DISCURSO DE PODER: AS FORMAS DE VIOLÊNCIA EM UMA SOCIEDADE SOB O SIGNO DA BANALIZAÇÃO DA MORTE

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
DISCURSO DE PODER: AS FORMAS DE VIOLÊNCIA EM UMA SOCIEDADE SOB O SIGNO DA BANALIZAÇÃO DA MORTE
Autores
  • Nanine Renata Passos dos Santos Pereira
  • Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 03 - Gênero, Violências, Cultura – Interseccionalidade e(m) Direitos Humanos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437662-discurso-de-poder--as-formas-de-violencia-em-uma-sociedade--sob-o-signo-da-banalizacao-da-morte
ISSN
Palavras-Chave
Discurso de poder, violência, machismo,
Resumo
Nanine Renata Passos dos Santos Pereira Professora Mestra do Instituto Federal do Espírito Santo nanine.pereira@ifes.edu.br Sérgio Arruda de Moura Professor Doutor da Universidade Estadual do Norte Fluminense arruda@uenf.br Introdução A morte e a violência são temas constantes, desde as mais remotas manifestações da arte literária. No entanto, para além da natureza essencialmente trágica que ambas representam, a nossa proposta é pensar narrativas que apresentam a morte e a violência naturalizadas no convívio social e como o discurso literário assimila esse fato e o reproduz. Dois contos foram escolhidos para a proposta: “Maria”, de Conceição Evaristo, e “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca. O conto da autora mineira integra a obra Olhos d'água, lançada em 2014, a qual reúne 15 contos que apresentam muitas cenas de violência, retratando bem o cotidiano da população negra nas periferias do nosso país. O segundo texto, o conto “Feliz ano novo”, destaca uma sociedade marcada por fenômenos de banalização da violência somada à evidente manutenção de preconceitos gerados pela desigualdade social. Portanto, procurou-se fazer um recorte do desejo que move o ser humano a matar e do discurso ou não-discurso que crime em dois tópicos: (i) a morte banalizada pelas mãos do machismo; (ii) a violência da/na sociedade de consumo. Para esse fim, utilizou-se a pesquisa bibliográfica. 1. Fundamentação teórica Os pressupostos epistemológicos para a construção deste trabalho estão no entendimento de como se constitui o discurso literário para tematizar a violência e quais os mecanismos que legitimam a criação literária nos contextos em que esta se apresenta. É possível citar, primeiramente, nessa perspectiva, o que afirma Dominique Maingueneau, ao considerar que Não se pode conceber a obra como uma organização de 'conteúdos' que permitirá exprimir de maneira mais ou menos enviesada ideologias ou mentalidades. O 'conteúdo' da obra é na verdade atravessado pela remissão a suas condições de enunciação. O contexto não é colocado no exterior da obra, numa série de camadas sucessivas; o texto é na verdade a própria gestão de seu contexto. As obras falam de fato do mundo, mas sua enunciação é parte integrante do mundo que se julga que elas representem. (MAINGUENEAU, 2018, p.44) As relações que se dão entre diferentes estratos sociais, seus interesses, seu modus vivendi, assim como os espaços que formam a arquitetura das metrópoles, nos ajudam a compreender aspectos fundamentais da linguagem utilizada no texto literário, considerando que esse se propõe a remontar a heterogeneidade dessa convivência. A escolha deliberada por tematizar as complexidades que integram as relações de tensão extrema nos fazem retomar o que se afirma no trecho a seguir, extraído de A ordem do discurso: “Penso na maneira como a literatura ocidental teve de buscar apoio, durante séculos, no natural, no verossímil, na sinceridade, na ciência também – em suma, no discurso verdadeiro.” (FOUCAULT, 1987, p. 19). Nos contos “Maria” e “Feliz ano novo”, o que causa perplexidade ao leitor é o fato de a violência poder ser, de certo modo, justificada. A morte de Maria é fruto da revolta coletiva pelo dano material causado; por outro lado, em “Feliz ano novo”, o que está em evidência é o enorme abismo social que gera a barbárie. A violência, portanto, longe da forma como é vista pela ótica do senso comum, pode ser compreendida como um dispositivo eficaz para um determinado fim. A violência pode sim desencadear ações previamente pensadas. A violência, sendo instrumental por natureza, é racional à medida que é eficaz em alcançar o fim que deve justificá-la. E posto que, quando agimos, nunca sabemos com certeza quais serão as consequências finais do que estamos fazendo, a violência só pode permanecer racional se almeja objetivos a curto prazo. Ela não promove causas, nem a história, nem a revolução, nem o progresso, nem o retrocesso; mas pode servir para dramatizar queixas e trazê-las à atenção pública. (ARENDT, 2014, p. 99) Compreende-se, dessa forma, que para aplacar o ódio insano de um certo número de pessoas, Maria é sentenciada à morte sem direito a ser ouvida. Para matar a fome e o desejo de pertencimento a um mundo no qual não há a menor chance de dignidade, um grupo de “marginais” não só rouba, como também decide eliminar aqueles que representam o oposto de sua existência. 2. Resultados alcançados Como resultado dessa reflexão, é possível dividir em dois tópicos os aspectos mais relevantes para essa análise. 2.1 A morte banalizada pelas mãos do machismo Em “Maria”, evidencia-se um século ainda marcado pela exclusão social que favorece a manutenção de práticas de aniquilamento, de cancelamento do outro. Maria morre não só por sua condição e por seu “lugar de silenciamento”, mas também pelo desejo de vingança, o que torna o seu linchamento uma ação pautada nas regras da “justiça” feita pelas próprias mãos. A morte de Maria personifica a violência contra a mulher que se traduz em números cada vez mais expressivos em nossa sociedade. A objetificação do corpo da mulher Maria no conto, corroborada pelo sacrifício a que é submetida, denota que a personagem representa inúmeras outras mulheres a quem não é dado o direito de ter voz, vítimas de uma sociedade machista. Assim, o texto de Conceição procura referenciar esse ser em anonimato, conferindo-lhe a possibilidade de ser ouvido por meio do discurso literário em uma sociedade que banaliza o sofrimento e emudece a dor. 2.2 A violência da/na sociedade de consumo Em “Feliz ano novo”, o discurso publicitário se ancora em estereótipos de beleza, de sucesso e de bem-estar. Esses se apresentam como modelos únicos, padrões a serem cobiçados, os quais são absolutamente díspares daquilo que vivem os protagonistas do conto, porque a maioria absoluta da população tem no luxo e no dinheiro seu objeto de desejo. Esse paradoxo, entre o que é real e aquilo que está na TV, se estende ao longo de toda a estrutura da narrativa. O modo de ser e de estar, no mundo capitalista, usa os meios de comunicação em massa como canal muito eficaz de propagação de desejos e o discurso publicitário como linguagem que lhe serve. O jogo do “nós” e “eles”, contrapondo classes sociais distintas, é o que marca o conto do início ao fim. A crise exposta no texto está exatamente entre o ser e o ter. A sociedade capitalista e as elites, que se ressignificam com diferentes traços, mantêm-se implacáveis em sua arrogância e desejo de perpetrar a desigualdade social, sutilmente apresentada pelo autor como a mais infame de todas as violências. Conclusões O discurso literário pode sim nos retirar de um lugar de conforto e de acomodação e nos fazer refletir sobre as possíveis contradições entre o que é estar no mundo e interagir com o outro. Os discursos e os não-discursos que se constroem nas narrativas apresentadas e tudo o que eles significam, longe de dividirem o mundo em bons e maus, em bandidos e mocinhos, nos convidam a repensar a sociedade sob a ótica da estratificação social e da invisibilização das alteridades. Somos convidados a uma reflexão muito mais acertada de tudo aquilo que nos faz ser, de todas as subjetividades que nos formam. Maria não é só ela. Maria é outras tantas. Os bandidos não são só criminosos, são também desejo, necessidade, vontade negada o tempo todo. Assim, como leitores, somos convidados, a descortinar as complexidades da existência humana para que, na contramão do sistema, mesmo que enredados por seus códigos e símbolos, possamos ser de algum modo salvos pela arte literária, caminhando no sentido oposto da cegueira que quase a todos contamina. Referências bibliográficas ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2014. EVARISTO, Conceição. Olhos d'água. 1 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2018, p. 39-42. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Vozes: Petrópolis, 1987. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2018. MORICONI, Ítalo (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 336-340.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PEREIRA, Nanine Renata Passos dos Santos; MOURA, Prof. Dr. Sérgio Arruda de. DISCURSO DE PODER: AS FORMAS DE VIOLÊNCIA EM UMA SOCIEDADE SOB O SIGNO DA BANALIZAÇÃO DA MORTE.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437662-DISCURSO-DE-PODER--AS-FORMAS-DE-VIOLENCIA-EM-UMA-SOCIEDADE--SOB-O-SIGNO-DA-BANALIZACAO-DA-MORTE. Acesso em: 13/06/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes