ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NACIONAL EM DIREITO URBANÍSTICO: DE 1957 AOS DIAS ATUAIS

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

DOI
10.29327/166881.11-21  
Título do Trabalho
ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NACIONAL EM DIREITO URBANÍSTICO: DE 1957 AOS DIAS ATUAIS
Autores
  • ANA MARIA ISAR DOS SANTOS GOMES
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 01 – Experiências de ensino, pesquisa e extensão em Direito Urbanístico; teoria do Direito Urbanístico seus objetivos e princípios; intersecções e articulações com os demais ramos e teorias do Direito
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/484251-analise-critica-da-producao-doutrinaria-nacional-em-direito-urbanistico--de-1957-aos-dias-atuais
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Direito Urbanístico, doutrina, desenvolvimento histórico, produção do espaço urbano, desigualdades socioespaciais.
Resumo
XI CONGRESSO DE DIREITO URBANÍSTICO GT 01 ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NACIONAL EM DIREITO URBANÍSTICO: DE 1957 AOS DIAS ATUAIS Ana Maria Isar dos Santos Gomes 1 RESUMO: A pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial, de caráter interdisciplinar, investiga a história do Direito Urbanístico nacional a partir de três eixos de análise: a) a produção acadêmica sobre direito à cidade em nível global; b) os discursos políticos sobre o direito à cidade em nível global e nacional; c) a disputa ideológica entre o neoliberalismo e o pluralismo constitucional, o primeiro fundado na ética liberal-individualista e o segundo fundado na ética da solidariedade e da alteridade. A partir da análise da produção doutrinária nacional em Direito Urbanístico desde o seu embrião, na década de 1950 até os dias atuais, são identificadas três fases históricas: a primeira fase (1957-1973), marcada pela visão administrativista de um Estado neutro e fiscalizador; a segunda fase (1973-1988), na qual surge, ao lado da corrente administrativista, um grupo de juristas que procura estudar as causas estruturais da desigualdade socioespacial urbana, em especial a questão fundiária; a terceira fase (1973-1988), na qual os administrativistas disputam a hegemonia com um grupo de juristas críticos, voltados ao estudo dos problemas que dificultam a garantia do direito à cidade sob diversas perspectivas. O estudo conclui que a visão administrativista, cultuada pelos primeiros juristas dedicados ao Direito Urbanístico, se mantém hoje sob a forma de um Direito tecnicista, voltado à aplicação do princípio da eficiência na operacionalização dos instrumentos jurídico-urbanísticos e afastado de objetos e métodos de estudos que permitam analisar os conflitos entre os diferentes agentes sociais e econômicos e atores políticos que disputam o uso do território e a produção do espaço urbano. Palavras-chave: Direito Urbanístico. Doutrina. Desenvolvimento Histórico. Desigualdade Socioespacial. Produção do Espaço Urbano. INTRODUÇÃO: O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) foi celebrado por juristas, urbanistas, geógrafos e planejadores urbanos como uma legislação capaz de concretizar o direito à cidade e tornar nossas cidades menos desiguais. Contudo, a realidade mostrou que esse avanço legislativo não foi acompanhado por melhoria na qualidade de vida do morador urbano. As “jornadas de junho” – ciclo de protestos nas principais metrópoles brasileiras no ano de 2013 e início de uma série de eventos imprevisíveis que culminaram com a crise política de 2015 – foram, em grande medida, a expressão da insatisfação da população com o modelo de desenvolvimento urbano adotado pelo País. É evidente, hoje, que os preceitos constitucionais e legais que regulam a política urbana nacional carecem de efetividade. A sociedade brasileira e todas as suas instituições – entre elas as instituições jurídicas – estão inseridas no sistema capitalista e, portanto, impregnadas da ideologia neoliberal – fundada na ética liberal-individualista. No campo da política urbana, o neoliberalismo caracteriza-se pela defesa de um Estado austero e orientado pela lógica do mercado, o que se reflete na tendência à privatização de serviços