QUANDO A NEGRADA QUER SENTAR NA MESA: REFLEXÕES SOBRE A BRANQUITUDE PSEUDO-CRÍTICA

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
QUANDO A NEGRADA QUER SENTAR NA MESA: REFLEXÕES SOBRE A BRANQUITUDE PSEUDO-CRÍTICA
Autores
  • Paulo Henrique Antonio Lima
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 15 - Diversidade, desigualdades e opressões no tempo presente
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437771-quando-a-negrada-quer-sentar-na-mesa--reflexoes-sobre-a-branquitude-pseudo-critica
ISSN
Palavras-Chave
Racismo; pseudo-criticidade; materialização dos discursos; Direitos Humanos; Branquitude.
Resumo
Paulo Henrique Lima Advogado; Mestrando em Direito Penal pela UERJ; Pós-Graduando em Direito Digital pelo ITS/CEPED/UERJ; Pós-Graduando em Criminologia e Direito Penal pelo INTROCRIM; Graduando em Segurança Pública pela UFF paulolima@paeslemeramos.com INTRODUÇÃO: Neste breve ensaio pretendo refletir sobre as atividades exercidas pela branquitude quando se apresenta na defesa de pautas diretamente associadas ao povo preto. Demonstro que sempre houve um limite não ultrapassado pela atuação de grande parte dos brancos: nos defendem, mas nos querem como “tema” e não como “vida” (RAMOS,1995,p.187). Por essa razão, a partir do estudo dos Pactos Narcísicos da Branquitude (BENTO, 2002) e (GONZÁLES, 2020), percebo que o preto, mesmo sendo citado em muitos discursos “pseudo-críticos” não tem sua presença considerada como elemento necessário, nas narrativas que supostamente o defendem. FUNDAMENTAÇÃOTEÓRICAEPRÉ-RESULTADOS: Não é de hoje que o movimento preto enfrenta o mito dos brancos e brancas salvadores. Essa “função” – de salvador(a), embora tenha uma nítida origem liberal é exercida por uma grande parcela de indivíduos e grupos que se organizam sob a batuta do marxismo ou de outras teorias críticas. Por entender que não são coerentes com as teorias que sustentam, os qualifico como “branquitude pseudo-crítica”. Assim como “sereias”, esses grupos e indivíduos possuem belos discursos pautados por profunda criticidade, “horizontalidade” e “desconstrução”. Mas todo esse belo cântico possui um objetivo claro de seduzir sua vítima, para leva-la para o fundo do mar, afoga-la e devorá-la. Beatriz Nascimento (2021, p.45) adverte que “devemos fazer a nossa história”, pois, “a história da raça negra ainda está por fazer, dentro de uma história do Brasil ainda a ser feita”. Esta lição também foi registrada no samba da mangueira de 2019, que conta “a história que a história não conta”. Clóvis Moura (1988, p. 220-221) nos ensina que a partir de 1851 o movimento abolicionista no Brasil surge no seio da branquitude, entre os intelectuais e membros das elites, mas, como destaca o autor a luta pela abolição da escravidão no Brasil já existia desde o início do regime escravagista. Onde houve escravidão, houve rebelião. Seja pela quilombagem ou através de outras formas de resistência individual dos escravizados (suicídios, abortos, envenenamento de senhores, destruição de maquinário, etc), a análise histórica e social apresentada por Moura nos revela que foi a resistência preta protagonizada pelos próprios escravos que deu a sustentação e condições materiais para a superação do escravismo se tornar efetivamente uma possibilidade. Porém, a história contada nos livros escolares sempre nos ensinou que o papel do escravo teria sido de mero coadjuvante, tendo pouco influenciado nos processos que o libertaram. O que aprendemos é uma história envesada pelo colonizador que apresenta os brancos como protagonistas do fim da escravidão e a princesa Isabel, representante de uma monarquia falida, como heroína de todo este processo. É sintomático que a mesma monarquia que nos escravizou, foi aquela que subtraiu para si os louros do fim da escravidão. Isso porque, seja na direita ou na esquerda, a pauta racial continua sendo “tema” de grande disputa entre os brancos, que alimenta novos “fleches”, “curtidas” e “seguidores”, mas não exige a efetiva presença de pessoas pretas como consideravelmente ocorre com questões de gênero. No meio jurídico, um evento que discuta aborto, violência doméstica, estupro, etc, provavelmente terá a presença de mulheres. Caso isso não ocorra, mesmo que os palestrantes sejam homens amplamente qualificados, muito provavelmente haverá algum nível de “constrangimento coletivo”, inclusive, provavelmente, muitos deles não participariam seja pelo comprometimento com pautas feministas, seja por mero oportunismo e temor às críticas. Mas se o “tema” muda, agora sendo seletividade penal, cárcere, genocídio, violência policial, reconhecimento fotográfico, etc... esse incômodo desaparece. E aqui, parte das mulheres brancas que exigiam que homens levantassem da mesa de eventos que não tivessem igualdade de gênero, estrategicamente se silenciam. O exemplo histórico dos abolicionistas brancos e a referência aos pseudo-críticos do presente, possui uma única matriz, qual seja, o pacto narcísico que mantém a branquitude em destaque, garantindo que os pretos fiquem longe da festa promovida pela“gente fina, educada, viajada” que sabe mais de nós do que nós mesmo (como narra a epígrafe de Lélia). É claro que nenhum deste doutos intelectuais acredita na meritocracia, muito pelo contrário, por isso o lugar da plateia (no fundo, bem lá no fundo) sempre tem uma vaguinha para um preto comportado. Com máxima vênia, o que os nobres “desconstruídos” não que revelam é que no passado e no presente a branquitude