REVITIMIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO : UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO CASO MARI FERRER

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
REVITIMIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO : UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO CASO MARI FERRER
Autores
  • Franciele Regina Demarchi
  • NATALIA REGINA OLIVEIRA SANTOS
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 03 - Gênero, Violências, Cultura – Interseccionalidade e(m) Direitos Humanos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437755-revitimizacao-como-principio---uma-analise-da-violencia-institucional-no-caso-mari-ferrer
ISSN
Palavras-Chave
Revitimização, Sistema de Justiça Criminal, estupro, violência institucional
Resumo
REVITIMIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO : UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO CASO MARI FERRER Franciele Regina Demarchi Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Condição Humana da Universidade Federal de São Carlos franciele.demarchi@estudante.ufscar.br Natália Regina Oliveira Santos Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Condição Humana da Universidade Federal de São Carlos nataliaros@estudante.ufscar.br INTRODUÇÃO Esse estudo pretende fazer uma análise crítica de um episódio de violência sistêmica e institucional dentro do Sistema de Justiça de Criminal no enfrentamento da violência contra a mulher. A proposta se apresenta a partir da divulgação da audiência criminal realizada por videochamada e veiculada pelo site The Intercept Brasil. Mariana Ferrer - influenciadora digital – foi vítima de estupro em 2018 durante uma festa noturna, em Florianópolis. Durante a gravação da audiência, o Magistrado e Advogado do réu tecem comentários sobre a moralidade sexual da vítima e seu comportamento durante o seu depoimento. As Instituições do Sistema de Justiça Criminal desempenham papel fundamental no sentido de regular e delimitar as ações dentro de uma ordem legal. Tais Instituições, como no caso referenciado, obedecem a um conjunto de normatizações para alcance de uma tutela. Muito embora, no cotidiano, esbarrem em práticas institucionais que retiram a subjetividade da vítima e afunilam as desigualdades sociais, principalmente de grupos que se encontram socialmente marginalizados (GREGORI, 2006; SAFFIOTI, 1995). Qual seria a raiz das práticas institucionais que escancaram a revitimização sofrida pela vítima e noticiada pela imprensa? Neste sentido, pretendemos examinar, em uma abordagem qualitativa, utilizando a pesquisa bibliográfica e análise documental, quais são os elementos que atravessam os agentes públicos que pertencem aos quadros do Sistema de Justiça. Bem como de que forma o institucionalismo contrasta com a efetividade de políticas públicas voltadas no enfrentamento da violência contra mulher. 1. Fundamentação teórica Para a redação deste artigo, em uma proposta de análise interdisciplinar de poder, utilizamos referenciais teóricos dos Estudos de Gênero, da Criminologia Feminista, do Construcionismo Social e dos Estudos das Instituições de Justiça. Assim, em uma análise preliminar das relações sociais de poder, em que os homens desfrutam de condições de privilégio em detrimento das mulheres, entendemos que há processos de naturalização das relações desiguais entre homens e mulheres, as quais concebem a ordem social como uma “máquina simbólica” que ratifica a dominação masculina. Assim, a visão androcêntrica se impõe como universal, e não necessita de qualquer discurso para legitimá-la (BOURDIEU, 2020); o masculino é neutro e inquestionado. Retomamos a Criminologia contemporânea como um campo relevante para este texto. Essa ciência social é responsável pela investigação de objetos como o “crime”, o “criminoso”, a “vítima”, e processos - oficiais e extra oficiais - de “reação social” ao crime (BRAGA, 2014). Já a denominada Criminologia Feminista colabora para a “centralização” da perspectiva crítica da “mulher” nas investigações desta natureza (CAMPOS; CARVALHO, 2011). Partimos da perspectiva de que há um poder vertical que incide entre dominantes e dominados e se consolida como uma via punitiva do Sistema de Justiça, que apenas o legitima enquanto instituto sexista, classista e racista (ANDRADE, 1999). Dessa forma, também partimos do conceito de violência institucional ou “revitimização” (MANZANARES; TARRÍO; SALGADO, 2011) para compreender as práticas discursivas que reforçam processos de controle e dominação social. E por fim, pensando na prestação do serviço público, o Poder Judiciário enfrenta uma crescente demanda de ações judiciais, que reflete num excesso de burocratização, e consequentemente, afeta a celeridade processual (DAMACENO, 2011). Assim, pretendemos dialogar com os estudos de Max Weber, a partir da Sociologia da Burocracia, para compreensão das práticas procedimentais dentro do contexto judiciário. 