PRA QUE SERVEM AS MULHERES? PERSPECTIVAS SOBRE DIREITOS REPRODUTIVOS A PARTIR DA OBRA "AS HORAS VERMELHAS", DE LENI ZUMAS

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
PRA QUE SERVEM AS MULHERES? PERSPECTIVAS SOBRE DIREITOS REPRODUTIVOS A PARTIR DA OBRA "AS HORAS VERMELHAS", DE LENI ZUMAS
Autores
  • Maryanne Maia Vilasboas
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 22 - Estudos de gênero, feminismos e interdisciplinaridade.
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437856-pra-que-servem-as-mulheres-perspectivas-sobre-direitos-reprodutivos-a-partir-da-obra-as-horas-vermelhas-de-le
ISSN
Palavras-Chave
direitos reprodutivos, gênero, distopia
Resumo
Introdução O presente estudo visa analisar direitos reprodutivos femininos e suas implicações sociais, evidenciando os padrões de comportamento impostos pela sociedade patriarcal, decorrentes de violência simbólica de gênero. De igual modo, traremos reflexões acerca das representações femininas que aparecem na obra “As Horas Vermelhas”, da autora Leni Zumas e as questões relativas aos direitos reprodutivos, bem como as formas de atuação dos dispositivos que regulam os corpos femininos, relacionando acontecimentos presentes na ficção e fatos vivenciados no cotidiano. A temática justifica-se pela necessidade sempre atual e urgente de refletirmos sobre as especificidades do gênero feminino e todas as nuances decorrentes dessa condição, haja vista a corriqueira negação de direitos já instituídos e dificuldade de reconhecimento de demandas necessárias à plena vivência de nossos direitos reprodutivos. O trabalho subdivide-se em dois tópicos, o primeiro, “Pra que servem as mulheres?”, traz uma análise geral sobre a visão do papel feminino no decorrer da formação de nossa sociedade e o segundo, “Horas Vermelhas”, trata das representações femininas na obra objeto deste estudo. 1. Fundamentação teórica Os direitos sexuais e reprodutivos femininos foram implementados no Brasil a partir do advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu direitos sociais e direitos reprodutivos de mulheres e minorias sexuais, conforme Carrara e Vianna (2008). Direitos sexuais e reprodutivos integram os direitos humanos fundamentais e, segundo Lemos (2014, p. 244), “abrangem o exercício da vivência da sexualidade sem constrangimento, da maternidade voluntária e da contracepção auto decidida”. Por se tratarem de direitos humanos, possuem a mesma importância que os direitos sociais e econômicos, pois a sexualidade, a reprodução e a saúde integram as necessidades humanas básicas, conforme entendimento de Petchesky (2000). Bourdieu (2002) esclarece que a divisão sexual determina para as mulheres ações que são constituídas dentro do lar, trabalhos privados e invisíveis, fora da estrutura de poder externa. Assim, ocorre a instauração de virtudes sempre negativas e um processo de moral imposto, que estabelece a submissão e a repressão perante o feminino. O entendimento de Pateman (1993), é que existe um contrato original preestabelecido que sustenta as relações sociais e a ordem patriarcal, já que trata-se de um pacto social-sexual. Para a autora, esse contrato regula inclusive os direitos políticos, ao passo que se legitima pelo poder que os homens exercem sobre as mulheres e ocasiona o baixo número de mulheres inseridas no campo político pois, segundo essa ordem, a elas era designado o ambiente “interno”, residencial e aos homens o “externo”, que seria a vida pública e o envolvimento político. No mesmo sentido, Swain (2000) alerta para a instituição de um sistema sexo/gênero baseado nas relações de poder. A autora explica que a noção de diferença entre o masculino e o feminino foi construída historicamente, gerando uma divisão binária da sociedade segundo o sexo, que delineia a atribuição de lugares sociais. Dessa forma, são delimitados espaços sexuados de ação e poder, o público e o privado denotam domínios de exclusão ou de pertencimento. 2. Resultados alcançados A obra objeto deste estudo é um romance da escritora norte americana Leni Zumas, publicado em 2018, cuja trama se desenvolve em uma pequena cidade pesqueira do Oregon e retrata uma sociedade que foi surpreendida pela edição de uma emenda constitucional que determina circunstâncias relativas a direitos reprodutivos femininos, tais quais a (re)instituição do aborto como crime nos Estados Unidos, a proibição de fertilização in vitro e a concessão de direitos de vida, liberdade e propriedade a embriões. O enredo é centrado em quatro personagens femininas que têm suas vidas entrelaçadas pelas implicações das novas previsões legislativas, às quais a autora estabelece alcunhas: a reparadora, a biógrafa, a filha e a esposa. As vidas das personagens se entrelaçam por residirem na mesma cidade e redondezas mas, principalmente por estarem todas sujeitas às novas leis que passarão a vigorar em breve e estabelecem limitações aos direitos reprodutivos femininos. O movimento feminista ocidental/europeu de segunda onda buscava viabilizar questionamentos acerca da heterossexualidade normativa, reivindicação de direitos como aborto, defesa da maternidade como opção e não imposição, evidenciar que a educação sexista desencadeia e estrutura as diversas formas de violência contra a mulher, conforme esclarece Gurgel (2010). Em decorrência de uma formação social