continua se projetando como salvadora de problemas que ela mesmo criou. É um verdadeiro “pacto narcísico da branquitude” que Maria Aparecida Silva Bento (2002, p. 7) qualifica como uma negação, um silenciamento coletivo entre os brancos que naturalizam a ausência de pretos em espaços sociais de poder, promovendo a manutenção dos privilégios herdados pelos brancos. A partir desta caracterização e da leitura de outras obras de autoras e autores que dão centralidade à questão racial como Lélia Gonzales, Franz Fanon, Guerreiro Ramos, Abdias Nascimento, Joel Rufino dos Santos, Vera Malaguti Batista, Thula Pires, Ana Flauzina, Angela Davis, Livia Vaz, Grada Kilomba, Luciano Góes, entre outra(o)s, percebo que a dominação colonial que forja as bases de parte da academia e da esquerda brasileira ainda é “enlatada”, e desenvolvida para proteger as posições de poder ocupadas pela branquitude. Diante deste cenário é possível concluir que a branquitude pseudo-crítica, apesar de denunciar algumas faces do racismo tem convivido com o racismo institucional. Com uma mão nos trouxeram a doença e com a outra nos vendem o remédio, mas se negam e entregar a fórmula do medicamento. Por isso, neste breve ensaio pretendo questionar, qual o efetivo compromisso que os brancos críticos possuem com nossas pautas? Evidentemente muitas pessoas brancas foram e são nossas aliadas na luta contra o racismo, militando concretamente em direção da emancipação que se defende neste ensaio. Colocando-se como “megafones” dos que lutam (MAGNO, 2021). Portanto, essas reflexões não pretendem criticar “todos” os brancos como se fossem iguais. Mas sim, aqueles que não seguem a lição maior do pensamento de Marx e Engels, que nos ensinam que a “prática é o critério da verdade”. Os destinatários destas críticas, são partidos políticos e parlamentares que, em regra, votam a favor das cotas em concursos públicos, por mais direitos para a população pobre etc... Intelectuais que nutrem profundo interesse por pautas raciais. Advogados, Médicos, Engenheiros, Empresários, brancos que ocupam variadas posições de poder e que se reconhecem como “defensores dos direitos humanos”, mas que não reproduzem essas “bandeiras” nos espaços de poder que ocupam. Em outras palavras, o branco critica o outro branco por ser racista, mas ignora seu próprio racismo, na medida em que não contribui com a efetiva emancipação dos pretos. E aqui vale uma ressalva. Não são apenas “teóricos”, muitos efetivamente estão “na rua” marchando ao lado dos pretos contra o genocídio, o cárcere, a fome. São brancos radicais na luta pela reparação histórica, que entendem a necessidade de cobrar de outros brancos e do próprio estado o respeito e a valorização da pauta racial. Por isso, quando falo em ausência de materialização dos discursos, me refiro, sobretudo, aos processos subjetivos que são ignorados no dia-a-dia deste branco. Trata-se da ausência de concretização de ações antirracista que tenham o escopo de empretecer os espaços de poder ocupado pelo branco pseudo-crítico. Tenho certeza que essas e outras indagações da mesma natureza não são novidades para a branquitude, muito pelo contrário, são questões denunciadas por intelectuais do Movimento Preto há décadas no Brasil. Por que os brancos não se sentem constrangidos com tamanha falta de coerência? Acredito que a resposta para essa indagação é dolorosa para os brancos salvadores, mas não afetará em nada os que colaboram de forma séria com as pautas raciais, pois, aponta para um caminho que vincula a promoção de pautas raciais com a necessidade de reposicionar as vítimas do racismo no tabuleiro da luta. Referências: DICRÓ. Cabide de Emprego, Álbum Dicró no piscinão. 2002. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ewF0HEWtNdA&t=3s Acesso em 27.out.2021. BENTO, Maria Aparecida Silva. PACTOS NARCÍSICOS NO RACISMO: Branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público. Tese (doutorado) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade. Orientadora Iray Carone. São Paulo. 2002. GONZALES, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Org. Flávia Rios; Márcia Lima. – 1ª ed. Ri de Janeiro: Zahar, 2020. MAGNO, Patrícia. Megafone de lutas. 2021. Disponível em: Disponível em https://www.facebook.com/Patricia.Magno.Estudos.Juridicos/videos/401867494751963 Acesso em 27.out.2021. [MANGUEIRA, 2019]. DOMÊNICO, Deivid; MIRANDA, Tomaz; MAMA; BOLA, Marcio; OLIVEIRA, Ronie; FIRMINO, Danilo. Samba-enredo da Mangueira em 2019 fará homenagem a Marielle Franco. Canal Poder 360. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7SObzDOug_A Acesso em: 27.out.2021 MESTRE TONY VARGAS. Dona Isabel. 2019. Postado pelo canal 7&7 Escola de Curimba. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-6TeZY9UVOc Acesso em: 02.out.2021. MOURA, Clóvis. Sociologia do Negros Brasileiro. editora Ática, São Paulo. 1988. NASCIMENTO, Beatriz. Uma história feita por mãos negras: Relações raciais, quilombo e movimentos. Org. Alex Ratts. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2021. RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 1995.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

LIMA, Paulo Henrique Antonio. QUANDO A NEGRADA QUER SENTAR NA MESA: REFLEXÕES SOBRE A BRANQUITUDE PSEUDO-CRÍTICA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437771-QUANDO-A-NEGRADA-QUER-SENTAR-NA-MESA--REFLEXOES-SOBRE-A-BRANQUITUDE-PSEUDO-CRITICA. Acesso em: 02/06/2025

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