ANÁLISE FILOLÓGICA DOS TERMOS MARRAFA E PINCENÊ: UM EXAME DE VOCÁBULOS QUE CONSTITUEM O LÉXICO DOS POTIGUARES

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
ANÁLISE FILOLÓGICA DOS TERMOS MARRAFA E PINCENÊ: UM EXAME DE VOCÁBULOS QUE CONSTITUEM O LÉXICO DOS POTIGUARES
Autores
  • Jéssica Tailane da Costa
  • Maria Aparecida Porto Bessa
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 34 - Estudos dialógicos do discurso e Ensino da Língua Materna e Estrangeira
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437551-analise-filologica-dos-termos-marrafa-e-pincene--um-exame-de-vocabulos-que-constituem-o-lexico-dos-potiguares
ISSN
Palavras-Chave
Tradição oral. Mudança linguística. Variantes. Norte-rio-grandenses.
Resumo
Introdução Este trabalho parte da necessidade de se ampliar as discussões filológicas em torno do vocabulário potiguar, interessando-se pela origem e sentidos atribuídos aos termos marrafa e pincenê, provenientes da tradição oral. Tem como objetivo central investigar os possíveis significados que essas expressões adquiriram na cultura popular, para posteriormente relacionar a significação dicionarizada destes termos ao uso que falantes da zona rural do município de Rafael Fernandes/RN fazem na fala. A pesquisa classifica-se como bibliográfica, pois utiliza fontes secundárias (livros, artigos científicos, dicionários físicos e on-line, etc.) para levantamento de informações a respeito do objeto de análise; e também se caracteriza como um estudo de campo, porque parte dos dados extraídos decorrem de entrevistas com sujeitos de uma comunidade específica – conhecida como sítio Gangorra, localizada em Rafael Fernandes/RN -, ponderando-se as variáveis idade, sexo, escolaridade e profissão. Os resultados respaldaram-se no método hipotético-dedutivo, dando consistência a uma abordagem qualitativa de base descritivo-interpretativa. 1. Fundamentação teórica Em sua totalidade, o português brasileiro apresenta uma diversidade de usos da linguagem que configura uma grande quantidade de dialetos, aqui entendido como um conjunto de regras inteligíveis compartilhadas por um grupo de falantes durante suas trocas verbais. Por vezes, variedade e dialeto recebem a mesma abordagem teórica, pois ambos podem ser vistos como “representações possíveis da língua [...]” (SILVA, 2009, p. 20), disseminadas em toda a extensão territorial do país. Além disso, o conhecimento linguístico comum presente nas variedades de fala é produzido e motivado por aspectos psicológicos, culturais, econômicos e evolutivos da sociedade, e, por consequência, está sujeito a avaliações positivas ou negativas. Decerto, a Língua Portuguesa vem sofrendo influências de outros idiomas desde seu processo de origem. Durante as batalhas de (re)conquista territorial, a língua era utilizada como meio de dominação, sendo, no mais das vezes, imposta aos povos de posição social desfavorecida. Tal prática, além de propiciar expansões no território e no número de falantes, também ocasionava a miscigenação linguística nas expressões que compunham seu léxico, como podemos perceber nas influências que o português brasileiro recebeu dos dialetos indígenas e afrodescendentes. Esse processo de miscigenação ocasionada no léxico pode ser explicado primordialmente por três fenômenos que Câmara Júnior (1977, p. 22) apud Assis (2011, p. 115) denomina de substrato, superstrato e adstrato linguísticos. Ao primeiro corresponde “a influência da língua de um povo vencido sobre a qual se sobrepõe a língua do vencedor”; ao segundo concerne o processo inverso, “a língua do povo vencedor deixa marcas na língua do povo vencido, permanecendo esta última”; e o terceiro compreende “toda língua que vigora ao lado de outra, num território dado e que nela interfere como manancial permanente de empréstimos”. É admissível, então, que as línguas interagem entre si, favorecendo o alargamento lexical. Ao observarmos a relação de trocas linguísticas envolvendo a Língua Portuguesa e outros idiomas, usamos o conceito de empréstimo linguístico, entendido como “o fenômeno que consiste na passagem de unidades lexicais, morfemas ou acepções de um sistema A para um sistema B” (ANDRADE, 2001, p. 16). Essa transferência pode ser interna – dentro do sistema linguístico de uma determinada língua – ou externa – entre sistemas linguísticos de línguas diferentes. No século XVI, a cultura e a língua francesa, as quais já gozavam de grande prestígio social, influenciaram a cultura e a língua do povo indígena, bem como a língua tupi, que, semelhantemente, influenciou o idioma francês. De acordo com Mariz (2008), “O almirante [Villegagnon] cultivou a amizade dos indígenas e do seu chefe Cunhambebe. Ele tomava aulas diárias de tupi e chegou a completar um dicionário tupi-francês que iniciara com André Thevet.” À inter-relação “tupi-francês” damos o nome de adstrato linguístico, uma vez que essas duas línguas vigoraram uma ao lado da outra, ambas influenciando e sendo influenciadas. A influência francesa na cultura brasileira e na Língua Portuguesa não se deu unicamente no século