LAGOAS DO NORTE PRA QUEM?: TRANSFORMAÇÕES, CONFLITOS E RESISTÊNCIAS PELO DIREITO À CIDADE E AO BEM VIVER EM TERESINA.

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
LAGOAS DO NORTE PRA QUEM?: TRANSFORMAÇÕES, CONFLITOS E RESISTÊNCIAS PELO DIREITO À CIDADE E AO BEM VIVER EM TERESINA.
Autores
  • Luan Rusvell de Abreu Andrade
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 08 – Movimentos sociais e as articulações com o direito à cidade e o bem viver
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/479159-lagoas-do-norte-pra-quem--transformacoes-conflitos-e-resistencias-pelo-direito-a-cidade-e-ao-bem-viver-em-teres
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Direito à Cidade, Bem Viver, megaprojetos urbanos, movimentos sociais
Resumo
1 INTRODUÇÃO Desde o início dos anos 2000 a zona norte da capital do Piauí se tornou campo de implantação da maior transformação urbana já promovida na cidade neste século. Executado por meio do Programa Lagoas do Norte - PLN, o projeto vem sendo desenvolvido pela Prefeitura Municipal, financiado pelo Banco Mundial - BM e também com recursos do Governo Federal através do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC; os investimentos totais previstos são de mais de 800 milhões de reais, em um megaprojeto que abrange 13 bairros da cidade e afeta aproximadamente 13% da sua população. A Prefeitura de Teresina faz a defesa do Programa sob a justificativa de que se trata de um importante projeto para o alcance da Agenda 21 local (denominada Teresina Agenda 2015), elaborado segundo as diretrizes de sustentabilidade da Agenda 21 Global e do discurso político da “Cidade para Pessoas” (lema da gestão municipal do PSDB que atuou durante toda a implantação do Programa). Quanto ao território em questão, trata-se de uma região que abrange 12 lagoas e uma área total de 1.310,85 ha, situada na porção mesopotâmica da cidade de Teresina entre os rios Poti e Parnaíba e habitada por comunidades tradicionais. Apesar dos relatórios técnicos concluírem que “os impactos gerados pelo PLN são, em sua maioria, de natureza positiva”, as grandes transformações projetadas para o território nos alerta para possíveis efeitos negativos, tanto a curto prazo, no caso da possível fragmentação dos laços comunitários, quanto, em um período mais estendido, para os efeitos da gentrificação e do apagamento de identidades culturais tradicionais, por exemplo. Sendo assim, a proposta deste trabalho é compreender em que grau as transformações causadas pelo PLN constituem-se como uma ameaça aos modos de vida locais, bem como analisar as articulações comunitárias em defesa do seu território, que fizeram do movimento Lagoas do Norte Pra Quem? a principal luta urbana pelo Direito à Cidade e pelo Bem Viver em Teresina dos últimos tempos. 2 TRANSFORMANDO A CIDADE Do ponto de vista arquitetônico e urbanístico o Programa pretende, “sob a ótica das intervenções, promover: a urbanização da orla das lagoas, remodelando o sistema viário do entorno e recuperando-as ambientalmente, além de dotar a região com saneamento básico” . Segundo o arquiteto autor dos projetos, o objetivo é transformar a região em um “parque habitado, com enorme potencial para ativar a economia da região e se consolidar não apenas como um destino para negócios e tratamento hospitalar, mas também como destino turístico''. Dada a dimensão territorial do projeto, as mudanças propostas envolvem significativas alterações do espaço, com impactos previstos em projeto e reconhecidos pela Administração Pública: “Essas mudanças poderão ser avaliadas tanto como adversas, na medida em que a população local perderá certos pontos de referência na paisagem, quanto benéficas, em razão das novas propostas de paisagismo para a região afetada”. Outros autores como Harvey e Rolnik acreditam que essa tendência de produção do espaço tem caracterizado uma nova interface do capitalismo global, ou seja, no caso do PLN, o remodelamento urbano proposto faz parte de uma estratégia maior que visa a higienização socioespacial a fim de criar novas áreas de reserva e exploração do capital imobiliário. 2.1 O povo quer saber: Lagoas do Norte Pra Quem? Para a execução total do PLN, de acordo com o Marco de Reassentamento Involuntário apresentado em 2007, a previsão era de remoção de 1.588 famílias durante todo o Programa. Na primeira etapa, que durou de 2009 a 2014, 513 famílias foram removidas. Em 2014, o número de famílias seladas para despejo aumentou para 1.730. Após os danos causados pela 1ª fase, as comunidades que vivem nas Lagoas do Norte resolveram se organizar e assumir os rumos dessa história. O marco do levante popular se deu quando a Prefeitura de Teresina, em 2014, notificou as 400 famílias que vivem na Boa Esperança - uma das comunidades ribeirinhas mais antigas da região, território de oleiras, pescadores, vazanteiros e brincadeiras do bumba de meu boi - dando origem ao Movimento Lagoas do Norte Pra Quem?. Reunidas em torno do Centro de Defesa Ferreira de Sousa - associação dos moradores atingidos pelo PLN - as comunidades passaram a reivindicar seu pertencimento ao território em um processo de luta que envolve duas frentes: uma que envolve a auto-organização e o empoderamento comunitário, realizada através de uma série de atividades de fortalecimento das identidades culturais locais e que, a partir de uma ampla articulação com movimento sociais, criou-se estratégias de enfrentamento corpo a corpo com os despejos forçados pelo poder público e contra o avanço de empreendimentos imobiliários; a segunda frente é das disputas político-institucionais, na qual moradores e moradoras fora aos principais palcos incidência política, encaminhando um complexo processo judicial junto ao Ministério Público do Estado do Piauí e Ministério Público Federal e, em 2019, fizeram denúncia ao Painel de Inspeção do Banco Mundial, cujas investigações ocasionaram a suspensão do financiamento do Banco com a Prefeitura de Teresina. O fruto de todo esse processo de luta comunitária culminou no autorreconhecimento da Boa Esperança como Remanescente Quilombola em 2019 (processo que ainda aguarda oficialização por parte da Fundação Palmares). Atualmente a comunidade Boa Esperança continua sob ameaça de remoção, enquanto articula estratégias para demarcação de seu território como primeiro Quilombo Urbano de Teresina. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pretensa ‘qualificação’ urbana e a pressão do mercado por ativar economicamente áreas estratégicas da cidade de Teresina se converteu em um processo de exclusão social da população que vive na região conhecida como Lagoas do Norte. As transformações impostas vem sendo seguidas por uma série de denúncias de violações aos Direitos Humanos, principalmente no âmbito do Direito à Moradia e afetando principalmente territórios onde vivem comunidades tradicionais, que seguem reivindicando seu pertencimento local e respondendo às ameaças de desterritorialização por meio de seus saberes e práticas tradicionais, fazendo dessa disputa o principal movimento de luta pelo Direito à Cidade de Teresina. Santos e Acosta nos ajudam a compreender o que vem ocorrendo na zona norte de Teresina ao refletir sobre os processos reprodutivos da colonização contemporânea. Segundo os autores, a guerra da colonização sempre foi uma guerra de disputa de territorialidades. Assim, conforme executado pelo PLN, tal projeto dito para o “desenvolvimento sustentável” se converteu em expressão de um princípio colonizador para apropriação dos recursos naturais por meio da desterritorialização de comunidades tradicionais. A esta prática contrapõe-se o que chamam de Biointeração ou Bem Viver, processo concebido a partir de outra lógica para as relações entre seres humanos e natureza, constituindo-se ainda em princípio fundamental dos saberes populares e tradicionais com seu território. As decisões técnicas que previam uma verdadeira transformação do espaço, com melhorias promovidas nos moldes da reurbanização eurocêntrica e nos padrões de governança neoliberal, esbarrou na resistência do levante comunitário e no seu questionamento: ‘Lagoas do Norte Pra Quem?’. Como o próprio lema do movimento popular sugere, as decisões sobre o território vem ocorrendo sem levar em consideração os desejos e a cultura ancestral dos seus habitantes, identificados oficialmente apenas como moradores em situação de risco e passíveis de reassentamento involuntário. Por fim, observa-se que o que vem ocorrendo na zona norte de Teresina segue os mesmos padrões daquilo que vem se chamando de ‘desenvolvimento urbano’, justificando ações parecidas em diversas outras cidades do Brasil e do mundo. No caso em apreço, dado o fato de que o PLN está promovendo a maior transformação urbana do século XXI na capital (como anuncia a Prefeitura Municipal de Teresina), é preciso atentar para diversas questões, como os conflitos e impactos provocados por sua implementação, em parte aludidos nas discussões deste trabalho. Ao longo de 15 anos de execução, com apenas 38% dos investimentos previstos já realizados e um terço dos deslocamentos forçados efetivados, é possível concluir que já lidamos com um dos maiores processos de higienização urbana da história de Teresina, ainda por reverberar seus efeitos nocivos da marginalização da população removida, da negação das culturas tradicionais, do remodelamento urbano não-identitário, da especulação imobiliária e da turistificação excludentes. REFERÊNCIAS ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução: Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016. BANCO MUNDIAL. Painel de Inspeção. Relatório e Recomendação sobre Solicitação para Inspeção. BRASIL: Projeto de Melhoria da Governança Municipal e da Qualidade de Vida de Teresina - Financiamento Adicional (P1 46870), 2019. 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Anais Eletrônicos. Belo Horizonte: UFMG, 2016. GOMES, Glaudson Lima. Programa Lagoas do Norte na Avenida Boa Esperança: uma política de inclusão ou exclusão social em Teresina?. 2015. 101 f. TCC (Graduação) – Curso de Direito, Universidade Estadual do Piauí, Teresina, 2015. HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014. ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2019. SANTOS, Antônio Bispo. Colonização quilombos: modos e significações. 2 ed. Brasília: Ayô, 2019. TERESINA, Prefeitura Municipal. Avaliação ambiental do programa de melhoria da qualidade ambiental de Teresina - Programa Lagoas do Norte, relatório de avaliação ambiental-RAA, 2007a. Disponível em: <http://documents.worldbank.org/curated/en/583721468021292553/pdf/E16180v20RAA04final053Mar306072.pdf> Acesso em 8 abr. 2020. ____, Prefeitura Municipal. 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Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

ANDRADE, Luan Rusvell de Abreu. LAGOAS DO NORTE PRA QUEM?: TRANSFORMAÇÕES, CONFLITOS E RESISTÊNCIAS PELO DIREITO À CIDADE E AO BEM VIVER EM TERESINA... In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/479159-LAGOAS-DO-NORTE-PRA-QUEM--TRANSFORMACOES-CONFLITOS-E-RESISTENCIAS-PELO-DIREITO-A-CIDADE-E-AO-BEM-VIVER-EM-TERES. Acesso em: 14/06/2025

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