básicos e adoção de instrumentos jurídico-urbanísticos que atendem prioritariamente aos interesses do capital, tais como as parcerias público-privadas e operações urbanas consorciadas. O princípio basilar da ideologia neoliberal é o princípio da eficiência, segundo o qual o Estado teria a função de corrigir “as falhas do mercado”. Em sentido contrário, a Constituição de 1988 adotou o pluralismo constitucional, ideologia baseada na ética da solidariedade e da alteridade, traços característicos do novo constitucionalismo latino-americano. Tal opção é evidenciada não só pelos objetivos da República brasileira estabelecidos no artigo 3º da Constituição Federal, entre os quais a redução das desigualdades sociais e regionais e a erradicação da pobreza, como pela valorização e reconhecimento de outros modos de vida e de produção alternativos ao sistema capitalista em vários dos seus dispositivos, a exemplo do artigo 216, inciso II. Diante do conflito entre essas duas ideologias, grande parte da doutrina resiste em construir uma interpretação das normas de Direito Urbanístico que atenda aos paradigmas-constitucionais estabelecidos em 1988. Para compreender a razão dessa dificuldade, a pesquisa acompanha o desenvolvimento do Direito Urbanístico desde o seu surgimento, ainda na fase embrionária, e procura identificar de forma crítica os elementos que o caracterizam. A revisão do estudo da arte mostra que a análise da produção doutrinária em Direito Urbanístico vem recebendo pouca atenção dos pesquisadores. Uma exceção é a obra de doutoramento de Paulo Somlanyi Romeiro 2. Nela, o autor analisa uma corrente do Direito Urbanístico denominada de “velho direito urbanístico”, associada a uma vertente do urbanismo de viés modernista, cujas características principais são: (i) a ideia de que o Direito é neutro e deve se amparar em um Urbanismo pretensamente científico; (ii) a concepção do cidadão como um indivíduo que se relaciona prioritariamente com o Estado e não com a comunidade. Procurando avançar na crítica formulada por Romeiro, esta pesquisa assume que o Direito Urbanístico nasce estreitamente ligado ao Direito Administrativo e se utiliza do urbanismo de matriz tecnicista para justificar uma visão neutra do Estado, fundada na dicotomia público-privado. A partir desse pressuposto, procura investigar se as características imprimidas a esse ramo do Direito pelos seus fundadores foram superadas ou ainda persistem, influenciando a doutrina contemporânea. OBJETIVOS E HIPÓTESE O objetivo da pesquisa é investigar como surgiu e se desenvolveu o Direito Urbanístico nacional e quais são os elementos que o caracterizam, desde o seu nascimento. Foram propostos os seguintes objetivos secundários: a) identificar os grupos de juristas dotados de capital científico que conseguiram estabelecer os principais objetos de estudo e métodos de pesquisa dessa disciplina; b) investigar se a produção desses juristas conseguiu influenciar as gerações seguintes de doutrinadores, que produziram depois da promulgação da Constituição de 1988; c) identificar os elementos que caracterizam o Direito Urbanístico na sua fase pós-Constituição de 1988. A hipótese de pesquisa é a de que os juristas que primeiro se dedicaram ao Direito Urbanístico conseguiram imprimir a esse ramo do Direito uma visão administrativista, responsável em grande parte pela dificuldade em construir uma interpretação das normas de Direito Urbanístico a partir da realidade social, política e econômica da Nação brasileira. MÉTODO: A pesquisa bibliográfica e documental, de caráter interdisciplinar, cobriu praticamente todos os manuais de Direito Urbanístico nacional, além de teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de pesquisa publicados em revistas acadêmicas. O levantamento das obras de doutrina para investigação da hipótese utilizou a técnica de “bola de neve” associada à “busca por literatura cinzenta” e à busca manual. A técnica conhecida por “busca por literatura cinzenta” teve por objetivo investigar a literatura não controlada por editores científicos e comerciais e foi operacionalizada por meio de consultas a bancos de teses e dissertações, anais de congressos e sites de instituições