O TERMO TERRITORIAL COLETIVO NO BRASIL SOB A ÓTICA DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL CONTRA-HEGEMÔNICO

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
O TERMO TERRITORIAL COLETIVO NO BRASIL SOB A ÓTICA DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL CONTRA-HEGEMÔNICO
Autores
  • Clarissa Sapori Avelar
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 03 - Direito à moradia, política habitacional, regularização fundiária e direitos dos povos e comunidades tradicionais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/481143-o-termo-territorial-coletivo-no-brasil-sob-a-otica-do-planejamento-territorial-contra-hegemonico
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Termo Territorial Coletivo, Sul Global, Planejamento Contra-hegemônico, Planejamento Insurgente
Resumo
1 SOBRE O PLANEJAMENTO URBANO E SUAS PRÁTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS A conformação de uma perspectiva crítica ao planejamento urbano a partir do Sul global, mais especificamente no Brasil, necessariamente passa pelos limites da origem europeia da disciplina, bem como pelo fato de ser protagonizada pelo formato de Estado também europeu que foi reproduzido nos territórios colonizados. No Sul, o planejamento se põe diante das contradições da condição periférica no sistema global, que é marcada massivamente por territórios que se desenvolveram fora das margens legais estatais. Ou seja, os projetos, técnicas e instrumentos criados ao longo do tempo a partir do Norte global para administrar as cidades nunca abrangeram a totalidade das grandes metrópoles do Sul global, tampouco dos espaços urbanos como um todo, que se firmaram, no século XXI, como ambiente de vida da maior parte da população mundial. Rolnik (2015) argumenta que o planejamento urbano é um elemento central na máquina de despossessão e de dominação etnoclassista patriarcal capitalista e, ao contrário dos comuns argumentos que associam a cidade irregular à desregulação ou “resultados da ausência do Estado”, a autora defende que, “as idas e vindas de processos de formação, consolidação e remoção desses assentamentos têm sido – e ainda são – fortemente constituídas e permanentemente mediadas pelo Estado” (2015, p. 180). Nesse sentido, não só no Brasil, mas em todos os cantos do mundo, a existência de áreas ocupadas fora da lógica ordeira dos planos e projetos urbanos sustenta a estrutura capitalista de poder. Mesmo excluindo a maior parte dos habitantes urbanos da cidade formal, a forma de divisão do espaço promovida através da disciplina do planejamento urbano tem sido, ao longo de sua existência, bem sucedida em atender os interesses das classes capitalistas dominantes do sistema-mundo moderno . O passado colonial escravagista brasileiro está intimamente ligado ao fato dos territórios de menor renda, ocupados irregularmente, destituídos de serviços e infraestrutura urbana e periféricos serem majoritariamente ocupados por pessoas não brancas. Rios Neto e Riani (2013) demonstram em seu estudo que a configuração racial padrão do espaço intraurbano de sete capitais brasileiras tem relação direta com a pobreza. Os bairros com menores níveis de renda, maior número de domicílios abaixo da linha da pobreza e linha de indigência apresentam maior proporção de habitantes pretos e pardos . Ainda que a proporção da população negra varie entre as cidades estudadas, as áreas com menor proporção de pobres indicam sempre a predominância de brancos, o que nos permite falar de racialização do espaço urbano. A racialização territorial é marcada também pela restrição no acesso a direitos constitucionais reconhecidos pela lógica hegemônica. Junto à irregularidade fundiária e a problemas construtivos esses territórios são mais suscetíveis a manipulação do espaço pelos interesses da indústria imobiliária forjados nos projetos urbanos mais variados. Nesse contexto, propostas para um planejamento urbano que supere a lógica excludente são trazidas por autores diversos. Roy (2005) aponta o paradoxo que marca os estudos urbanos no século XXI: apesar do crescimento urbano mais acentuado ocorrer no Sul global, a maior parte das teorias sobre o funcionamento das cidades permanecem enraizadas nos países do Norte. A autora critica duas visões predominantes sobre a cidade informal. Uma delas centraliza a informalidade como o grande problema urbano, predominante nas grandes cidades do Sul global, porém a encara como um fenômeno apartado da dinâmica formal, como espécie de anseio pela fuga às regras do aparato burocrático. A outra visão, por sua vez, romantiza a informalidade como resposta espontânea e criativa a falta de capacidade do Estado de satisfazer as necessidades da população pobre. Ambos pontos de vista conceituam a irregularidade como fenômeno de isolamento do capitalismo global e, segundo Roy, põem a responsabilidade pela pobreza nos próprios pobres. Ela defende que lidar com a informalidade significa confrontar como o aparato do planejamento produz o não planejado e o não planejável. Nesse cenário, Miraftab (2016) lança olhos para o que chama de planejamento insurgente, que seria “um planejamento alternativo à medida em que tem lugar entre comunidades subordinadas, sejam assentamentos informais e municípios em ex-colônias ou comunidades desfavorecidas” (MIRATFAB, 2016, p. 367). Não existe um formato único