MODOS DE REPRESENTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO CINEMA BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O FILME CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-101  
Título do Trabalho
MODOS DE REPRESENTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO CINEMA BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O FILME CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS
Autores
  • Laura da Costa Tourinho e Silva
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437661-modos-de-representacao-dos-povos-indigenas-no-cinema-brasileiro--um-estudo-de-caso-sobre-o-filme-chuva-e-cantoria
ISSN
Palavras-Chave
Cinema brasileiro, povos indígenas, representação
Resumo
Laura da Costa Tourinho e Silva Graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) lauratourinho.24@gail.com Introdução Lançado em 2018, o filme Chuva é cantoria na Aldeia dos Mortos, produzido na aldeia Pedra Branca, no Tocantins, conta com a direção de Renée Nader Messora e João Salaviza, e retrata a trajetória de Ihjãc, um jovem indígena Krahô que, após ter uma conversa com o espírito de seu falecido pai, inicia, junto a seus familiares, os preparativos para o ritual de fim de luto. Simultaneamente, Ihjãc também passa por um processo de transformação em pajé, do qual tenta fugir. A partir dessa narrativa, o filme apresenta ao público um pouco da cultura e dos modos de vida do povo Krahô, além de retratar questões relevantes acerca da situação contemporânea dos povos indígenas brasileiros. Ele recebeu, dentre diversas premiações, o “Prêmio Especial do Júri” na mostra “Un Certain Regard” do Festival de Cannes. Tendo em vista que os povos indígenas foram historicamente representados sob discursos de caráter colonialista (presentes na literatura, no cinema e até em livros didáticos), proveniente de um olhar ocidental, o repertório de imagens construído ao longo da história repete estereótipos que tendem a simplificar ou infantilizar suas identidades, seus modos de vida e suas questões. Dentro desse contexto, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos é entendido como um filme que tem o potencial de disseminar imagens e narrativas que não compactuam com esses estereótipos, contribuindo para a construção de um imaginário mais respeitoso e apropriado. Assim, o presente trabalho pretende, a partir da sistematização apresentada por Robert Stan (2008) acerca do modo como os povos indígenas vem sendo tematizados no cinema brasileiro, discutir sobre como a narrativa de Chuva é cantoria na Aldeia dos Mortos retrata os indígenas Krahô. Para a realização de tal análise, foram utilizados, também, relatos dos diretores sobre o processo de construção da narrativa do longa-metragem. 1. Fundamentação teórica Historicamente, o modo como os povos indígenas são representados, nos meios de comunicação em geral, aponta para um repertório de imagens estereotipadas, que tendem a reduzir e simplificar as crenças e os modos de vida desses povos. Essas imagens são desenvolvidas a partir de uma perspectiva eurocêntrica, que tem como referência a cultura e as crenças do ocidente, atribuindo à esta “um sentido quase providencial de destino histórico” (STAM, 2003, p. 296). Dessa forma o cinema, que desde seu surgimento em 1910 aborda temáticas indígenas, vem contribuído para tal representação. Stam (2008) apresenta uma sistematização dessa reconfiguração de como os povos indígenas foram representados em cada período do cinema brasileiro. Assim, segundo o autor temos, durante o cinema mudo, o indígena idealizado do romanismo. Na década de 1920, o indígena objetificado dos documentários positivistas. Na década de 1950, o indígena é apresentado de forma cômica. Até então, temos filmes que expressavam uma visão mais alinhada ao eurocentrismo colonialista. Nas décadas de 1960 e 1970, porém, os filmes vão propor uma releitura da temática indígena. Temos, então, em 1960, o indígena canibal tropicalista e, em 1970, o indígena rebelde. O feito mais notável se dá nos anos de 1990, com a emergência da mídia indígena, resultante da apropriação dos meios audiovisuais pelos próprios indígenas e o uso desses meios para propósitos políticos e culturais próprios, a partir de projetos tais como “Vídeo nas Aldeias”, os quais visam a preparação de cineastas indígenas por meio de oficinas e outras atividades formativas. Na contemporaneidade, para além dos filmes produzidos pelos próprios indígenas, também temos um cinema de temática indígena produzido por não indígenas que se sensibilizam com a causa (STAM, 2008). É nesse contexto que o Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos se insere. Os estudos culturais propostos por Stan (2000) expressam a relevância de trazer à tona discursos que quebrem, ou que não compactuem, com a hegemonia do ideal eurocêntrico, colonialista. Isso implica, no âmbito do cinema contemporâneo, em novas relações entre a equipe de filmagem e os atores-personagens resultando também em novas abordagens aos aspectos fílmicos, o que é apresentado pelo filme objeto desse estudo. 