TENSIONAMENTOS ENTRE DESENVOLVIMENTO, NATUREZA E CULTURA: O CASO DO SERRO/MG FRENTE À EXPANSÃO MINERÁRIA NO VALE DO JEQUITINHONHA

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-140  
Título do Trabalho
TENSIONAMENTOS ENTRE DESENVOLVIMENTO, NATUREZA E CULTURA: O CASO DO SERRO/MG FRENTE À EXPANSÃO MINERÁRIA NO VALE DO JEQUITINHONHA
Autores
  • Roberta Brangioni Fontes
  • Andrea Maria Narciso Rocha de Paula
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 43 - Conflitos Rurais
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437539-tensionamentos-entre-desenvolvimento-natureza-e-cultura--o-caso-do-serromg-frente-a-expansao-mineraria-no-vale-
ISSN
Palavras-Chave
Mineração, Serro, conflitos, comunidades tradicionais, natureza, cultura
Resumo
TENSIONAMENTOS ENTRE DESENVOLVIMENTO, NATUREZA E CULTURA: O CASO DO SERRO/MG FRENTE À EXPANSÃO MINERÁRIA NO VALE DO JEQUITINHONHA Roberta Brangioni Fontes Doutoranda em Desenvolvimento Social, Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES-MG. Bolsista CAPES betabrangioni@yahoo.com.br Andréa Maria Narciso Rocha de Paula Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Professora da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES- MG. andreasertao@gmail.com Introdução No presente trabalho discutimos o conflito socioambiental que vivencia o Serro/MG, no Vale do Jequitinhonha, devido às tentativas de implantação de mineradoras de ferro em seu território, desde 2014, inicialmente com a Anglo American S.A, e, atualmente com a Herculano Mineração, a quem a Anglo cedeu seus direitos minerários em 2018. O Serro possui grande parte de sua população vivendo no campo e seis comunidades remanescentes de quilombos certificadas. Além disso, é reconhecido por sua biodiversidade, riqueza hídrica, saberes tradicionais e patrimônio histórico e cultural. Portanto, o objetivo deste trabalho é descrever e discutir como se processam localmente os tensionamentos entre a empresa mineradora e os que resistem à mineração acionando a defesa do lugar a partir de sua biodiversidade, cultura e modos de vida tradicionais. Para isso, fazemos uma contextualização do problema e apresentamos descrições de elementos do conflito, como seus sujeitos, discursos e ações, apontando questões para futuras pesquisas. As informações que subsidiaram a construção deste estudo foram levantadas por meio de pesquisa bibliográfica, documental e observação participante realizadas de 2019 a 2021, período em que uma das autoras vem atuando como professora em escola localizada no município e onde vem também apoiando as lutas das comunidades quilombolas na defesa de seus direitos frente às violações cometidas pela empresa Herculano. 1. Fundamentação teórica Os dados e descrições foram analisados com base nos referenciais teóricos dos estudos sobre desenvolvimento e na ecologia política. A leitura que fazemos sobre o desenvolvimento é uma abordagem crítica que está permeada por estudos e debates históricos sobre o desenvolvimento como mito (RIST, 1997) e os recentes debates sobre neodesenvolvimento, neoextrativismo e pós-desenvolvimento, empreendidos por teóricos e teóricas latino-americanas (ACOSTA, 2016; SVAMPA, 2016). No campo da ecologia política, destacamos os trabalhos de Zhouri (2018) para pensar os conflitos socioambientais. Nos valemos também de expoentes da teoria decolonial para discutir as dimensões do racismo e colonialidade do poder presentes no conflito (QUIJANO, 1992) e pensar alternativas ao desenvolvimento gestadas a partir do lugar (ESCOBAR, 2005). Além disso, são aportes importantes os estudos sobre as comunidades tradicionais e as violações de seus direitos, que vêm sendo realizados por pesquisadores locais do Serro/MG, como Costa (2017) e Leite (2020). Nossa orientação epistemológica se ancora na compreensão de uma ciência social dialógica, com compromisso ético e ativo com as causas dos sujeitos que pesquisa e na busca constante e sempre inacabada pela descolonização na construção do conhecimento (BRANDÃO, 1985; MALDONADO-TORRES, 2008). 