A MOBILIZAÇÃO DA MEMÓRIA DURANTE A ENTREVISTA: INTERMITÊNCIAS ENTRE A MEMÓRIA EVOCAÇÃO E A MEMÓRIA RECORDAÇÃO

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-104  
Título do Trabalho
A MOBILIZAÇÃO DA MEMÓRIA DURANTE A ENTREVISTA: INTERMITÊNCIAS ENTRE A MEMÓRIA EVOCAÇÃO E A MEMÓRIA RECORDAÇÃO
Autores
  • leda maria fonseca bazzo
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 35 - Cultura e Desenvolvimento
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437645-a-mobilizacao-da-memoria-durante-a-entrevista--intermitencias-entre-a-memoria-evocacao-e-a-memoria-recordacao
ISSN
Palavras-Chave
memória, evocação, recordação, alteridade
Resumo
A mobilização pela memória durante a entrevista possibilita os pares entrevistador e entrevistado se reverem. É a partir de todos os órgãos perceptivos (visão, audição, olfato, tato) em seu conjunto que conduz o entrevistado aos trilhos da consciência. Indo à Husserl (2001) verifica-se que, a consciência é a atividade constituída por atos (percepções, imaginação, especulação, paixão) portanto, a consciência são atos da percepção. E “toda a consciência é consciência de alguma coisa”. Agora com os autores da história oral compreende-se que o entrevistado percebe-se durante sua própria escuta dada pela alteridade de estar com um outro e mobiliza um conjunto de lembranças nem sempre coeso, no caminho do trabalho de memória (Thomson, 1997; Portelli, 2010). Ou ainda, é possível verificar a saída da memória primeira, ou memória evocação em direção à memória recordação (Ricoeur, 2007). Contudo, essas questões nunca são simples passa-se, necessariamente pelas memórias afecções pois aquilo que o interlocutor evoca em primeira instancia, são as marcas deixadas do seu passado ou a memória ferida... É somente a partir do tempo ou da profundidade dele que compreende-se com Aristóteles: “a memória é do passado” e portanto, nada se assemelha ao presente, há um antes e um depois e o efeito de recordar é completamente distinto da vivência do passado. O historiador Alistair Thomson (1997) soube compreender bem: seus entrevistados evocavam uma memória do passado com marcas feitas da imaginação daquilo que foi manipulado pelo poder público: mídia televisiva, filmes, livros que colocavam seu publico alvo de informantes como heróis de guerra, essa versão intensamente publicizada impossibilitou deles falarem amplamente de seus traumas e da dureza do cotidiano experimentado como ex-combatentes. Mas Thomson, descontente com essas primeiras versões, buscará a partir do tempo um espaço da memória na direção de abrir outras narrativas destes seus entrevistados. É certo que, o tempo auxilia o sujeito à busca de novas versões que pode ser verificada no espaçamento cronológico das entrevistas, seguindo a premissa aristotélica de que memória é do passado. Contudo, isso ocorre pela decisão de Thomson - seguir a memória hábito dos seus entrevistados ou aquela programada para ser eficaz dentro da semântica e da pragmática sequenciada por contexto formulado e, aceito socialmente. Mas o pesquisador supracitado, conseguiu aos poucos abrir a memória hábito ou ferida de seus entrevistados pelas reminiscências ou vestígios da memória. Assim ele conquistou novas versões, saindo daquela memória primeira consensualmente “marteladas” por histórias estereotipadas e que se tornaram uma memória social, pesada e aceita dentro de um grupo. Agindo assim, que ele pôde dar passagem a diferentes narrativas atestadas pelos mesmos informantes que modificaram as suas interpretações sobre as experiências na guerra. A mudança das notícias de guerra por seus interlocutores pode ser atribuída não apenas à distância temporal entre as entrevistas como um passado que não opera mais no presente mas, sobretudo, porque Thomson utilizou-se também como estratégia, sua interferência direta dialogando sobre o assunto “experiência dos ex-combatentes de guerra” e refutando algumas versões ou mesmo, abrindo o debate à possibilidades de novas interpretações pouco exploradas, ou ainda não ditas por seus entrevistados. É assim que não existe um único modo de se intervir no campo com os sujeitos, ainda que todo o aporte ético deva ser trazido também ao estatuto da reflexão. O trabalho ora apresentado é bem mais modesto desse empreendido por Thomson mas busco trazer a interpretação dos fatos narrativos por uma