2. Resultados alcançados Em relato, na Vigésima Edição do Festival do Rio, em 2018, e em uma live realizada pelo Forumdoc BH, em 2020, Renée Nader Messora e João Salaviza, diretores de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, indicam que desenvolviam atividades na Aldeia da Pedra Branca muito antes de terem qualquer intenção de produzir um filme. No caso, o contato com a aldeia não foi motivado pela intenção de produzir o longa-metragem, pelo contrário, a partir do envolvimento dos diretores com a aldeia, e das situações que eles presenciaram durante sua estadia na região, é que surgiu a ideia e oportunidade de gravação. A partir das indicações dos diretores nos dois eventos citados, compreendemos que a história que gerou o filme foi inspirada em acontecimentos da aldeia, presenciados e vivenciados pelos próprios atores-personagens. Também é importante mencionar que a macroestrutura do roteiro foi proposta pelos diretores, mas que o roteiro era poroso e maleável, e o longa foi sendo desenvolvido e construído em diálogo com os atores-personagens indígenas, que realizavam suas intervenções. Salaviza explica que, antes de gravar qualquer cena, ele e Messora passavam para o Ihjãc (ou para os personagens que estavam na cena em questão) um pouco sobre a ideia e concepção da cena. As conversas em torno da concepção apresentada podiam durar até semanas e, a partir disso, por exemplo, o Ihjãc ou outro ator indicava: “Eu nunca diria isso”, “eu nunca faria isso” ou “acho que eu faria assim”. A partir dessa interação, as cenas eram construídas antes de serem gravadas. Na live do Forumdoc BH, os diretores também indicam que, após alguns meses de gravação, o próprio Ihjãc, ao assistir as cenas, informava que gostaria de regravar por uma questão de atuação, pois gostaria de fazer diferente, ou até por questões técnicas. No caso, o personagem desenvolveu, não apenas uma familiaridade com os equipamentos e estruturas de gravação, mas também um conhecimento sobre, e a partir disso realizava de forma mais consciente suas intervenções. Outra questão relevante a ser pontuada, é que todos os diálogos entre personagens indígenas são realizados na língua Krahô, da qual ambos os diretores não têm fluência. Isso confere uma grande liberdade de criação aos atores-personagens indígenas. Então o fato da gente ter essa limitação, de não entendermos profundamente a língua [...] mas isso também permitiu que aquilo que é dito, e as ideias que são veiculadas pelo filme sejam canonizadas pela fala do Ihjãc e pela fala da Kotô. Por mais que haja uma construção narrativa, na hora de filmar, a verdade é a verdade deles. Inclusive, depois que a gente fez a tradução e os subtítulos do filme, a gente descobriu como as cenas eram muito mais ricas do que a gente imaginava na hora de filmar, justamente por tudo que eles acrescentavam às ideias das cenas e por termos trabalhado juntos. (CINE LUBE AÇÃO E REFLEXÃO, 2018, Salaviza, transcrição nossa). Conclusões A partir dos relatos dos diretores, compreendo que o filme foi produzido através de uma relação dialógica entre diretores brancos e atores-personagens indígenas. Tal diálogo resultou não apenas em alterações diretas no roteiro e na determinação dos caminhos da narrativa, mas também em uma apropriação do ator protagonista de certas questões do meio audiovisual, o que permitiu que suas intervenções fossem mais conscientes. Foram incorporadas vivências próprias dos atores-personagens e os direcionamentos que eles mesmos davam à cena através dos diálogos na língua Krahô. A partir do desenvolvimento do modo de tematização indígena no cinema brasileiro, apresentado por Stan (2008), podemos compreender que tal método dialógico, utilizados pelos diretores de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos teve a intenção de propor uma representação contemporânea que não compactue com o colonialismo e com a propagação de imagens estereotipadas. Referências bibliográficas STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Papirus Editora, 2000. STAM, Robert. Multiculturalismo Tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiro. São Paulo: Edusp, 2008. NUNES, Karliane Macedo. (R)existir com imagens: considerações sobre a produção audiovisual indígena no Brasil. Brasiliana: Journal for Brazilian Studies, Londres, v. 5, n. 1, p. 318-343, 2016.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
DOI

Como citar

SILVA, Laura da Costa Tourinho e. MODOS DE REPRESENTAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO CINEMA BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O FILME CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437661-MODOS-DE-REPRESENTACAO-DOS-POVOS-INDIGENAS-NO-CINEMA-BRASILEIRO--UM-ESTUDO-DE-CASO-SOBRE-O-FILME-CHUVA-E-CANTORIA. Acesso em: 01/06/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes