PERPETUÇÃO DA DOMINAÇÃO MASCULINA NA CASERNA: UM ESTUDO DE CASO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-50  
Título do Trabalho
PERPETUÇÃO DA DOMINAÇÃO MASCULINA NA CASERNA: UM ESTUDO DE CASO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Autores
  • Ana Margareth Moreira Mendes Cosenza
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 22 - Estudos de gênero, feminismos e interdisciplinaridade.
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/438446-perpetucao-da-dominacao-masculina-na-caserna--um-estudo-de-caso-na-policia-militar-do-estado-do-rio-de-janeiro
ISSN
Palavras-Chave
Militarismo. Igualdade. Sexismo. Mulher.
Resumo
Ana Margareth Moreira Mendes Cosenza Doutoranda em Direito, Instituições e Negócios pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Oficial Superior da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Introdução O objeto de estudo aqui proposto é uma análise crítica das relações de poder nas casernas militares, pelo enfoque do gênero. O reconhecimento internacional dos direitos humanos a setenta anos, e a constitucionalização destes a mais de vinte anos, não bastaram à efetivação da igualdade entre os gêneros, erradicando práticas discriminatórias. O ingresso da mulher no ambiente militar, historicamente um local de dominação masculina, exigiu adaptação e mudanças naquelas culturas. Contudo, o efetivo feminino militar (forças armadas e suas auxiliares), no Brasil, não passa de 17%. Com a democracia, pressões para a inclusão se impõem às casernas (organizações militares) e mudanças são exigidas onde a desigualdade não se sustenta por argumentos racionais. Legislações, jurisprudências, movimentos sociais e políticas públicas adjudicam espaços ao feminino, de fora para dentro. (BATISTELLY, 1999, p.56). Para demonstrar a hipótese de que o gênero se tornou um critério cultural de seleção de servidores púbicos militares para acesso a cargos e funções no Brasil, realizou-se um estudo de caso na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, com aplicação de 361 questionários semi-estruturados, visando compreender, através da fenomenologia e da argumentação dialética, como a simples construção de um rótulo social é capaz de incluir ou excluir a participação de gêneros não masculinos no militarismo. Para aprar a percepção da igualdade entre os gêneros utilizou a escala de Likert de 5 pontos. (TRIVIÑOS, 1987, p.35, 36, 43, 46 e 111). 1. Fundamentação teórica Pierre Bordien (2002, p.5, 7, 9, 43-44) destacou a “eternização do arbítrio” na ordem sexual, através da constância das estruturas sexuais e dos esquemas por meio dos quais é percebida e utilizada pelas pessoas como critério de julgamento, condenando atos díspares. A tradição vira norma acriticamente apropriada como verdade pelo senso comum, que não lhe exige justificativas racionais. Essa normatividade baseada em crenças ratifica a dominação masculina e procede a “violência simbólica” do feminino, ao predizer o lugar aceitável, o agir e o pensar do dominado, reprimindo-o. (SIMMEL, 2006, p.21). Assim a Cultura Militar foi formada, se replica e se renova, pela relação entre cultura objetiva e subjetiva de seus membros, ganhando autonomia. Assim, análise das relações travadas nas casernas militares, pelo recorte de gênero, ante os direitos fundamentais envolvidos, mostra-se pertinente e atual. (BORDIEN, 1999, p.7; SIMMEL, 2006, p.21). O rótulo do guerreiro ainda restringe acessos a gêneros não masculinos. Ocorre que as mulheres continuam responsáveis pelas tarefas domésticas, acumulando mais papéis sociais que os homens. Vítima da tripla jornada (família, trabalho e educação), a mulher sofre para entrar e ascender profissionalmente nos mercados de trabalho. Para cumprir o regime de trabalho militar, com horários extensos e contínuos sobreavisos, além da possibilidade de transferência por interesse público, será necessário abdicar do convívio familiar. Mas esta escolha é recriminada pela sociedade, que a admite em novos papéis, mas não a libera totalmente do lar. (AMARAL; BATISTELLY, 1999, p.54; BOUDIEN, 2012, p.9-10; GIANNINI; FOLLY; LIMA, 2017, p.7-8; VIEIRA, 2009, p.1-3; ONU, 1948, p.1). Assim o papel social da mulher, na vida privada, é generalizado para toda as categorias e o veredito de condenação em razão do gênero é dado sem chances de defesas. É possível identificar no ambiene militar o "trabalho coletivo de socialização do biológico e de biologização do social produziu nos corpos e nas mentes" como fundamentação para critérios seletivos sexitas de acesso às carreiras e cargos (senso comum como rótulo), numa lógica que substitui o real nexo de causalidade por uma "arbitrária divisão" segundo as aparências biológicas contidas na "representação da realidade". (BOUDIEN, 2012, p.9-10). O gênero não é atributo de um cargo público, mas sim atitudes, conhecimentos e habilidades. Cabe aos Editais fixá-los para que, em concurso, as metas sejam cumpridas, no entanto, a fadiga física da mulher é presumida e as limitações de vagas ignoram os frágeis 62,1% dos brasileiros, os quais não praticam atividades físicas, desde os 15 anos de idade. O IBGE aponta que homens são tão sedentários quanto as mulheres (57,3% e 66,6% respectivamente), logo, o sedentarismo independente do sexo e está associado a baixos nível de instrução e renda, não a limitações biológicas. (IBGE, 2017). O psicológico é outro critério restritivo. A Escala de Instabilidade Emocional para a Segurança Pública, desenvolvida por Reis e Faiad (2014, p.87), considera complexas variantes como depressão, ansiedade, controle, irritabilidade, instabilidade emocional, neuroticismo, vulnerabilidade, ansiedade e desajustamento psicossocial. Vê-se que o