XVI, mas vem acontecendo de forma gradativa desde esse período. No século XIX, singularmente, com o movimento francês chamado Belle Époque, o Brasil estreitou mais ainda suas relações com a França. Segundo Zanon (2005, p. 18), “A França sempre exerceu um grande fascínio no Brasil, mas nunca, como na Belle Époque, ela deixou tantos vestígios de sua influência.” Essa autora afirma que a educação da elite brasileira era literária e francesa; houve, segundo ela, um “afrancesamento” da elite carioca, a qual não hesitava em adotar costumes franceses. É um fato que todo esse fascínio também era refletido através dos empréstimos linguísticos que, nessa época, tornaram-se mais comuns 2. Resultados alcançados Fundamentados no exame dos vocábulos marrafa e pincenê, constatamos que essas palavras vêm de países e línguas diferentes (português de Portugal e francês, respectivamente), sendo que a primeira palavra provém, primeiramente, de um sobrenome italiano. Pincenê advém da expressão francesa pince-nez (óculos nasais) (Figura 1), e sua chegada ao Brasil pode ser explicada a partir de uma multiplicidade de fatos históricos. A inter-relação envolvendo brasileiros e franceses existe desde o período colonial e permanece até hoje (século XXI), por isso, ao longo de todo esse tempo, houve vários empréstimos linguísticos. A expressão marrafa é utilizada por potiguares para designar um adereço que serve tanto para pentear os cabelos como para ser anexado neles (como uma espécie de pente multiuso). Ela é resultado das transformações linguísticas ocorridas no sobrenome italiano Marraffi. Em Portugal, a palavra marrafa (Figura 2) era utilizada para designar um tipo particular de penteado (uma espécie de franja). Ao analisarmos a mudança gráfica que essa palavra sofreu (Marraffi > marrafa), percebemos que existe uma explicação fonética: houve uma mudança por assimilação, visto que do ponto de vista do arredondamento dos lábios e da altura da língua os sons /a/ e /i/ se aproximam. A mudança semântica desse vocábulo pode ter ocorrido graças à influência da moda europeia, pois na Europa essa palavra representava um penteado específico; no Brasil, posteriormente, passou a ser um pente que é fixado ao cabelo, o que causa um efeito de “penteado diferente”. O pincenê (forma dicionarizada) adentrou nas comunidades rurais norte-rio-grandenses por intermédio da variação “piscinêz”, em decorrência de dois fenômenos de cunho fonético-fonológico: a assimilação e a ditongação. O uso do “piscinêz” para designar um modelo específico de óculos sem hastes, fixado ao nariz por um mecanismo de pressão, também está relacionado a fatores externos à língua, como faixa etária, por exemplo, uma vez que falantes jovens geralmente não utilizam nem conhecem a variante “piscinêz”, que é usada normalmente por pessoas mais idosas; de baixa escolaridade ou de convivência com grupos sociais em que as práticas letradas não foram muito difundidas; e/ou de condições socioeconômicas insatisfatórias. Já o termo marrafa é usualmente empregado para denominar um modelo de pente que as mulheres das décadas passadas (segundo relatos das falantes entrevistadas) utilizavam para alinhar e prender os cabelos, servindo, portanto, para ornamentar as madeixas femininas. Conclusões Afirmamos a diversidade e a riqueza presente nas produções linguageiras dos falantes nordestinos, em especial dos que vivem nas comunidades rurais do Rio Grande do Norte. As múltiplas causas que estão envoltas no falar característico do povo potiguar refletem a identidade, os costumes e a fortaleza de uma região que resiste a intensos períodos de estiagem e aos problemas políticos e sociais que tanto afligem a população. Referências bibliográficas ASSIS, M. C. de. A história da língua portuguesa. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2011. Disponível em: http://biblioteca.virtual.ufpb.br./files/histaria_da_langua_portuguesa_1360184313.pdf. Acesso em: 05 ago. 2017. SILVA, R. do C. P. da. Apresentação. In: SILVA, R. do C. P. da. (org.). A sociolinguística e a língua materna. Curitiba: Ipbex, 2009. ANDRADE, A. R de. Terminologia do empréstimo linguístico no português europeu: uma terminologia ambígua? Instituto de linguística teórica e computacional, Lisboa, 2001. Disponível em: ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7154.pdf. Acesso em: 30 out. 2017. MARIZ, V. Villegagnon: herói ou vilão? História (São Paulo). São Paulo, v. 27, n. 1, (s/p), jul. 2008. ZANON, M. C. Fon-Fon! – um registro da vida mundana no Rio de Janeiro da Belle Époque. Patrimônio e Memória. São Paulo, v. 1, n. 2, p. 18-30, out. 2005.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

COSTA, Jéssica Tailane da; BESSA, Maria Aparecida Porto. ANÁLISE FILOLÓGICA DOS TERMOS MARRAFA E PINCENÊ: UM EXAME DE VOCÁBULOS QUE CONSTITUEM O LÉXICO DOS POTIGUARES.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437551-ANALISE-FILOLOGICA-DOS-TERMOS-MARRAFA-E-PINCENE--UM-EXAME-DE-VOCABULOS-QUE-CONSTITUEM-O-LEXICO-DOS-POTIGUARES. Acesso em: 29/05/2025

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