2. Resultados alcançados O histórico elaborado demonstrou sistemáticas irregularidades, contradições e violações de direitos na atuação das empresas, tanto por parte da Anglo American, na condução inicial do processo, quanto por parte da Herculano. Como exemplo, podemos citar a negação do direito à consulta livre, prévia e informada à comunidade quilombola de Queimadas, acerca do empreendimento, previsto na Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (COSTA, 2017; LEITE, 2020). O caso do Serro reafirmou dimensões que vêm sendo amplamente discutidas na literatura sobre conflitos ambientais e mineração: o racismo e a colonialidade do poder (QUIJANO, 1992), as tentativas de burlar os ritos oficiais do processo de licenciamento ambiental, a fragilidade democrática de instituições como os conselhos municipais de meio ambiente, o modus operandi das empresas de cooptar, dividir a população e difundir informações falsas (LEITE, 2020; ZHOURI, 2018). Ademais, em nosso trabalho destacamos os contornos locais que essas dimensões assumem. Em seus discursos, a empresa Herculano promete o desenvolvimento para uma região considerada pobre – acionando o estigma de pobreza do Vale do Jequitinhonha –, com geração de empregos e aumento da arrecadação do município, de forma “sustentável e segura”. Porém, da perspectiva dos grupos que resistem à sua atuação – sobretudo moradores das comunidades rurais e quilombolas -, o empreendimento ameaça o que o lugar possui de mais precioso: suas águas, o patrimônio histórico e cultural, as comunidades tradicionais, seus territórios e modos de vida. Os sujeitos da resistência são diversos, destacando-se: moradores das comunidades quilombolas; agricultores; militantes de movimentos sociais e ambientais; professores, estudantes e pesquisadores vinculados às causas socioambientais. Para esses, as falácias do modelo de desenvolvimento proposto são expostas e estão documentadas em diversas fontes analisadas por este trabalho. Como exemplo, na fala a seguir, uma senhora do quilombo do Ausente, evocou a memória do garimpo para contrapor as promessas de desenvolvimento no modelo minerário, bem como ressaltou a falência desse modelo a partir da memória das tragédias de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019: Se a mineradora entrar, se eles consentirem dela entrar dentro das comunidades, nós vamos acabando morrendo todo mundo de fome, nós vamos acabar na miséria, porque meu pai trabalhou muito em garimpo e nós não tínhamos uma cama pra nós dormir e nós não tinha o que comer. Quem trabalha nos garimpos, quem enriquece são os donos do garimpo, mas quem é o funcionário que trabalha pra colocar o minério na mão deles, não enriquece não, só sai é com uma mão adiante outra atrás [...]. Em tudo ela é uma destruidora e principalmente as mortes, porque a gente vê pela televisão a quantidade que a mineradora já destruiu de mortos e qual o dinheiro que paga, qual é o dinheiro que paga esses que estão soterrados? (Dona C., Comunidade Quilombola do Ausente, 2020). Nesse sentido, vai ocorrendo o tensionamento entre as ideias de desenvolvimento, sustentabilidade e segurança, acionadas pela empresa. A argumentação contra o empreendimento está alicerçada na defesa dos territórios e modos de vida das comunidades tradicionais, do patrimônio histórico-cultural e da biodiversidade local, sobretudo a água. Os grupos que resistem também têm se dedicado a propor e apoiar alternativas econômicas para o lugar, sobretudo na área da agricultura e do turismo de base comunitária, atividades ligadas às tradições culturais locais. Assim, dialogam com casos semelhantes em outras lutas de base ecoterritorial, em