gênero não é uma delas. Esses são alguns dos exemplos de como atitudes discriminatórias são herdadas e repassadas pelo grupo social, inclusive pelos indivíduos segregados. Eis a dominação tradicional eternizando o status quo da subordinação, perpetuando a manutenção da ordem sexual de dominação masculina no ambiente militar de trabalho. (BOURDIEN, 1999, p.9; KALBERG, 2010, p.70; WEBER, 1982, p.466). Assim, aferir os níveis de participação por gênero na elaboração das políticas públicas e das estratégias organizacionais; nas lideranças internas; na ocupação dos cargos de chefia; no gozo de prerrogativas e, principalmente, na construção de espaços democráticos de discurso, essenciais a um Estado de Direito, é objeto desta pesquisa. (BIROLLI, 2018; HABERMAS, 1997, p.246-247; RIBEIRO, 2017). Os regulamentos militares legitimam a dominação masculina, sob o argumento da uniformização. Violam o direito de expressão das personalidades impondo limitações na aparência pessoal, na impostação de voz, gesticulação e, até mesmo, de cirurgias de redesignação sexual. Criam rótulos de apresentação masculina e feminina e punem qualquer expressão de gênero desviante como falta disciplinar ou doença limitadora da capacidade laborativa, chegando a condenar servidores plenos e saudáveis à aposentadoria compulsória. O fenômeno é explícito como se viu em exigência editalícia de masculinidade, a candidatos de ambos os sexos, como requisito psicológico para aprovação no concurso para oficial da Polícia Militar do Paraná. (BUTLER,2003, p.104; PMPR, 2018). Além disso, há direitos decorrentes das variações de gêneros. Citam-se, além da urbanidade no trato e do repúdio às práticas discriminatórias e violentas, a necessidade de reconhecer licenças maternidade e paternidade, incluindo à adoção infantil; licenças para núpcias e luto; benefícios previdenciários; considerando todos os direitos humanos reconhecidos aos tradicionais gêneros biológicos. (BIROLLI, 2018). 2. Resultados alcançados A pesquisa levantou que: Embora nenhuma discriminação de gênero deva ser admitida em relações de trabalho, constata-se que os efetivos femininos permanecem restritos à atividades complementares e em patamares de dezenas percentuais; as instituições militares descobriram na não atualização de normas e no silêncio institucional os meios jurídicos de exigir cumprimento de regulamentos inconstitucionais; há baixa judicialização por direito fundamentais de igualdade de gênero em razão dos custos econômicos e da exposição das vidas íntimas dos servidores; percebe-se na distribuição dos postos de trabalho, padrão sexista de designar mulheres para atividades internas administrativas; não há qualquer ato que pretenda identificar e considerar o público interno de outros gêneros em necessidades básicas de infraestrutura, constituição de família; liberdade para se autodeterminar e se expressar conforme sua orientação sexual. Não há políticas institucionais promotoras da igualdade de gênero, faltando estrutura de apoio à disponibilidade da mulher. Muitas policiais militares relataram longas esperas, mesmo aptas à promoção, enquanto assistiam a antiguidade ser ignorada promovendo masculinos com menos tempo no cargo (mais modernos) por critérios de merecimentos altamente pessoais e subjetivos. Apesar da fama de trabalhadoras, competentes e úteis à Corporação. Conclusões A não formalização dessas novas condições de gêneros, das novas formas de família, da necessidade de renovação para inclusão são parte de uma estratégia maior para manutenção do “status quo” de dominação masculina, que ainda impera no ambiente militar brasileiro. A não abertura de espaços de discussão e a repressão da expressão de gênero desviante dos rótulos masculinos e femininos criados quando da admissão das mulheres nas corporações mantem os gêneros minoritários subjugados à tecnocracia masculina. Questiona-se até quando a desculpa da exceção da vida na caserna militar será utilizada para violar diariamente a igualdade entre os gêneros, enquanto seres humanos por trás de suas fardas. Referências bibliográficas BIROLI, Flávia. Gênero e Desigualdades: Limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. BIROLI, Flávia e MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e Política. São Paulo: Boitempo, 2017. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 25 Jul. 17. BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro:Civilização Brasileirta, 2003. HABERMAS, Jurgën. Direto e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. II, 1929. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Força feminina na polícia militar. Disponível em: <http://www.pmerj.rj.gov.br/2017/03/forca-femininana- policia-militar-corporacao-conta-com-4-482-mulheres/ Acesso em: 04 Ago.2018. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ. Edital n°01 – CADETE PMPR-2019. Disponível em:<http://portal.nc.ufpr.br/PortalNC/Concurso?concurso=CFO2019> Acesso em: 15 Ago. 2018. RIBEIRO, Djamila: O que é lugar de fala? Feminismos Plurais, Minas Gerais: Letramento:Justificando, 2017. SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: Indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. In DUTRA, Waltensir (trad.). Rio de Janeiro: LTC Editora, 1982.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
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Como citar

COSENZA, Ana Margareth Moreira Mendes. PERPETUÇÃO DA DOMINAÇÃO MASCULINA NA CASERNA: UM ESTUDO DE CASO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/438446-PERPETUCAO-DA-DOMINACAO-MASCULINA-NA-CASERNA--UM-ESTUDO-DE-CASO-NA-POLICIA-MILITAR-DO-ESTADO-DO-RIO-DE-JANEIRO. Acesso em: 26/06/2025

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