2. Hipóteses e resultados preliminares alcançados Explicitados alguns dos referenciais teóricos, apresentamos algumas hipóteses sobre o campo. Procuramos entender: a) como o lugar de autoridade ocupado pelos operadores do Direito ressignifica as relações de gênero; b) de que forma a violência institucional enfraquece a percepção da legitimidade dos mecanismos de enfrentamento à violência doméstica; e c) como as redes sociais têm sido uma importante via de atuação, articulação e contestação para o movimento feminista na atualidade. Como parte dos resultados preliminares alcançados, entendemos que a realidade da violência de gênero é interpretada pelas instâncias formais de controle de forma a promover processos de “revitimização”. Isso ocorre, muitas vezes, ao moralizar características que, sequer, se relacionam às condutas que ensejaram o processo criminal. Como verificado com Mariana Ferrer, durante a audiência houve a exposição de imagens de suas redes sociais e de trabalhos realizados como modelo - que nada se relacionam com o caso. O advogado do réu, ainda sobre as fotos, afirmou que Mariana aparece em “posições ginecológicas”, o que configura uma evidente violência moral. Parece-nos, neste sentido, que há uma polarização do processo, em que vítima e seus representantes são postos como rivais em relação ao réu, em que o ganho de um representa necessariamente a “ruína” do outro, e não apenas a derrota. Ambos são entendidos enquanto inimigos buscando vingança, e neste universo também se incluem os advogados de cada parte. Entretanto, é nesse momento em que a atuação do Magistrado foi inadequada e perversa considerando o lugar de autoridade que ocupa: Mariana solicitou diversas vezes que os presentes a tratassem com respeito, tanto o advogado do réu, como o juiz, que em momento algum reprovou o comportamento indecoroso da parte contrária. Assim, relembramos que, apesar da vítima ser a maior parte interessada no processo, ela é também a mais esquecida. Seus interesses são ignorados e cabe a ela, com frequência, precisar relatar e vivenciar todas as violências sofridas, além de apresentar provas que validem seu testemunho. Com a violência institucional, essa mulher sofre uma vitimização secundária, ao encontrar barreiras de costumes e práticas reiteradas que produzem mais danos ao invés de repará-los. Conclusões A partir da análise proposta, não podemos ignorar que o Sistema de Justiça Criminal opera de forma “seletiva”, visto que a forma dispensada à Mariana Ferrer pelos Magistrados durante a audiência demonstra, como as Instituições Jurídicas reafirmam a cultura punitiva. Além disso, a demonstração clara de que outras estruturas como gênero, sexualidade, classe e raça, por exemplo, podem nos dizer mais sobre a punição do que o próprio dispositivo normativo penal. Dessa forma, homens têm o respaldo de outros para agredir verbalmente, objetificar, sexualizar, estuprar e controlar os corpos e expressões das mulheres sem que haja qualquer tipo de prejuízo ou responsabilização – tanto na esfera social, como pela jurídica Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina: a condição feminina e a violência simbólica. Tradução de Maria Helena Kühner. 18.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020. 207p. CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo. Tensões Atuais entre a Criminologia Feminista e a Criminologia Crítica: a experiência brasileira. In: Campos, Carmen Hein de. (Org.) Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. DAMACENO, Ludmila Barros. O modelo burocrático e a gestão judiciária: caminhos para a celeridade processual. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas. Vitória da Conquista-BA. n.11 p. 11-27. 2011 MORATO, A. C.; SANTOS, C.; RAMOS, M. E. C.; LIMA, S. C. C. Análise da relação sistema de justiça criminal e violência doméstica contra a mulher: a perspectiva de mulheres em situação de violência e dos profissionais responsáveis por seu acompanhamento. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2009. SAFFIOTI, Heleith L. B. “Estado e Políticas Públicas.” SAFFIOTI, Heleith L. B. e Suely S. ALMEIDA. Violência de Gênero: Poder e Impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995. 218.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

DEMARCHI, Franciele Regina; SANTOS, NATALIA REGINA OLIVEIRA. REVITIMIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO : UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO CASO MARI FERRER.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437755-REVITIMIZACAO-COMO-PRINCIPIO---UMA-ANALISE-DA-VIOLENCIA-INSTITUCIONAL-NO-CASO-MARI-FERRER. Acesso em: 27/05/2025

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