machista e misógina, baseada em divisão sexual, de modo que as mulheres não possam ocupar os mesmos espaços que os homens, podemos evidenciar alguns papéis sociais que são determinados a cada grupo. Nesse sentido, Swain (2000, p. 47) afirma que “a representação social do ser humano investe os corpos e os define por um sexo biológico, dando-lhes um lugar e funções - esposa e mãe para as mulheres - segundo valores determinados pelas significações do social”. As instituições sociais - Igreja, Escola, Família e Estado - reproduzem essa ordem patriarcal culturalmente difundida, de modo a disseminar entendimentos, práticas e discursos que acabam por definir a maternidade como representação da “verdadeira mulher”, termo utilizado por Swain (2000) para argumentar que a reprodução adquire uma significação, um valor que marca o feminino nas representações sociais. Nessa seara, Alves e Assunção (2019) elucidam que, historicamente, o cristianismo dissemina a visão da maternidade como característica inata às mulheres, enquanto utilizam da figura de Maria para promover uma sacralização do corpo feminino a partir da ideia de obediência e doçura e de alcance de uma plenitude espiritual com o exercício da maternidade. Convém mencionar o arquétipo feminino representado por Maria em oposição a Eva. Maria representa a feminilidade desejada, a submissão, a pureza, é imaculada, enquanto Eva representa o pecado, a desobediência, o desvio e sofre a consequência de ser expulsa do “paraíso” devido a seu comportamento inaceitável. Tal representação remete à negação de autonomia à mulher, proibição de desejo. Essa percepção ainda não foi superada em nossa sociedade, o exercício da maternidade ainda é visto por muitas pessoas como uma realização que toda mulher deve almejar e, ainda que já tenhamos avançado muito com as conquistas do movimento feminista e da luta de mulheres, parcela conservadora ainda considera que essa “realização feminina” está diretamente relacionada ao casamento e à heterossexualidade. A par das discussões apresentadas, temos a sociedade retratada na obra “As Horas Vermelhas”, em que foi instituída a Emenda da Pessoalidade, documento ratificado pelo Congresso dos Estados Unidos, que estabeleceu o direito constitucional à vida, à liberdade e à propriedade a um óvulo fertilizado no momento da concepção. Desse modo, o aborto passa a ser ilegal em todo o território nacional, portanto, os facilitadores de aborto podem responder por homicídio doloso, e as mulheres que o procurarem, por conspiração para a prática de homicídio. A fertilização in vitro também foi banida em nível federal, porque a emenda proíbe a transferência dos embriões do laboratório para o útero, pois considera que os embriões não podem consentir com a mudança. Além da Emenda da Pessoalidade, o novo presidente também foi responsável pela Lei de Ordem Pública 116-72, conhecida como “Toda Criança Precisa de Dois”, que pretende “restituir a dignidade, força e prosperidade às famílias americanas” e estipula que pessoas não casadas ficarão proibidas de adotar, tornando necessária a apresentação de certidões de casamento válidas, além da aprovação dada por uma agência federal. Transações privadas também serão criminalizadas. As personagens estão inseridas em uma sociedade que elegeu um presidente que culpabiliza mulheres que sofrem abortos espontâneos, o que nos leva à compreensão de que a sociedade retratada na obra é distópica. Uma distopia é caracterizada como uma utopia negativa, manifesta-se através de uma insatisfação com o presente, uma crítica do presente, desenvolvida por meio de debates contemporâneos e identificada em uma sociedade, um tempo ou um lugar em que se evidenciam imagens/representações de uma sociedade pior. A obra retrata situações em que os direitos reprodutivos femininos são anulados e evidencia o sentimento de angústia das personagens, de pertencerem a uma sociedade que compactua com a perda de direitos antes consolidados. Conclusões As configurações sociais apontadas acerca da obra nos fazem concluir que trata-se de uma representação distópica, haja vista que a partir da nova legislação instituída é possível visualizar uma sociedade anterior em que as mulheres tinham seus direitos reprodutivos e de maternidade resguardados, o que incute a ideia de que em um momento anterior, a vida dessas mulheres foi mais fácil, resgatando do imaginário uma utopia que se configura pelo desejo de retorno a esses tempos mais justos, em que as mulheres possuíam direitos e autonomia sobre seus corpos. Referências bibliográficas PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993. SWAIN, Tânia Navarro. A invenção do corpo feminino ou “a hora e a vez do nomadismo identitário?” Feminismos: Teorias e Perspectivas In Textos de História, v. 8, n° 1/2, 2000. ZUMAS, Leni. As horas vermelhas: para que servem as mulheres?. tradução: Isa Prospero. - São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

VILASBOAS, Maryanne Maia. PRA QUE SERVEM AS MULHERES? PERSPECTIVAS SOBRE DIREITOS REPRODUTIVOS A PARTIR DA OBRA "AS HORAS VERMELHAS", DE LENI ZUMAS.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437856-PRA-QUE-SERVEM-AS-MULHERES-PERSPECTIVAS-SOBRE-DIREITOS-REPRODUTIVOS-A-PARTIR-DA-OBRA-AS-HORAS-VERMELHAS-DE-LE. Acesso em: 15/05/2025

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