que, para resistir ao modelo hegemônico de desenvolvimento e ao complexo de violências que ele engendra, as comunidades buscam criar alternativas a partir do lugar, contra a mercantilização da natureza, em defesa dos seus territórios, modos de vida e de uma economia baseada em suas lógicas culturais e ecológicas (ESCOBAR, 2005; SVAMPA, 2016). Daí emerge a percepção da pertinência de estudos futuros que possibilitem aprofundar o conhecimento sobre os saberes ecológicos das comunidades tradicionais que habitam o lugar. Conclusões A descrição e análise de elementos constitutivos do conflito evidenciou estruturas coloniais, racistas e anti-democráticas, demonstrando o alinhamento dessas perspectivas com o projeto neoextrativista e o mito do desenvolvimento. O processo de resistência tem aproximado quilombolas, professores e estudantes universitários, movimentos sociais, moradores dos distritos, os ambientalistas da sede e militantes de outras regiões, num esforço que envolve diálogos, mediações e construções coletivas para pensar o destino do lugar, inspirar alternativas sustentáveis e solidárias ao atual modelo de desenvolvimento, a partir da biodiversidade e da cultura. Referências bibliográficas ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária-Elefante, 2016. BRANDÃO, Carlos R. Pesquisar-Participar. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 7-14. COSTA, Tiago G. M. A comunidade de Queimadas frente à expansão mineraria no Alto Jequitinhonha: a defesa de um território. 2017. 108f. Dissertação (Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais - MESPT) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. Brasília, 2017. ESCOBAR, Arturo. O Lugar da Natureza e a Natureza do Lugar: globalização ou pós-desenvolvimento? In: A Colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-americanas. Edgardo Lander (org) Colección Sur Sur. CLACSO, Ciudad Autonoma de Buenas Aires, Argentina. Setembro, 2005. P 133-168. MALDONADO-TORRES, Nelson. La descolonizacion y el giro des-colonial. Em Tabula Rasa. Bogotá, no. 9, pp 61-72, Julio-Diciembre, 2008. LEITE, Matheus de Mendonça G. Por que somos contra o empreendimento minerário denominado “Projeto Serro”? Uma reflexão crítica sobre democracia e desenvolvimento inclusivo na cidade do Serro. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 13, n. 02, p. 1023-1068, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/47156. Acesso em 27 ago. 2021 QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y Modernidad-racionalidad. In: BONILLO, Heraclio (comp.). Los conquistados. Bogotá: Tercer Mundo Ediciones; FLACSO, 1992, pp. 437-449. Tradução de Wanderson Flor do nascimento. RIST, Gilbert. El desarrollo: historia de una creencia occidental. Madrid: Catarata, 2002, pp. 13-96, 243-284. Publicação original: The History of Development: from western origins to global faith. London: ZED Books, 1997 SVAMPA, Maristela. Extrativismo neodesenvolvimentista e movimentos sociais: um giro ecoterritorial rumo a novas alternativas? In: DILGER, Gerhard; LANG, Miriam; PEREIRA FILHO, Jorge. Descolonizar o imaginário: debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2016. ZHOURI, Andréa (Org.); R. Oliveira et all. Mineração: violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. 1.ed. Marabá, PA: Editorial iGuana; ABA, 2018. p. 8-26
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
DOI

Como citar

FONTES, Roberta Brangioni; PAULA, Andrea Maria Narciso Rocha de. TENSIONAMENTOS ENTRE DESENVOLVIMENTO, NATUREZA E CULTURA: O CASO DO SERRO/MG FRENTE À EXPANSÃO MINERÁRIA NO VALE DO JEQUITINHONHA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437539-TENSIONAMENTOS-ENTRE-DESENVOLVIMENTO-NATUREZA-E-CULTURA--O-CASO-DO-SERROMG-FRENTE-A-EXPANSAO-MINERARIA-NO-VALE-. Acesso em: 26/05/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes