SAÚDE MENTAL, NECROPOLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – REFLEXÕES E RESISTÊNCIAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-131  
Título do Trabalho
SAÚDE MENTAL, NECROPOLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – REFLEXÕES E RESISTÊNCIAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL
Autores
  • Marilia Martins De Araujo Reis
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 15 - Diversidade, desigualdades e opressões no tempo presente
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437901-saude-mental-necropolitica-e-direitos-humanos--reflexoes-e-resistencias-no-contexto-da-politica-de-saude-mental
ISSN
Palavras-Chave
SAÚDE MENTAL; NECROPOLÍTICA; DIREITOS HUMANOS; MOVIMENTOS SOCIAIS
Resumo
Introdução O presente trabalho apresenta uma breve reflexão sobre a situação nefasta que acomete a política de Saúde Mental no Brasil, com as transformações iniciadas em 2016, e posteriormente em especial, a partir da publicação da Nota Técnica nº 11/2019 de 04 de fevereiro de 2019 (MS, 2019), de caráter necropolítico neste âmbito. Tal documento confirma a volta dos hospitais psiquiátricos, denotando o caráter violador de direitos humanos, uma vez que legitima o retorno de uma página obscura da História da Saúde Mental no país, ao propor o cuidado de pessoas com transtornos mentais com a privação da liberdade. Tais mudanças representam retrocessos nesta política pública, permeado pelas contradições apresentadas em relação aos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira, base da Rede de Atenção Psicossocial. Para este trabalho, realizou-se sucinta pesquisa bibliográfica na temática proposta, enfatizando sua relevância tanto pela problematização da atualidade, quanto pelo caráter de resistência, através de movimentos sociais de militância na Luta Antimanicomial, que lutam a favor de uma minoria excluída pelo preconceito, que não desfruta de espaços privilegiados de fala no contexto cultural brasileiro. 1. Fundamentação teórica Segundo Foucault (1975) a sociedade não quer se reconhecer no dito “doente mental” e assim, o exclui a partir do próprio diagnóstico, perseguindo-o e o aprisionando. Deste modo, tudo é uma questão de poder, de dominar o poder do louco, como afirma o autor. Hierarquias legitimadas exercem seu poder opressivo e ocultam conflitos subjetivos e coletivos ao excluir intramuros. Os hospitais psiquiátricos representaram no Brasil a expressão deste domínio opressor, uma página mórbida de ocultação do indesejável, originalmente aprisionando não somente pessoas com transtornos mentais, mas os “diferentes” e os que não se adaptavam à normas sociais e aos bons costumes. Amarante (1998) afirma que os manicômios inauguraram a institucionalização da loucura pela medicina, atribuindo ao louco a representação da periculosidade e do risco. A Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001 (BRASIL, 2001), popularmente conhecida como a Lei Paulo Delgado, que dispôs sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, transformou o modelo de cuidado em saúde mental no Brasil, marco da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), defendendo o cuidado em liberdade, comunitário e inclusivo. Dezoito anos depois, ao completar a Lei a “maioridade”, o Governo Federal publica a Nota Técnica nº 11/2019 de 04 de fevereiro de 2019 (MS, 2019), esclarece as mudanças na política de Saúde Mental e estabelece novas diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, incentivando financeiramente os hospitais psiquiátricos e Comunidades Terapêuticas, em um paradigma contraditório com a RPB, ao retroceder adotando cuidados privativos da liberdade. Além disto, retoma tratamentos invasivos, como a Eletroconvulsoterapia (“eletrochoque”), atribuindo-lhes qualidades questionáveis. Tais retrocessos no cenário da Saúde Mental expressam o teor necropolítico vigente nestas propostas “retrogradas atuais” e também no passado próximo, retratado pelo documentário e livro “Holocausto brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex (2013), que descreve a vida e o genocídio de 60 mil pessoas mortas no maior manicômio do Brasil, o hospital Colônia, em Barbacena-MG. Os testemunhos apresentavam diversos motivos para as internações e aprisionamentos, dos quais inúmeros configuraram-se como “prisões”, em uma espécie de “penalidade perpétua”, condenando à morte 60 mil pessoas. A atuação dos hospitais psiquiátricos, enquanto instituições totais, pode ser relacionada aos conceitos de biopolítica e biopoder de Foucault (1999). Observa-se que a biopolítica, afirmada pela cultura, massifica os indivíduos, controlando seus corpos e o biopoder, é constituído através de dispositivos de intervenção sobre os processos vitais, associando dispositivos disciplinares e mecanismos de segurança (FOUCAULT, 1999). Os manicômios podem constituir-se então, em espaços de controle e silenciamento. Convergindo estes conceitos, Mbembe (2018) concebe a necropolítica, apontando que a expressão máxima da soberania está em grande proporção, no poder e na capacidade de decidir quem deve morrer e quem pode viver, o que reflete o atual sistema capitalista, no qual a distribuição da oportunidade de viver e morrer é desigual. Historicamente, observa-se que as pessoas com transtornos mentais no contexto manicomial, foram fadadas à ação necropolítica do Estado, que na atualidade se remonta como retrocesso na política de saúde mental do país. Vasconcelos (2012) apud Reis (2021) expressa sua inquietação frente aos movimentos sociais de resistência e luta no âmbito antimanicomial, alertando para a necessidade de que eles se transformem, para não se fragmentarem e dispersarem. Frente ao enfraquecimento da saúde mental no Brasil, o autor reporta a perda de espaço e poder de ação, em vista da privatização, terceirização e precarização das relações de trabalho, com profissionais mais jovens, menos politizados, sem informações sobre a História da Saúde Mental no Brasil e sem contato com a geração anterior. 2. Resultados alcançados O estudo denotou que os corpos confinados pelo Estado, estigmatizados e afastados da sua humanidade e por fim, mortos, podem não ser apenas parte de uma história passada da Saúde Mental brasileira. Circunscreve-se hoje um retrocesso que aponta para ameaças afirmadas pela Nota Técnica nº 11/2019 de 04 de fevereiro de 2019 (MS, 2019), legitimando o retorno dos manicômios e das comunidades terapêuticas, abrindo portas para reprises de violências e morte de pessoas com transtornos mentais. Tal ameaça remonta a função social e psíquica do louco na sociedade, apontada por Foucault (1975), na recusa de reconhecer-se no louco, ao retomar os meios de aprisionamento através dos hospitais psiquiátricos. Problematizando a questão, acrescenta-se que o sistema capitalista, nada ingênuo diante deste quadro, tratou de transformar em lucro e “propriedade privada”, os indivíduos que ao seu ver, nada produzem e somente demandam custos ao Estado, uma vez que se encontram tutelados. Construir hospitais é uma oportunidade de fazê-los gerar lucros para o Estado e já enriquecido empresariado hospitalar e farmacêutico. Apoiando-se no conceito de Mbembe (2018), o teor necropolítico deste retrocesso torna-se claro ao repaginar a História da Saúde Mental no Brasil, com os milhares de mortes documentadas no livro de Arbex (2013), e certamente ilustradas nos muitos outros manicômios espalhados no Brasil, explicitando a desumanização atual desta política pública, que se torna política de governo, ao servir os interesses do capital. Mais uma vez, corre-se o risco de quem está no poder, decidir quem pode viver e quem deve morrer, principiando com o assassinato da liberdade dos sujeitos com transtornos mentais e do cuidado comunitário e inclusivo. Os movimentos sociais antimanicomiais ressurgem atualmente com o papel de resistência e luta, mas também de aprendizagem para uma nova geração que não conheceu “ao vivo”, as cores e as dores dos manicômios, naturalizados no passado e reinseridos no hoje. Autores, como Vasconcelos (2012) constatam hoje seus receios, mas aposta-se na vontade política como caminho de resistência e retomada da luta por uma sociedade sem manicômios. Conclusões É preciso resistir, fortalecer os movimentos sociais de direitos humanos, o MNLA, uma vez que as pessoas com transtornos mentais, tutelados, tem sua fala agenciada por profissionais, familiares e simpatizantes, que em sua defesa, resistem ao retorno dos citados retrocessos. Aprisionar não produziu cura, mas morte, como documentado por Arbex (2013). Vale refletir sobre que política de Saúde Mental se quer construir a partir destas resistências, mobilizando esta nova geração. É preciso repensar em alternativas para confrontar a política manicomial e fortalecer as novas modalidades de cuidado em liberdade, o que aponta para a necessidade de que a sociedade e seus atores aprendam a lidar com seus próprios conflitos, sem fugas, projeções ou subterfúgios, silenciando e negando-se a ver sua própria loucura com o aprisionamento de pessoas com transtornos mentais, como abordado por Foucault. A necropolítica neste âmbito, pode ser revertida se houver vontade política dos profissionais e cidadãos comprometidos com os direitos humanos, com a cidadania e com o cuidado humanizado do dito “louco”, também cidadão de direitos, sujeito à vulnerabilidades e preconceitos da cultura vigente. Referências bibliográficas AMARANTE, Paulo (Coord.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 1998. 132 p. ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. 1. ed. – São Paulo: Geração Editorial, 2013. FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. 99 p. MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2018. MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Nota Técnica N ?11/2019 de 04 de fevereiro de 2019 - GMAD/DAPES/SAS/MS. Brasília. 2019. Disponível em: http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf Acesso em: 05/ 04/ 2019. VASCONCELOS, Eduardo Mourão. Impasses políticos atuais do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA) e propostas de enfrentamento: se não nos transformarmos, o risco é a fragmentação e a dispersão política! Cad. Bras. Saúde Mental, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 57-67, jan./jun. 2012.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
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Como citar

REIS, Marilia Martins De Araujo. SAÚDE MENTAL, NECROPOLÍTICA E DIREITOS HUMANOS – REFLEXÕES E RESISTÊNCIAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437901-SAUDE-MENTAL-NECROPOLITICA-E-DIREITOS-HUMANOS--REFLEXOES-E-RESISTENCIAS-NO-CONTEXTO-DA-POLITICA-DE-SAUDE-MENTAL. Acesso em: 04/09/2025

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