para o planejamento insurgente, o que o caracteriza, necessariamente, é a ruptura com as estruturas formais de escolha das ações sobre o território, dando lugar a práticas cidadãs em exercícios de reflexão sobre demandas e desejos sobre o espaço que usam e habitam, ao invés da reprodução de ações que tem como limiar de ação os interesses das estruturas hegemônicas de poder. Merrifield (2015), por sua vez, faz dura crítica a prática do urbanismo cultivada no meio acadêmico e profissional, referendada por suposta qualificação, objetividade e neutralidade e, por vezes, também por mecanismos controversos de participação popular. Em contraposição, o autor enaltece o que chama de ‘urbanismo amador’, valorizando questionamentos e ações que não encaixam as cidades em modelos representativos criados sob a visão tecnocrática. A partir das perspectivas lançadas propõe-se uma breve análise sobre as iniciativas de implementação do Termo Territorial Coletivo no Rio de Janeiro, um modelo inédito de gestão territorial no contexto brasileiro, que busca garantir a segurança da posse de imóveis habitacionais em contextos de irregularidade urbana. O TTC, nos projetos piloto do Brasil, pode ser considerado modelo que rompe com as estruturas hegemônicas do planejamento urbano? 2 O TERMO TERRITORIAL COLETIVO NO BRASIL O modelo de gestão coletiva da terra chamado Community Land Trus (CLT) no Brasil recebeu o nome de Termo Territorial Coletivo (TTC). O CLT já é aplicado em diversos países do mundo, e tem como objetivos a proteção da segurança da posse de pessoas que aderem ao modelo, bem como a promoção da acessibilidade econômica da moradia, de forma permanente, e o fortalecimento comunitário. Isso é possível pela utilização de mecanismos de separação da propriedade da terra e das construções; no Brasil utiliza-se o direito de superfície para isso. Assim, a terra passa para a titularidade de uma pessoa jurídica composta e gerida pelos moradores - que não pode vendê-la, devendo garantir sua gestão coletiva, enquanto que as construções ficam sob titularidade individual das famílias, mantendo a liberdade de venda e locação das mesmas, desde que dentro das regras estabelecidas por todos os moradores no regramento do CLT. O primeiro CLT surgiu em 1969, nos EUA, como expressão da luta e da resistência do movimento negro por direitos civis em áreas rurais. Eles funcionaram primeiramente por meio de contratos de arrendamento de terras rurais de longa duração ou da compra coletiva de áreas com o suporte de financiamentos de longo prazo ou subsídios por grupos auto organizados. As áreas ocupadas foram controladas em estruturas de governança próprias de cada CLT que envolveram também vizinhança, governos locais e organizações diversas envolvidas ou afetadas (DAVIS, 2010). Em 1980, o primeiro CLT urbano foi implementado sendo esse um marco importante de expansão do modelo até que viesse a se consolidar como um movimento que extrapolou fronteiras e vem construindo uma trajetória internacional no Norte e no Sul globais marcada pela garantia da habitação e da segurança da posse associada à qualidade de vida, acesso a serviços e exercício da autonomia dos moradores em relação às escolhas relacionadas ao ambiente em que se vive. A proposta de um CLT brasileiro tira partido do fato do modelo ser altamente flexível e poder ser adaptado a realidades muito distintas. A ótica de construção a partir do Sul global, necessariamente se dedica especial atenção aos arranjos comunitários já existentes no território brasileiro, especificamente nos assentamentos informais da cidade do Rio de Janeiro, onde estão em desenvolvimento projetos pilotos de aplicação TTC. As favelas e ocupações informais têm muito a ensinar sobre organização territorial, resistência contra ações de remoção do Estado, contra o controle paralelo das milícias e do narcotráfico, e também, contra as pressões de agentes do mercado imobiliário. Nesse sentido, nos parece fundamental que, para o alcance dos principais benefícios do modelo, seja necessário o esforço de conjugar as práticas internacionais e locais num arranjo particular para o modelo do Termo Territorial Coletivo. O Projeto TTC, que hoje se dedica à implementação das duas primeiras experiências brasileiras, envolve as comunidades cariocas de Trapicheiros, localizada na região da Tijuca, e do Conjunto Esperança, empreendimento do Minha Casa Minha Vida Entidades ainda não regularizado, na região de Jacarepaguá. Ambas comunidades sofrem diferentes tipos de ameaças contra sua permanência onde estão instaladas e pretendem utilizar o modelo como forma de garantia à continuidade de sua existência. A adesão ao Projeto é espontânea e prescinde da totalidade dos membros das comunidades, portanto não é uma forma impositiva de planejamento. Por um lado, é necessário enaltecer e buscar reforçar as relações comunitárias que são expressão também de interesses comuns daqueles que ocupam um mesmo território e compõem ali noções de valor que superam o valor de mercado da terra. Por outro lado, a proposta do TTC necessariamente está direcionada a locais com a possibilidade de realização da regularização fundiária, o que traz aos moradores o horizonte de adesão ao modelo formal de relação social com a terra, culturalmente cultivado no planejamento urbano, que é o modelo da propriedade. É importante perceber que o TTC não rompe com a lógica da propriedade capitalista tampouco da burocracia de origem colonial, portanto, não há aí, nesse aspecto, uma rescisão conceitual ou prática do planejamento vigente. A propriedade coletiva da terra no caso do TTC, é um dos aspectos que supera a lógica hegemônica de relação formal com a terra e, por isso, é também o muito desafiador no processo de adesão ao modelo. Nos trabalhos de divulgação do TTC, muitas atividades como reuniões, aulas, debates, seminários e até mesmo audiências públicas já foram realizados. A compreensão e aceitação da propriedade coletiva da terra desvinculada da propriedade dos imóveis não ocorre de forma imediata, nem facilmente. Geralmente, é motivo de desconfiança, mesmo para aqueles que nunca tiveram acesso a qualquer propriedade fundiária formal. Entretanto, é interessante perceber que a compreensão da propriedade coletiva da terra e o pacto de não alienação como forma de resistência às distintas formas de pressão para desapropriação, destruição e enfraquecimento das comunidades transforma o posicionamento dos indivíduos a respeito do modelo do TTC. Nesse ponto, há um componente emancipador que nos permite entender o TTC como modelo de gestão da terra que fortalece as famílias tanto em sua resistência, quanto na afirmação de suas formas de existência. A partir do momento que as comunidades fazem do modelo um instrumento de luta por seus modos de vida e ocupação de seus territórios, podemos afirmar que ele passa a ser um exemplo de planejamento 'amador’, insurgente e também contra hegemônico. Por ter origem norte americana e haver inclusive aderência do Estado ao seu financiamento, ou sua inclusão como política pública em outras partes do mundo o modelo ainda é operado dentro das regras de planejamento de origem colonial. Por outro lado, chamamos a atenção para forma de participação e organização social e a relação das comunidades com seus territórios são os aspectos preponderantes no potencial disruptivo e insurgente das experiências de aplicação dos CLT estrangeiros e também dos TTCs no Brasil. Os próprios moradores são os responsáveis por consolidar os termos de vínculo formais entre si e das formas de ocupação da terra e, por isso, há espaço para que cada TTC, separadamente, apresente elementos e valores que estejam além do sistema-mundo moderno. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos dizer que, o Termo Territorial Coletivo é um mecanismo capaz de promover a segurança da posse e promoção da moradia acessível para pes¬soas de baixa renda em favelas. Mesmo que tenha diferentes configurações ao redor do mundo, suas características básicas têm garantido essa acessibilidade permanente à moradia nos casos em que ele foi aplicado. Longe de ser um instrumento revolucionário no contexto capitalista, o TTC se cria e desenvolve sob a lógica da proprieda¬de, mas busca afastar os efeitos nefastos da mercan¬tilização da terra para a moradia, através da gestão comunitária do território de propriedade coletiva. O TTC pode vir a se tornar um modelo eficaz e interessante para comunidades informais na realidade urbana brasileira e se mostra particularmente relevante no momento de guinada neoliberal vivido no Brasil, que tem consequências diretas nos processos de regularização fundiária, priorizando a titulação individual da propriedade dos lotes, inserindo assim espaços antes excluídos no circuito imobiliário formal. Este movimento pode ocasionar uma valorização imediata da terra em determinadas comunidades, principalmente em áreas visadas da cidade, o que tornará difícil a permanência de populações socialmente frágeis nestes espaços, agravando assim os processos formais ou mercadológicos de remoção. Sendo assim, a experiência como do TTC são exemplos de um planejamento urbano contra hegemônico e reforçam a busca pela efetivação do direito à moradia. A depender da forma como cada experiência evoluirá, no que diz respeito às relações comunitárias e às formas das decisões sobre o território - independente da imposição burocrática de agentes capitalistas privados ou estatais - outros paradigmas podem ser quebrados. REFERÊNCIAS DAVIS, J. E. The Community Land Trust Reader. Cambridge: LILP, 2010. MERRIFIELD, A. Amateur urbanism. City, v. 19, n. 5, p. 753–762, 3 set. 2015. MIRAFTAB, F. Insurgência, planejamento e a perspectiva de um urbanismo humano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 18, n. 3, p. 363–377, 2016. ROLNIK, R. Guerra dos lugares?: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015. ROY, A. Urban Informality: Toward an Epistemology of Planning. Journal of the American Planning Association, v. 71, n. 2, 2005. RIOS NETO, E; RIANI, J. Desigualdades raciais nas condições habitacionais na população urbana. In: SANTOS, R. (org) Diversidade, espaço e relações e´tnico-raciais?: o Negro na Geografia do Brasil. 3. ed., rev. ampl. ed. Belo Horizonte: Aute^ntica Editora, 2013.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

AVELAR, Clarissa Sapori. O TERMO TERRITORIAL COLETIVO NO BRASIL SOB A ÓTICA DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL CONTRA-HEGEMÔNICO.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/481143-O-TERMO-TERRITORIAL-COLETIVO-NO-BRASIL-SOB-A-OTICA-DO-PLANEJAMENTO-TERRITORIAL-CONTRA-HEGEMONICO. Acesso em: 01/06/2025

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