públicas e privadas. Além da produção doutrinária, a pesquisa bibliográfica de caráter interdisciplinar alcançou as áreas da Filosofia, Sociologia Urbana, Planejamento Urbano e Geografia Crítica, com destaque à obra de Milton Santos. Para elaborar o diagnóstico crítico da produção doutrinária em Direito Urbanístico foram construídos três eixos de análise. O primeiro eixo analisou a absorção, pela doutrina nacional, do imaginário acadêmico sobre urbanização e direito à cidade produzido no mundo desde o século XIX. O segundo eixo analisou a influência dos discursos sobre o direito à cidade produzidos pelos principais atores políticos no cenário global e nacional. No plano global foram contrapostos o discurso institucional da Organização das Nações Unidas – que, dada a sua inserção no sistema político e econômico global, alinha-se com as forças hegemônicas ligadas ao neoliberalismo - e o discurso do Fórum Social Mundial e da Plataforma das Cidades - que representam, em maior ou menor medida, as forças sociais. No plano nacional, foram analisados os discursos das forças políticas ligadas ao capital produtivo, financeiro e especulativo em oposição ao discurso dos movimentos sociais pela reforma urbana, em dois momentos histórico-legislativos: no processo da Constituinte e durante a tramitação do Projeto de Lei que deu origem ao Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Finalmente, o terceiro eixo retratou a disputa ideológica entre o neoliberalismo e o pluralismo constitucional, assim definida a ideologia colocada na Constituição de 1988 e fundada nos seguintes paradigmas: i) inclusão de novos agentes e atores tradicionalmente excluídos das decisões políticas nos processos sociais, econômicos e políticos; (ii) reconhecimento de outros modos de vida e de produção econômica para além daquele ditado pelo sistema capitalista; (iii) concepção de democracia como garantia do direito de participar das escolhas políticas, não somente pela via representativa, mas também por meio de outros arranjos institucionais; (iv) substituição do raciocínio liberal-individualista por um raciocínio fundado na ética da solidariedade e da alteridade; e (v) tentativa de superar os problemas ambientais a partir de uma nova relação do homem com a natureza. RESULTADOS E DISCUSSÃO A pesquisa resultou em uma periodicização da história do Direito Urbanístico brasileiro em três fases: a) a fase embrionária, que vai de 1957 (quando é editada a obra Direito Municipal Brasileiro, de Hely Lopes Meirelles) até 1973 (quando se realiza o primeiro Seminário sobre Direito Urbano no País); b) a segunda fase, que se inicia em 1973 e dura até a promulgação da Constituição de 1988; c) e a terceira fase, que corresponde ao período pós-Constituição de 1988. Na primeira fase, prevalece uma visão acrítica do processo de urbanização nacional, centrada no jus imperium do Estado e desarticulada da realidade social, política e econômica do Brasil. Os principais elementos dessa fase são: a) a ideia de que existe um “interesse comum” a toda a sociedade; b) o desinteresse pelo papel dos agentes sociais e econômicos e atores políticos que produzem o espaço; e c) o desinteresse pelo papel do Estado como agente econômico. Essa visão é explicada pelo fato de que os primeiros juristas dedicados ao Direito Urbanístico, administrativistas que acumulavam o exercício do magistério e de funções públicas, mantiveram-se sempre pouco críticos em relação ao papel do Estado no desenvolvimento nacional, o que serviu para garantir-lhes prestígio perante o status quo (SUNDFELD, 2005) 3. Esse grupo de juristas conseguiu construir capital científico para influenciar as gerações seguintes de juristas, responsáveis pela consolidação do Direito Urbanístico nacional. Na segunda fase, a visão neutra do papel do Estado no desenvolvimento urbano se traduz por uma acentuada preocupação com a fiscalização da conduta dos particulares de forma a assegurar o cumprimento das normas de postura urbanística (edilícias e de zoneamento urbano). Contudo, desponta nessa fase um grupo de juristas que se propõe a discutir a questão urbana sob novas perspectivas, rompendo com a concepção tecnicista do Urbanismo modernista e agregando contribuições trazidas pelas Ciências Sociais. Esse grupo perde espaço na terceira fase, logo após a promulgação da Constituição Federal, quando os estudos urbanísticos se reorientam, deixando de lado a questão fundiária, que fora, em certa medida, explorada nos debates pré-Constituição. Após a promulgação da Constituição ganha destaque, ao lado dos administrativistas, um grupo de juristas que adota uma postura crítica em relação ao papel do Estado na solução dos problemas nacionais e procura analisar a questão urbana a partir do conjunto principiológico estabelecido na Constituição de 1988. A corrente crítica disputa a hegemonia com a corrente administrativista, que se caracteriza, hoje, pelos seguintes elementos: a) uma visão dicotômica da esfera estatal e da esfera particular; b) a concepção do Estado como um agente fiscalizador e arrecadador da mais valia; c) utilização do princípio da função social da propriedade como sinônimo de “poder de polícia”; d) ênfase no princípio da eficiência administrativa como solução para os problemas urbanos; e) escolha de métodos e objetos de estudo voltados à operacionalização técnica dos instrumentos jurídico-urbanísticos. CONCLUSÕES: O campo científico do Direito Urbanístico se encontra hoje em disputa, com avanço gradativo da corrente crítica em termos de volume de produção de conhecimento científico e reconhecimento institucional. Não obstante, a corrente administrativista tem conseguido manter sua posição hegemônica como fonte doutrinária da jurisprudência, o que explica, em parte, o distanciamento entre o conjunto principiológico estabelecido na Constituição de 1988 e na legislação nacional em matéria urbanística e a situação das cidades brasileiras. Ao separar as esferas de atuação estatal e centrar sua atenção na função fiscalizatória e arrecadatória, a corrente administrativista perde de vista as disfunções na produção do espaço urbano, geradas pelos intensos movimentos de renovação urbanística e financeirização da produção imobiliária. Tais disfunções exigem investimentos extras em infraestrutura e serviços públicos, que não são recuperados por meio dos instrumentos jurídico-urbanísticos de arrecadação tributária, compensação urbanística e perequação. Ao mesmo tempo, a valorização do princípio da eficiência administrativa – baluarte da ideologia neoliberal - acaba por relegar a segundo plano princípios fundados na ética da solidariedade e da alteridade (em especial o princípio da gestão democrática das cidades), que permitiriam equacionar questões fundamentais para a garantia do direito à cidade. A pesquisa demonstrou que, mais do que estudar a operacionalização técnica dos instrumentos jurídico-urbanísticos, um Direito Urbanístico capaz de garantir o direito à cidade precisa passar de uma visão meramente instrumental do planejamento urbano para uma visão político-econômica, direcionada à regulação da conduta dos agentes econômicos que produzem o espaço urbano, de forma a equilibrar seus interesses e promover o desenvolvimento urbano em todas as suas dimensões. _________ 1 Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, mestre em Geografia pela Universidade de Brasília – UnB, bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB e Procuradora do Distrito Federal, e-mail: anaisar@uol.com.br. 2 ROMEIRO, Paulo Somlanyi. Direito Urbanístico: entre o caos e a injustiça (uma reflexão sobre o direito do urbanismo). São Paulo: Letras Jurídicas, 2019. 3 SUNDFELD, Carlos Ari. A Ordem dos Publicistas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 3, n. 8, p. 35-72, jan./mar 2005. Disponível em: <https://www.academia.edu/49463879/A_Ordem_dos_Publicistas>. Acesso em 30 mar. 2022.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
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Como citar

GOMES, ANA MARIA ISAR DOS SANTOS. ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO DOUTRINÁRIA NACIONAL EM DIREITO URBANÍSTICO: DE 1957 AOS DIAS ATUAIS.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/484251-ANALISE-CRITICA-DA-PRODUCAO-DOUTRINARIA-NACIONAL-EM-DIREITO-URBANISTICO--DE-1957-AOS-DIAS-ATUAIS. Acesso em: 22/06/2025

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