10.257 de 2001, que o define “como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Para além da enumeração de direitos específicos que o princípio do direito à cidade compreende, pois a descrição do Estatuto da Cidade não é exaustiva e está sujeita a ampliações via mudanças legislativas e via interpretação, o direito à cidade se destaca por realizar uma refundação ética e jurídica da política urbana brasileira. Em outras palavras, a cidade almejada pela ordem jurídica brasileira busca contrapor as noções de cidade como direito e cidade como mercadoria. A cidade como mercadoria opera principalmente pela lógica da escassez, ora real ora induzida, onde os recursos e as utilidades existentes na vida urbana são acessíveis àqueles com capacidade econômica, o que a ideologia mercadológica irá resumir através da noção de mérito. Em outra perspectiva, a cidade compreendida como direito estabelece a relação entre os citadinos e o espaço urbano na perspectiva da dignidade humana e não da capacidade econômica. Assim estabelecido, toda a infraestrutura urbana como fundamental para o desenvolvimento da pessoa humana “deve ser garantida a todos independentemente de suas capacidades individuais, por meio de políticas públicas urbanas que forneçam e garantam esses bens”. Contudo, as previsões legais em torno do direito à cidade impõem uma tarefa central para os teóricos e técnicos do Direito Urbanístico: é justamente pelas especificidades e diferenças de escopo e de sentido apresentadas pelo conceito nas obras de outros campos do saber (tais como filosofia, geografia, urbanismo e sociologia), que se constata a necessidade de uma reflexão deste conceito a partir de sua integração ao sistema jurídico, o que envolve uma análise do seu significado normativo e da relação com outros direitos positivados. Existem diversas possibilidades teóricas e argumentativas para executar essa tarefa, entretanto, o que se propõe neste resumo é uma investigação alicerçada na compreensão do direito enquanto sistema, o que nos permitirá visualizar quais consequências resultam ao se atribuir juridicidade a uma dada formulação teórica. Neste ponto, cabe um esclarecimento. Não se pretende diluir a temática do direito à cidade em um formalismo que, na aparência de demonstrar rigor e segurança, pouco acrescente à sua implementação no Brasil. Tem-se a consciência de que elementos políticos, sociais e econômicos influem na capacidade das normas urbanísticas de impactarem o desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. Porém, acredita-se que o amadurecimento da teoria jurídica do direito à cidade, se bem fundada e desenvolvida, pode auxiliar tanto na sua implementação pela administração pública e pelo Judiciário, quanto revelar as limitações das vias institucionais e ressaltar a necessidade de recomposição da mobilização política para superá-las. A inserção do direito à cidade na ordem legal deve ser encarada como uma previsão normativa que impõe razões de agir e decidir para os aplicadores do direito. Nesse contexto, afirma-se, com Joseph Raz, que o “direito orienta a ação quando pretende determinar as razões pelas quais o agente deve se orientar, com base nas quais ele deve decidir o que fazer” (RAZ, 2012, p. 304), bem como “é orientando normativamente a conduta que o direito tenta alcançar seus propósitos sociais [...]” (RAZ, 2012, p. 305). Dito isto, com a sua incorporação à ordem jurídica, o direito à cidade deve atuar como razões determinantes para as ações e decisões que são referentes ao planejamento e implementação da política urbana. Não se confunde, portanto, como uma mera recomendação política a ser acatada ou rejeitada de forma plenamente discricionária. Entretanto, afirmar a normatividade do direito à cidade não significa extrair da cláusula legal do artigo 2º, inciso I, do Estatuto da Cidade, de forma abstrata e exaustiva, um conjunto de deveres e atos a serem praticados pelo Estado, mas sim apontar que, no processo de concretização da norma jurídica que irá respaldar os atos administrativos e as decisões judiciais no âmbito da política urbana, o direito à cidade deverá atuar de forma determinante e conformadora na delimitação do sentido normativo e da conduta juridicamente adequada, operando, sobretudo, uma função reflexiva sobre as regras de direito urbanístico e viabilizando uma leitura/interpretação destas à luz do direito à cidade, impendido a utilização de normas e instrumentos para propósitos contrários. Em suma, valendo-se das lições de Karl Larenz , o que se almeja é encontrar uma unidade interna para o direito urbanístico, estabelecer e compatibilizar a contínua conexão do sentido das normas integrantes a esse sistema e oferecer ferramentas para a sua concretização considerando-se a vasta possibilidades de casos que podem surgir o que não excluirá tensões. Dito isto, o princípio do direito à cidade deverá se conectar com textos legislativos, precedentes judiciais, regulamentos administrativos, bem como com as especificidades do caso concreto, de modo a indicar a adequação jurídica dos fundamentos dos atos administrativos e das decisões judiciais no âmbito da política urbana, de modo que nenhuma decisão seja tomada fora da perspectiva antes indicada, qual seja: a da cidade compreendida como direito estabelece a relação entre citadino e o espaço urbano na perspectiva da dignidade humana. É, portanto, uma proposta contrária a fragmentação do direito urbanístico e à manipulação de instrumentos internos para fins contrários ao direito à cidade. Neste diálogo entre o material normativo e a realidade a ser normatizada, poder-se-á identificar a correta interpretação das regras e dos princípios aplicáveis ao caso. Portanto, o direito à cidade, incidindo sob a forma de princípio, irá operar pelo modo descrito pelo autor Marcelo Neves : “Os princípios são normas no plano reflexivo, possibilitando o balizamento e a construção ou reconstrução de regras. Estas, enquanto razões imediatas para normas de decisão, são condições da aplicação dos princípios à solução dos casos.” Portanto, a normatividade do direito à cidade é viabilizada pela interação sistêmica com outros princípios e regras de direito constitucional, administrativo e urbanístico. Retornando as colocações de Raz sobre os sistemas jurídicos, afirma-se que esses se caracterizam pela relação interna de suas normas . Desta lição, retira-se que a compreensão normativa do direito à cidade passa pela apreensão da sua relação com outros elementos do sistema jurídico, que irão lhe conformar e integrar o sentido normativo. Isto irá refletir no conteúdo do conceito, pois, se na teoria de Lefebvre o direito à cidade contrapõe-se radicalmente à submissão do espaço urbano à lógica do mercado, no sistema jurídico brasileiro haverá uma tensão, mas não uma superação com os direitos de livre iniciativa e de propriedade privada que cumpra sua função social. Avançando na investigação em busca de um instrumental que permita dar concretude a função normativa do direito à cidade, deve-se reconhecer que em face da sua complexidade o conceito pode resultar numa diversidade de deveres ao ente público, os quais nem sempre serão efetivados do mesmo modo. Para melhor apresentação da utilidade do que se propõe, podemos considerar casos que envolvem conflitos entre direitos e instrumentos previstos na ordem urbanística. Por vezes, o direito à mobilidade é empregado pela administração pública para viabilizar grandes obras de infraestrutura que vão produzir remoção de famílias e a sua destinação para regiões afastadas e periféricas. Note-se que, numa visão superficial do caso, o poder público não encontrará dificuldades de indicar um dispositivo legal para fundamentar a sua ação. Contudo, a ação entrará em conflito direto com o direito à moradia dos removidos e, até mesmo, com o direito à mobilidade delas, pois a remoção agravará seu trânsito sobre o espaço urbano. Ante esse conflito aparente, a solução jurídica correta deverá ser aquela que melhor potencializa o direito à cidade e resguarda a dignidade da pessoa humana no espaço urbano. A valoração dos interesses em conflito a ser feita pela administração e pela jurisdição não deve olvidar a hierarquia que é mais compatível com a própria ordem legal. Em igual sentido, podemos visualizar o confronto entre normas que envolvem duas zonas urbanas especiais, uma para interesse social e outra para a dinamização econômica. Nessa perspectiva, não se trata de um caso com plena discricionariedade valorativa da administração que poderá privilegiar uma ou outra norma de zoneamento. Uma perspectiva que compreenda o direito à cidade como razão para decidir e que conduza à unidade do ordenamento deve ser a que compatibiliza os dois zoneamentos e submete a dinamização econômica ao interesse social, tendo em vista, mais uma vez a potencialização do espaço urbano como contexto de promoção da dignidade da pessoa humana . O procedimento proposto, atende ao que Juarez Freitas denominou de princípio interpretativo da hierarquização axiológica, onde “em face de antinomias no plano dos critérios, a prevalência de princípio axiologicamente superior, menos no conflito específico entre regras, visando-se a impedir a autocontradição do sistema e resguardando a unidade sintética de seus múltiplos comandos.” O mérito do direito à cidade repousaria, portanto, na condição de elemento central do direito urbanístico brasileiro, devendo-se as regras que compõe este ramo do direto serem balizadas e compreendidas à luz da sua normatividade. Exemplos: CARVALHO, H. S. Sobre democracia e direito à cidade na política urbana de Fortaleza: aportes teóricos e desafios práticos. 2017. 130 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Direito, Fortaleza, 2017. FREITAS, J. A interpretação sistemática do direito. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. LARENZ. K. Metodologia da Ciência do Direito. 3 ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997. NEVES, M. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do Sistema Jurídico. 2 ed. São Paulo: WMF - Martins fontes, 2014. PRESTES. V. B. Corrupção urbanística: da ausência de diferenciação entre direito e política no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2019. RAZ, J. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Trad. Maria Cecília Almeida. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CARVALHO, Harley. A FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DO DIREITO À CIDADE NA COERÊNCIA ÉTICA E JURÍDICA DO DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485618-A-FUNCAO-DO-PRINCIPIO-DO-DIREITO-A-CIDADE-NA-COERENCIA-ETICA-E-JURIDICA-DO-DIREITO-URBANISTICO-BRASILEIRO. Acesso em: 28/08/2025

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