CRÍTICAS À LEI Nº 13.465/2017: A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM UM CENÁRIO DE RETROCESSOS

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
CRÍTICAS À LEI Nº 13.465/2017: A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM UM CENÁRIO DE RETROCESSOS
Autores
  • Valéria Fiori da Silva
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 09 – Função social da propriedade, desmonte da ordem jurídico-urbanística e efetividade dos instrumentos de política urbana
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/477126-criticas-a-lei-n-134652017--a-regularizacao-fundiaria-em-um-cenario-de-retrocessos
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Lei nº 13.465/ 2017, retrocessos, regularização fundiária
Resumo
GT 09 - Função social da propriedade, desmonte da ordem jurídico-urbanística e efetividade dos instrumentos de política urbana CRÍTICAS À LEI Nº 13.465/2017: A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM UM CENÁRIO DE RETROCESSOS Valéria Fiori da Silva 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho foi motivado pela promulgação da Lei nº 13.465 em 2017, que alterou significantemente a previsão jurídica anterior sobre regularização fundiária. Pretende-se compreender o contexto que levou a aprovação da lei, bem como explanar as novas medidas jurídicas para regularização de núcleos urbanos informais, avaliando a possibilidade de utilização dos mecanismos previstos para efetivação da regularização fundiária. Pode-se entender que o mundo jurídico possui grande relevância para a formação de um padrão segregador que colabora para a formação destes núcleos de moradia informais, exercendo um papel determinante na decisão dos processos de planejamento e ocupação da cidade. Em relação à metodologia, o principal documento a ser analisado é a própria letra da lei, com foco na regularização fundiária urbana de interesse social (REURB-S), além de utilizar autores referências no assunto como Betânia Alfonsin (216), Edésio Fernandes (2005) e Alex Magalhães (2017). Pode-se concluir que a nova lei não é suficiente para garantir o direito à cidade das ocupações urbanas, devido a limitações de diversas ordens. Apenas a mobilização popular é capaz de e pautar qualidade de vida para as comunidades periféricas, a despeito da tendência neoliberal dominante. 2 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS Cenário político de retrocessos Compreender o conteúdo da legislação passa por compreender também o contexto em que foi promulgada. Desde 2013 o Brasil vive uma conjuntura de instabilidade, evidenciada pelos atos que ocorreram no mês de junho em todo o país; no ano de 2016, a crise é intensificada após o impeachment da presidenta Dilma Roussef. É neste contexto de insegurança, crise e instabilidade que a lei é promulgada, com a intenção de instituir um novo arcabouço jurídico, mitigando a trajetória de políticas públicas anteriores, que haviam sido implementadas por governos progressistas, visando calar os acúmulos dos movimentos sociais pela reforma urbana. É indispensável ressaltar que não apenas a política pública urbana e de moradia que tem sido afetada por reformas e alterações legislativas que prejudicam a população de baixa renda. Diversos direitos sociais têm sido ameaçados devido a adoção de políticas de cunho neoliberais que pautam a retirada de direitos sociais como saída para crise. Estas iniciativas alteram o cenário jurídico a fim de retirar direitos sociais dos trabalhadores, que além da moradia, ameaçam também a educação, trabalho, saúde e a previdência social. As expropriações contemporâneas, desse modo, revelam-se agressivas e potencialmente ilimitadas. Elaboram-se discursos de urgência, molda-se a argumentação e consolidam-se apetrechos coercitivos, com a finalidade de mercantilizar a vida de maneira inédita no percurso histórico. Por meio destas ações é possível observar o desmoronamento dos direitos sociais e políticas públicas, a fim de servir ao projeto neoliberal: fomentando o mercado e expandindo os lucros a fim de mitigar os efeitos da crise econômica. O objetivo das alterações promovidas pela lei nº 13.465/2017 é institucionalizar no campo jurídico o sistema financeiro de habitação, modelo que já vem sendo implementado no Brasil e a nível mundial, que compreende a moradia a partir da lógica mercadológica, conforme explanado por Raquel Rolnick: A política de regularização fundiária implementada pelo governo federal por meio da nova legislação busca inserir as áreas de ocupação informal no mercado imobiliário, operando também nesses locais marginalizados a “transmutação [da habitação] em mercadoria e ativo financeiro”. Assim, se consolida um paradigma que busca a mera titulação das famílias para que ingressem ao mercado especulativo das terras urbanas, sem efetivar demais direitos sociais. É para