ALTERNATIVAS PARA O CENÁRIO PÓS-REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: O TERMO TERRITORIAL COLETIVO

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
ALTERNATIVAS PARA O CENÁRIO PÓS-REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: O TERMO TERRITORIAL COLETIVO
Autores
  • Felipe Litsek
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 03 - Direito à moradia, política habitacional, regularização fundiária e direitos dos povos e comunidades tradicionais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485241-alternativas-para-o-cenario-pos-regularizacao-fundiaria--o-termo-territorial-coletivo
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
regularização fundiária, termo territorial coletivo, Lei 13.465/2017, segurança da posse
Resumo
GT 03 – Direito à Moradia, Política Habitacional, Regularização Fundiária e Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais ALTERNATIVAS PARA O CENÁRIO PÓS-REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: O TERMO TERRITORIAL COLETIVO Felipe Cruz Akos Litsek 1 INTRODUÇÃO Com a instituição do atual marco normativo nacional da política de regularização fundiária, a Lei 13.465/2017, observamos uma mudança profunda no tratamento dado à matéria e na própria concepção acerca de seu significado. Ao longo das últimas décadas, foi se construindo um sistema de normativas que procurava apresentar uma visão coerente e complementar a respeito do tema, tendo como base a Constituição Federal de 1988, mas ganhando corpo com o Estatuto da Cidade e alcançando uma forma mais madura com a Lei 11.977/2009, a primeira a tratar diretamente da regularização fundiária. A mudança consubstanciada na Lei 13.465/17 foi tamanha que pode-se falar em uma ruptura paradigmática: de um modelo que priorizava o direito à cidade e a função social da propriedade para outro que privilegia a titulação individual e a função econômica da terra (ALFONSIN, 2019). Não se trata de um movimento pioneiro. Encontramos em diversos outros países políticas de regularização fundiária centradas na titulação dos ocupantes, sob o paradigma da propriedade privada individual. O chamado modelo peruano de regularização é provavelmente o caso mais emblemático no continente latino-americano, no sentido da construção de uma concepção de regularização restrita à formalização do direito de propriedade de moradores de assentamentos informais (FERNANDES, 2011). Fortemente influenciada pelas ideias do economista Hernando de Soto, a experiência peruana se fundamenta na premissa de que territórios informais são uma espécie de capital morto, reservas de valor fundiárias incapazes de se converterem em ativos que poderiam ser confrontados no mercado. Ao se reconhecer direitos de propriedade aos ocupantes, a terra sob a qual os assentamentos estão erguidos é passível de ser convertida em capital, podendo ser utilizada para conseguir empréstimos e atrair investimentos, permitindo a melhoria de vida e moradia do residente. A titulação seria, portanto, um meio para a redução da pobreza. A despeito dos inúmeros estudos contestando a relação entre a titulação e a ampliação do acesso ao crédito, incremento da renda e redução da pobreza (GILBERT, 2002), este ideário permanece forte e influenciou profundamente a promulgação da Lei 13.465/17. A priorização da dimensão jurídico-registral da regularização fundiária, e a escolha pela propriedade individual como modelo ideal, se verifica em diversos dispositivos da lei, como a criação do instituto da legitimação fundiária, a facilitação da transferência de terras públicas e a simplificação do procedimento de regularização, não mais dependente de obras de infraestrutura antes da emissão do título. Apesar disso, a lei não abandona completamente uma concepção de regularização fundiária plena, estando presente tanto na definição do instituto quanto na listagem de seus princípios e diretrizes. 2 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS Sem sombra de dúvidas, a titulação é uma demanda histórica de moradores de assentamentos informais, muitas vezes renegada mesmo com a existência de programas de regularização fundiária em curso (FERNANDES, 2011). O desejo pelo título se fundamenta sobretudo na perspectiva de conseguir permanecer no local de moradia, ou seja, alcançar um grau razoável de segurança da posse. Sem o reconhecimento dos direitos fundiários, moradores ficam vulneráveis a processos de remoção forçada, que podem ser movidos tanto pelo Estado quanto por particulares. A titulação é, portanto, uma dimensão fundamental da regularização fundiária, ainda que não totalizante. A segurança da posse, vale lembrar, é um dos componentes do direito à moradia adequada, segundo o Comentário Geral n° 4 da ONU. A formalização do direito à terra é um passo fundamental no fortalecimento da segurança da posse de pessoas que residem em assentamentos informais, já que reduz os riscos de deslocamento forçado decorrente de conflitos fundiários. No entanto, a presença de um título não é suficiente para garantir uma segurança plena, e em determinados casos pode inclusive aumentar estes riscos. Processos de remoção mercadológica, ocasionados pelo encarecimento dos custos de vida, interesse do setor imobiliário sobre terra valorizada e gentrificação podem ser uma ameaça igualmente perigosa para a segurança da posse de grupos vulnerabilizados. Estas ameaças se apresentam no cenário pós regularização fundiária, e aqui o desafio é pensar como fazer com que o território regularizado seja de fato voltado para a habitação popular, permitindo a perpetuidade dos investimentos públicos e uma solução duradoura para a acessibilidade da moradia. Neste ponto, vale olhar para alternativas à propriedade individual, modelos que defendem a posse coletiva e rompem com uma visão da terra enquanto mercadoria. Um deles é o Termo Territorial Coletivo. O Termo Territorial Coletivo (TTC) é uma adaptação brasileira do instituto Community Land Trust, nascido nos Estados Unidos nos anos 1960 e hoje amplamente disseminado pelo mundo (DAVIS, 2002). Trata-se, em linhas gerais, de um modelo de gestão coletiva do território, caracterizado pela separação entre a propriedade da terra (coletiva) e a propriedade das construções (individual). A terra fica sob titularidade de uma pessoa jurídica, sem fins lucrativos, composta e gerida pelos moradores, organização esta que não pode vendê-la ou dá-la em garantia, enquanto que as construções pertencem aos seus moradores, lhes sendo reservado o direito de vender, alugar ou deixar para os filhos, dentro das regras estipuladas pela coletividade. O objetivo principal do modelo é a retirada da terra do mercado e a garantia de moradia acessível economicamente para populações de baixa renda, de forma permanente. No âmbito da governança territorial, o TTC também apresenta um potencial promissor no fortalecimento da organização comunitária e estímulo ao desenvolvimento local protagonizado pelos moradores. Historicamente, experiências de TTCs estão concentradas em países do Norte Global, praticantes do sistema da common law, como os EUA e Inglaterra. No entanto, nos últimos anos podemos observar uma apropriação do instrumento por países do Sul, valendo-se de suas características tradicionais, mas também introduzindo novos elementos, uma experimentação que apenas foi possível devido à sua natureza flexível. Uma experiência emblemática foi realizada em Porto Rico no início dos anos 2000, onde o TTC foi adotado como modelo fundiário para um conjunto de oito favelas situadas no centro da capital, San Juan (ALGOED, 2018). Foi a primeira vez que o modelo foi utilizado no contexto de assentamentos informais na América Latina, no âmbito de um processo de regularização fundiária. O caso ficou conhecido como Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña, e abriu portas para a reflexão sobre a potencialidade deste arranjo em outras localidades. No Brasil, ainda não há uma experiência concreta de Termo Territorial Coletivo em funcionamento. O modelo foi incluído na proposta do novo Plano Diretor do Rio de Janeiro, que se encontra atualmente em discussão no legislativo. Apesar de já encontrarmos em nossa legislação ferramentas para viabilizar o arranjo do TTC (FIDALGO, 2020), a aprovação do modelo no Plano Diretor seria um passo importante para a sua consolidação, no sentido de garantir mais segurança jurídica, estimular experiências concretas e articular seu uso com outros instrumentos e políticas, em especial a regularização fundiária de interesse social. 3. CONCLUSÃO A partir de uma proposta que promove a retirada da terra do mercado, e sua vinculação permanente à finalidade social de prover habitação de interesse social, o TTC apresenta uma contribuição significativa para o cenário pós regularização fundiária. A proteção contra investidas do mercado imobiliário, aliada a um fortalecimento do controle comunitário sobre o território, são elementos importantes para assegurar a permanência das comunidades nos seus espaços. Além disso, o direito individual sobre a construção confere autonomia ao morador para gerir sua moradia da forma que melhor lhe convém, e se sua decisão for em algum momento se mudar, a casa em que viveu será destinada a uma família de baixa renda. Quaisquer investimentos públicos em infraestrutura e serviços urbanos serão permanentemente aproveitados pela comunidade, minimizados os riscos de gentrificação e renovação do ciclo da informalidade pela expulsão mercadológica. Em tempos de financeirização da moradia (ROLNIK, 2019), assentamentos informais aparecem como verdadeiras reservas de valor, passíveis de serem usurpadas no momento certo. A ênfase na formalização da propriedade individual torna essas terras suscetíveis à apropriação pelo setor imobiliário, e convertidas em ativos comercializáveis nos circuitos financeiros transnacionais. O movimento afasta a concepção da moradia enquanto direito, e reforça sua função como mercadoria, sempre em busca de valorização. O absolutismo da propriedade individual, elevada à forma única de relação do homem com o território que ele ocupa, precisa ser superado para dar vazão a outras maneiras de se relacionar com a terra, pautadas por lógicas distintas. Esse é um passo fundamental para a plena concretização do direito à moradia adequada e do direito à cidade. REFERÊNCIAS ALFONSIN, Betânia, et al. Da função social à função econômica da terra: impactos da Lei nº 13.465/17 sobre as políticas de regularização fundiária e o direito à cidade no Brasil. Rio de Janeiro: Revista de Direito da Cidade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 2019. Disponível em <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/37245>. Acesso em 15 de março de 2022. ALGOED, Lina; TORRALEZ, María E. Hernández; DEL VALLE, Lyvia Rodríguez. El Fideicomiso de la Tierra del Caño Martín Peña Instrumento Notable de Regularización de Suelo en Asentamientos Informales. 2018. Lincoln Institute of Land Policy. Disponível em: <https://www.lincolninst.edu/sites/default/files/pubfiles/algoed_wp18la1sp.pdf>. Acesso em 15 de março de 2022. DAVIS, John Emmeus. Origins and Evolution of Community Land Trust in the United States. 2010. In DAVIS, J. E. (Org). The Community Land Trust Reader. Disponível em: <https://www.lincolninst.edu/sites/default/files/pubfiles/the-community-land-trust-reader-chp.pdf>. Acesso em 15 de março de 2022. FERNANDES, Edésio. Regularização de assentamentos informais na América Latina. Cambridge: Lincoln Institute of Land Policy, 2011. Disponível em: <https://www.lincolninst.edu/sites/default/files/pubfiles/regularizacao-assentamentos-informais-full_1.pdf>. Acesso em 15 de março de 2022. FIDALGO, T. “Os “Community Land Trusts”: potencialidades e desafios de sua implementação nas cidades brasileiras”. Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, v. 12, n.1, 609-631, 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/341037661_Os_Community_Land_Trusts_potencialidades_e_desafios_de_sua_implementacao_nas_cidades_brasileiras. Acesso em 15 de março de 2022. GILBERT, Alan. On the Mystery of Capital and the Myths of Hernando de Soto: What Difference does Legal Title Make?. London: International Development Planning Review, 24 (1), 2002. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/32894080_On_the_Mystery_of_Capital_and_the_Myths_of_Hernando_De_Soto_What_Difference_Does_Legal_Title_Make>. Acesso em 15 de março de 2022. ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a Colonização da Terra e da Moradia na Era das Finanças. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2019. 456p.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

LITSEK, Felipe. ALTERNATIVAS PARA O CENÁRIO PÓS-REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: O TERMO TERRITORIAL COLETIVO.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/485241-ALTERNATIVAS-PARA-O-CENARIO-POS-REGULARIZACAO-FUNDIARIA--O-TERMO-TERRITORIAL-COLETIVO. Acesso em: 07/07/2025

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