sujeita no que compreendo como “petite” mobilidade da memória presente no ato da entrevista transcorrida no tempo. Isso porque não tive a oportunidade de retornar no campo para verificar modificações mais significativas das lembranças que se atualizam na evolução deste sujeito ontológico com o tempo. Assim que, percebi evoluções ainda que transitórias ou liminares nesta mesma entrevista que foi realizada no ano de 2015. Deixaremos suspensa a identidade da pessoa inquirida para mais tarde revela-la. Isso se justifica na medida que busco testar dois aspectos que colocarei com chave: o primeiro de verificar a própria narrativa antes de dar qualquer atributo que poderia julgar previamente a pessoa, e o segundo que é consequência do primeiro- abrir um espaço interpretativo pela escuta narrativa anterior a da pessoa que fala. Deste modo busco o exercício hermenêutico com Paul Ricoeur de sair da pergunta: quem fala ou como fala para o que se fala. O fragmento de entrevista apresentado será fiel à cronologia narrada por uma sujeita. Os enunciados são mobilizados a partir de um antes e um depois, de modo a perceber nas sutilezas apresentadas que “a diferença cultural entre pesquisador e narrador, sujeita esse ultimo a estímulos imprevistos, força-o a explorar setores e aspectos da sua experiência que geralmente não são mencionados quando ele conta histórias dentro do seu ciclo imediato (Portelli, 2010 p.20). A entrevistada vai narrar como conseguiu com sua família o “poder” de trabalhar e se educar na zona rural da cidade de Caetité – “uma família junto com outra – ou uma família fraca com outra que tem dinheiro”. Segue abaixo: - Ai mesmo a gente ficou com poder!... entre essa família com a gente. Que foi nove pessoa,... não dez... onze pessoa dentro da fazenda dele: trabalhando! Então a gente, pai que cercou a fazenda dele toda! Então pai ficou com esse poder e deixou o poder para a gente porque foi um bom trabalhador! E aí a gente ficou a família com a outra. - Que outra? - A gente fraco junto com esse povo forte, que tem dinheiro... (p.4) (...) A gente apanhava milho, catava algodão, feijão, eu labutava com chiqueiro de porco, os porcos dele eram tudo de primeira qualidade! Tudo dele era de primeira qualidade. Os cavalos, minha filha, ave maria! precisava botar a mão para ele: pro homem subir no cavalo. - Mas não tinha sela? - Cavalo alto. Aí pai botava a mão aqui "pisa aqui", aí ele pisava. [00:20:03.05] (p.9) Esse poder que a entrevistada revela é atribuído pelas relações servis construídas como “uma família dentro de outra família”. É nessa ancoragem de famílias diferentes que aparecem juntas que entram os elos subjetivos de “amizade” entre patrão e empregado mas que não parecem recíprocas como ela atestava. Seguimos adiante para as revelações que darão a chave para essa análise. A entrevistada revela a ocorrência de um desentendimento entre seu pai e um outro funcionário da fazenda na qual, ela não se aprofunda mas revela que, a partir desse evento seu pai decide sair da fazenda com os dez filhos para morarem numa casa na cidade de Caetité sem recursos para o sustento da família: Referência HUSSERL, E. Meditações cartesianas. Tradução de Frank de Oliveira. São Paulo: Madras, 2001 PORTELLI, A. Sempre existe uma barreira: A arte multivocal da história oral. In: Esnaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010. p.19-36. ______. Memória e diálogo: desafios da história oral para a ideologia do século XXI. In: Ferreira, MM; Fernandes, TM; Aberti, V (orgs). História Oral:desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz/ FGV, 2000. p.67-71. RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François (et al.) Campinas: Editora da Unicamp, 2007. THOMPSON, A. Recompondo a Memória: Questões sobre a relação entre História Oral e as memórias. In: Projeto História. São Paulo, 1997.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
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Como citar

BAZZO, leda maria fonseca. A MOBILIZAÇÃO DA MEMÓRIA DURANTE A ENTREVISTA: INTERMITÊNCIAS ENTRE A MEMÓRIA EVOCAÇÃO E A MEMÓRIA RECORDAÇÃO.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437645-A-MOBILIZACAO-DA-MEMORIA-DURANTE-A-ENTREVISTA--INTERMITENCIAS-ENTRE-A-MEMORIA-EVOCACAO-E-A-MEMORIA-RECORDACAO. Acesso em: 05/06/2025

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