isso que se instaura uma nova legislação urbanística: para firmar um compromisso jurídico com o capital especulativo internacional, em detrimento das demandas sociais. CONTEÚDO NORMATIVO A lei nº 13.465/2017 alterou significantemente o arcabouço jurídico acerca do tema, em especial, considerando que a nova legislação revoga o capítulo referente à regularização fundiária da lei nº 11.977/2009, lei do Programa Minha Casa, Minha Vida, que consistia no marco jurídico mais importante sobre a regularização de ocupações urbanas até o momento. Todos os acúmulos que ainda estavam em processo de consolidação foram interrompidos, gerando o desmonte desta política que vigorava apenas há 10 anos. Ela altera um marco legal que não era um empecilho à regularização, pois já havia incorporado diversos princípios sociais provenientes do Estatuto da Cidade, mas que não foi aplicado por tempo suficiente para analisar as consequências da aplicação da legislação na realidade. É possível apontar diversos vícios desta nova lei. Primeiro, destaca-se o método em que a legislação foi inserida no ordenamento jurídico, por meio da medida provisória nº 759/2016, proposta em pelo Presidente da República na época, Michel Temer. A medida provisória é um instrumento excepcional de produção legislativa que só pode ser utilizada quando cumprir os requisitos constitucionais de relevância e urgência. . No entanto, não existiu qualquer fator de justificasse a escolha desta modalidade legislativa, que em verdade, evidencia um “processo atropelado, sem discussão, calando as vozes dissidentes” , visando mitigar o diálogo e impedir a influência popular nas formulações sobre a cidade. Em relação ao conteúdo da lei, a primeira questão que pode ser elencada é a própria definição de regularização fundiária, que possui enfoque nas questões cartoriais e de titulação, o que é um retrocesso, em relação a lei nº11.977/2009, que trazia uma definição da regularização fundiária plena , considerando os diversos fatores envolvidos no processo de regularização. Ainda que não devam ser concebidos marginalmente ou somente por políticas setoriais, os programas de regularização têm uma importância fundamental em si mesmos. Para serem bem-sucedidos, tais programas devem combinar em alguma medida as ações de urbanização com as estratégias de legalização. (FERNANDES, 2005, p. 24) Existem diversos aspectos normativos positivos na legislação, elenca-se alguns: artigo 11, que trata da mitigação das exigências e parâmetros urbanísticos; artigo 13, inciso I, que amplia a possibilidade de enquadramento das ocupações de interesse social, admitindo que o local seja “predominantemente” de baixa renda; parágrafo 4º do mesmo artigo, aborda a possibilidade de regularização fundiária mesmo em locais em que há o uso misto do imóvel, para moradia e trabalho; parágrafo 5º do artigo 13 reconhece “o direito à gratuidade das custas e emolumentos notariais e registrais” , avanço importante considerando que um dos grandes entraves à regularização são os altos custos cartoriais. No entanto, a legislação também determina que os Estados criem fundos próprios para compensar os gastos referentes aos atos registrais, onerando o poder público para garantir a arrecadação dos cartórios. Além disso, o artigo 36 trata da obrigatoriedade do Município em instalar infraestrutura urbana essencial nos casos de REURB -S, prevendo uma lista extensa de quais seriam estes serviços. O mesmo artigo também determina que a execução das obras de infraestrutura pode ocorrer em etapas, inclusive após a titulação, o que compromete o acesso à moradia em condições adequadas. Isso porque é passível que a implementação destes serviços, permaneça apenas no papel, pois a sua efetiva instalação depende dos recursos orçamentários do município, que são escassos e não priorizam a população de baixa renda, reforçando a ideia de que a regularização é uma ação de titulação curativa, pontual e posterior à ocupação. Todas as menções da nova lei à urbanização e à implantação de obras de infraestrutura são remetidas ao arbítrio da Administração Municipal, abrindo o pretexto para regularização de áreas precárias sem que haja a obrigação futura de execução dessas melhorias. (FAYAD, 2018, p.126). O processo de regularização fundiária apresenta diversas fases e etapas, conferindo grandes poderes e autonomia para o ente municipal. Cabe à Prefeitura as principais decisões, responsabilidades e custas do processo de regularização, sem a necessidade de diálogo e concordância da comunidade a ser regularizada. A legislação busca desburocratizar os processos de regularização conferindo maior autonomia para que os municípios resolvam os conflitos fundiários de forma administrativa. No entanto, os principais problemas permanecem: não vinculação com políticas estruturais de acesso à cidade, manutenção de uma mentalidade centrada na propriedade e submissão à discricionaridade do poder público. AS CONSEQUÊNCIAS PARA AS OCUPAÇÕES URBANAS É necessário enfatizar que os problemas de efetivação da regularização fundiária não estão centrados no fator jurídico, mas sim em questões estruturais, de ordem políticas, econômica, etc.A superação dos entraves para efetivar esse direito passa por repensar a política desempenhada pelos poderes públicos e privados, a fim de instaurar uma nova forma de ocupação e reprodução do espaço urbano que emancipe comunidades e garanta direitos. É necessário ressaltar que qualquer programa de regularização fundiária, busca inserir os moradores dentro da lógica de mercado proprietária. Por isso é necessário tratar dos riscos que a regularização fundiária dentro do modelo capitalista e neoliberal pode trazer para as comunidades, considerando que após a regularização ocorre valorização da terra, e expulsão das famílias. É por isso que não é possível focar na questão jurídica como solução para os entraves da regularização fundiária – nem para qualquer problema de negação de direitos. Independente do conteúdo da lei, sua efetivação depende de um filtro, do juiz, gestor ou autoridade que a aplica. No momento da aplicação no caso concreto, a discricionariedade permite que a decisão dos agentes responsáveis pela efetivação da política urbana seja realizada de acordo com os princípios dominantes. Adiciona-se, ainda, a inatividade do Poder Executivo Municipal, que trata a moradia popular apenas no marco da produção de novos empreendimentos habitacionais, ignorando a realidade das comunidades e suas pautas pela permanência no território. 3. CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível afirmar que a lei nº 13.465/2017 é insuficiente para a efetivação da regularização fundiária, pois apesar de apresentar instrumentos interessantes, a sua efetivação prática ainda depende da discricionariedade do poder público municipal, movido a interesses puramente mercadológicos. A regularização fundiária é um processo complexo que não pode ser garantido apenas por meio legislativo, sendo necessário uma ação unificada de aplicação de políticas públicas, planejamento e investimentos na área habitacional a fim de garantir o direito à cidade para as classes populares. A garantia da aplicação desta política integrada para efetivação do direito à moradia só é possível por meio da mobilização popular das comunidades, que utilizam sua força coletiva e comunitária para pressionar os órgãos e autoridades responsáveis na busca por direitos. Apenas a luta organizada e coletiva é capaz de garantir o acesso a direitos para a classe trabalhadora e marginalizada, impondo-se contra medidas de cunho neoliberal que pregam a retirada de direitos e a precarização da qualidade de vida. REFERÊNCIAS ALFONSIN, Betânia. A ordem jurídico-urbanística nas trincheiras do Poder Judiciário. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 07, N. 14, 2016, p. 421- 453. BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal. Planalto. Brasília: set. 2017 FAYAD, Karime. A produção da cidade informal e o parcelamento do solo urbano: o caso de Rio Branco do Sul – PR. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal do Paraná, Setor de Tecnologia, Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano, Curitiba, 2018. 282 p. FERNANDES, Edésio. A Nova Ordem Jurídico-Urbanística no Brasil. Revistas Magister Direito Ambiental e Urbanístico. Porto Alegre/RS. Edição 02. Out/Nov-2005. GEDIEL, José Antônio Peres; MELLO, Lawrence Estivalet. Expropriações do sujeito trabalhador e os limites dos direitos da personalidade na lei nº 13.467/2017. In: GEDIEL, J. A. P. et al. (Orgs). Estratégias autoritárias do Estado empregador: assédio e resistências. Curitiba: Kaygangue Ltda, p. 63- 83. MAGALHÃES, Alex Ferreira Magalhães. E o golpe chegou na política urbana: A que veio a “nova” lei nacional de regularização fundiária? Em: BELLO, Enzo; PAROLA, Giulia; TOLEDO, Bianca Rodrigues. Direito a Cidade: Regularização Fundiária. Rio de Janeiro: Multifoco, 2017, p. 143-158. PONTES, Daniele Regina. Direito à moradia: entre o tempo e o espaço das apropriações. Tese de doutorado apresentada à Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-graduação em Direito, Curitiba, 2012. ROLNIK, Raquel. Regularização fundiária sustentável: conceitos e diretrizes. Brasília: Ministério das Cidades, 2007. 304p. _____. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SILVA, Valéria Fiori da. CRÍTICAS À LEI Nº 13.465/2017: A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM UM CENÁRIO DE RETROCESSOS.. In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/477126-CRITICAS-A-LEI-N-134652017--A-REGULARIZACAO-FUNDIARIA-EM-UM-CENARIO-DE-RETROCESSOS. Acesso em: 01/05/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes