“PERIFERIAS” DIVERSAS: REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE COMUNIDADES TRADICIONAIS RIBEIRINHAS NA AMAZÔNIA.

Publicado em 27/07/2022 - ISBN: 978-65-5941-759-9

Título do Trabalho
“PERIFERIAS” DIVERSAS: REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE COMUNIDADES TRADICIONAIS RIBEIRINHAS NA AMAZÔNIA.
Autores
  • Lauren Costa
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
GT 03 - Direito à moradia, política habitacional, regularização fundiária e direitos dos povos e comunidades tradicionais
Data de Publicação
27/07/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/476691-periferias-diversas--regularizacao-fundiaria-de-comunidades-tradicionais-ribeirinhas-na-amazonia
ISBN
978-65-5941-759-9
Palavras-Chave
Área da União. Comunidades tradicionais. Regularização Fundiária. Ribeirinhos.
Resumo
1. Introdução O Brasil precisa lidar a irregularidade fundiária, mas em um país de dimensões continentais, com territórios tão diversos, há muitas condições que podem ser caracterizadas como irregulares. As comunidades tradicionais ribeirinhas localizadas em áreas da União no contexto amazônico são exemplo desses diferentes desafios. O modo de vida das populações tradicionais ribeirinhas da Amazônia foi construído em um processo histórico e social de formação e ocupação integrado às características naturais geográficas da região e, por isso, está conectado ao fluxo e à sazonalidade das águas. O rio é definidor da sobrevivência econômica, da vida social e da cultura, e seu entorno constitui o habitat dessas populações. Na regularização fundiária, além do direito à moradia, está em jogo a defesa da própria existência dessas comunidades. A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), órgão do Ministério da Economia (ME), é responsável pela gestão do patrimônio da União e pela regularização fundiária de comunidades ribeirinhas localizadas sobre as várzeas federais, entre outras situações de ocupação de imóveis pertencentes à União, por força do artigo 20 da Constituição Federal de 1988 (CF 88). O presente trabalho percorre ações realizadas pela SPU desde 2005, explorando avanços e dilemas referentes ao uso do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), criado pelo órgão para reconhecer o uso sustentável do território por comunidades tradicionais. 2. Regularização fundiária de comunidades tradicionais em áreas da União. A Política Nacional de Gestão do Patrimônio da União (PNGPU) estabelece diretrizes para a gestão dos imóveis públicos federais e orienta a implementação de diversas políticas públicas nessas áreas, entre elas, a de regularização fundiária. A PNGPU tem como princípio norteador que os imóveis da União devem cumprir a sua função social. Na regularização fundiária de comunidades tradicionais, conduzida pela SPU, três questões devem ser tratadas preliminarmente: (1) a verificação da tradicionalidade do grupo ocupante da área; (2) a comprovação da posse da área; e (3) a identificação da responsabilidade institucional pela regularização. A tradicionalidade é verificada em adesão ao conceito de Povos e Comunidades Tradicionais, presente no Decreto nº 6.040/2007 . Está ligada ao modo de vida e produção dessas populações, sua cultura, história, de forma vinculada ao território que ocupam. O mesmo Decreto estabelece o critério da autoidentificação, isto é, a comunidade pode e deve expressar seu pertencimento étnico e cultural. Essa interpretação é absorvida pelo Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) . Feito isso, a comunidade deverá comprovar a posse tradicional da área da União e a utilização sustentável dos recursos naturais; para tanto, poderá valer-se de laudos antropológicos, estudos, documentos de órgãos públicos, pesquisas acadêmicas, ou, ainda, documentos de entidades da sociedade civil com representatividade em espaços colegiados relacionados à pauta. A verificação da responsabilidade institucional refere-se à existência de órgão específico encarregado da regularização fundiária. Por exemplo, políticas de acesso ao território das comunidades quilombolas é atribuição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); os territórios indígenas são responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), grupos que ocupam áreas em Unidades de Conservação cabem ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) ou aos governos estaduais. O caso das comunidades tradicionais ribeirinhas da Amazônia ocupantes de áreas da União ficou sob competência da SPU, que iniciou o trabalho com o TAUS. 2.2. Movimentos Sociais e a construção de políticas anteriores ao TAUS. A partir da década de 1960, o governo militar adotou um modelo desenvolvimentista para a Amazônia, desconectado do modo de vida dos povos e comunidades tradicionais. Alijados desse processo, esses grupos estruturaram movimentos sociais de resistência: os anos 1970 e 1980 foram marcados no Brasil por manifestações pela reforma agrária, direitos no campo, proteção contra grandes projetos etc. Allegretti , destaca a mobilização promovida pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) que provocou a criação das reservas extrativistas (RESEX). Esse modelo baseava-se nas reservas indígenas e Unidades de Conservação cujo formato funda uma alternativa ao modelo de lotes da reforma agrária, até então adotado. Também no contexto de luta dos ribeirinhos, foi desenvolvida outra modalidade de regularização fundiária, apoiada no território coletivo: o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE). Segundo Coutinho , essa modalidade foi instituída pelo INCRA para atender reinvindicações dos trabalhadores extrativistas da Amazônia. Nos anos 2000, a Lei nº 9.985/ 2000 determinou a proteção das populações tradicionais e dos recursos naturais essenciais a sua subsistência. É também dessa década o já mencionado Decreto nº 6.040/2007, que ampliou o reconhecimento de direitos para outras comunidades tradicionais. 2.3. Termo de Autorização de Uso Sustentável. Para transferir direitos reais sobre um imóvel é preciso que ele exista no mundo jurídico, possua matrícula e esse é um dos gargalos da União nas ações de regularização de seu patrimônio. O primeiro procedimento para a identificação dos terrenos marginais da União é a demarcação e homologação da Linha Média das Enchentes Ordinárias (LMEO). Esse é um procedimento moroso e burocrático. O tempo da política pública não atendia as urgências das comunidades ribeirinhas. A SPU criou então uma Autorização de Uso Sustentável, para áreas alagáveis, de cursos de água pertencentes à União, de domínio incontestável. Como esse ato não transfere direitos reais, dispensa matrícula. O instrumento foi disciplinado pela Portaria SPU nº 284/2005 , que posteriormente ganhou o nome de TAUS. Quanto aos limites físicos, na concepção do instrumento, um ponto GPS (Geographic Positioning System) é colhido no local da moradia e a autorização de uso abrange um raio inferido de 500 metros a partir desse ponto. Não são delimitados limites individuais, o raio, de até 500m, deve respeitar os limites de tradição das posses do local, incluindo relações de vizinhança existentes e históricas. Ainda que concedido individualmente, esse mecanismo de “demarcação difusa” reconhecia e evitava alterar dinâmicas sociais presentes nas comunidades. Avançando no processo, a SPU publicou a Portaria nº 100/2009 , ampliando a autorização para a modalidade coletiva. Notadamente a área ocupada pela comunidade precisa ser identificada. Nesse formato a SPU possibilitava titulações coletivas em nome de uma Associação representativa legalmente instituída e também para um conjunto de pessoas físicas. Em 2010, foi publicada a Portaria SPU nº 89/ 2010 . O instrumento passou a se chamar TAUS e foi ampliado para terrenos marginais que sofrem a influência das marés, para além do recorte da Amazônia. Havia, porém, uma fragilidade, o dispositivo era disciplinado por portarias internas do órgão. Durante a elaboração da Lei 13.465/2017 , a SPU inseriu o TAUS na Lei nº 9.636/1998 . 3. Conclusão - Avanços e desafios. O TAUS soma-se a outros instrumentos que tentam preservar um modo de vida ameaçado pelo desenvolvimento de base exploratória. Na disputa pela terra e seus recursos, a lógica da propriedade foi imposta às comunidades ribeirinhas. Ao adotar critérios como base no território coletivo; reconhecimento de até dois pontos por família, quando moradia e local de trabalho não coincidem; e a possibilidade de, coletivamente, serem beneficiadas além das associações legalmente instituídas, um conjunto de pessoas, amplia-se o processo para comunidades ainda não estruturadas. A política avança quando reconhece e se adapta à realidade de seus beneficiários. A garantia da posse permite acesso a outras políticas públicas e benefícios sociais, minimiza a insegurança jurídica dessas populações e amplia possibilidades de defesa de seus territórios. Ainda é preciso fortalecer o reconhecimento dos direitos dessas populações. Por exemplo, é importante que famílias beneficiadas pelo TAUS acessem créditos para produção, inclusive constituindo demanda em programas de responsabilidade de outros órgãos, ou seja, seja instrumento válido e reconhecido por diferentes políticas públicas. Para isso, é fundamental coordenar ações nos territórios para que os regramentos de ações governamentais de diferentes instituições conversem em benefício dessas populações. Importa também a reserva de orçamento compatível com as ações, que exigem grandes deslocamentos, por vários dias, muitas vezes feitos de barco, gerando gastos em sua execução. Parcerias locais devem ser reforçadas, mas isso não é suficiente. Outra questão delicada é que, ao estender a aplicação do TAUS para além do contexto amazônico, outros atores passaram a atacar o instrumento. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por exemplo, movimentou-se pela revogação do Decreto nº 6.040/2007. Também nesse sentido, o avanço da Proposta de Emenda Constitucional PEC 39/2011 propõe a extinção dos terrenos de marinha e seus acrescidos, transferindo a propriedade de parte desses imóveis para Estados, municípios e atuais ocupantes, representando uma grande ameaça aos povos e comunidades tradicionais, fragilizados nesses processos e contextos de disputas. A regularização fundiária por si só não basta, outras ações, outras políticas públicas, em diferentes níveis de governo, precisam ser implementadas: educação, saúde, segurança e subsídios financeiros como incentivos à promoção e manutenção de métodos de produção sustentável, devem ser construídos. Essa pauta deve sair da periferia dos processos de planejamento. O modo de vida das comunidades tradicionais ribeirinhas da Amazônia e além, adequado aos fluxos e a sazonalidade das águas, informa sobre a necessária flexibilidade na construção processos que caminhem para regularização fundiária plena.
Título do Evento
XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

COSTA, Lauren. “PERIFERIAS” DIVERSAS: REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE COMUNIDADES TRADICIONAIS RIBEIRINHAS NA AMAZÔNIA... In: Anais do XI Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico. Anais...Salvador(BA) UCSal, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xicbdu2022/476691-PERIFERIAS-DIVERSAS--REGULARIZACAO-FUNDIARIA-DE-COMUNIDADES-TRADICIONAIS-RIBEIRINHAS-NA-AMAZONIA. Acesso em: 07/08/2025

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