DECOLONIALIDADE E GÊNERO SOB A PERSPECTIVA TRANSFEMINISTA

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
DECOLONIALIDADE E GÊNERO SOB A PERSPECTIVA TRANSFEMINISTA
Autores
  • Marcelo Brito
  • Ildenilson Meireles
  • Simone Rosiane Corrêa Araújo
  • Heidy Cristina Boaventura Siqueira
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 22 - Estudos de gênero, feminismos e interdisciplinaridade.
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/437500-decolonialidade-e-genero-sob-a-perspectiva-transfeminista
ISSN
Palavras-Chave
decolonialidade; gênero; transfeminismo
Resumo
Introdução Este artigo objetiva discutir sobre a decolonialidade de gênero a partir da perspectiva transfeminista. A decolonialidade se apresenta como uma proposta de rompimento epistemológico com o saber eurocêntrico e questiona as relações de poder que permitiram a construção do sistema-mundo capitalista moderno. A decolonialidade de gênero tem como proposta desvelar o processo de identificação das cisnormatividades, das violências institucionalizadas e não institucionalizadas e buscar caminhos para a diversidade sexual e de gênero. Nesse contexto, o transfeminismo se alia a decolonialidade de gênero na medida que afirma a necessidade de contestar discursos médicos, jurídicos, religiosos e estatais que imponham a hetero/cisgeneridade como uma verdade e releguem a uma condição subalterna, patológica, criminosa e imoral todas as outras vivências. É a luta pela autodeterminação que coloca as pessoas trans como protagonistas de suas experiências subjetivas e rechaça o pensamento colonizador. 1. Fundamentação teórica Para esta pesquisa, a noção de colonialidade do poder foi abordada dentro da perspectiva de Quijano, principalmente no texto: “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. Lugones tecerá críticas a abordagem realizada por Quijano, em razão de abordar o gênero de forma naturalizante e biologicista, sem problematizar sexo e gênero como construções sociais. Para Lugones é preciso romper com a visão eurocêntrica e global de gênero e sexo, compreendendo a relação da colonialidade de forma interseccional com raça e gênero. A abordagem que a autora realiza de colonialidade do gênero partirá dos efeitos da construção cis-heteronormativa na hierarquização das relações sociais, determinando o que é ser homem e mulher dentro de uma ótica binária de gênero, das diferenças sexuais e restrita aos órgãos genitais. A abordagem de Lugones será realizada principalmente a partir do texto “Rumo a um feminismo descolonial”. A partir do pensamento de Lugones, a questão que se propõe no artigo é compreender como a perspectiva transfeminista acrescenta ao debate da decolonialidade de gênero. As autoras que fundamentam a discussão são Vergueiro e Nascimento, elaborando o pensamento transfeminista a partir da ideia de que o CIStema Colonial Moderno Capitalista subalterniza e criminaliza identidades trans. Tendo como parte constituinte a idealização de perspectivas socioculturais eurocêntricas, cristãs e racistas sobre corpos e identidades de gênero, o CIStema, com “c” de cisgeneridade, estabelece normatividades e hierarquias em relação a corpos e identidades de gênero que podem ser constatadas nas violências que sofrem as pessoas trans e travestis no Brasil. A expressão CIStema é enfatizada por Vergueiro e Nascimento como uma forma de evidenciar a matriz cis/heteronormativa que marca as relações sociais em um contexto de hierarquização no qual a cisgeneridade é naturalizada e transgeneridades são classificadas como patológicas. O CIStema colonial moderno criminaliza e subalterniza identidades trans se ancorando numa base bioessencialista, impondo um padrão exclusivamente binário de correspondência entre sexo (supostamente biológico) e gênero (cultural). Para trabalhar o conceito de transfeminismo, além de Nascimento, também se fundamenta em Vieira que o define, em seu aspecto teórico, como aporte de compreensão dos corpos trans em seu aspecto político-social. É um movimento, uma luta pela inclusão das pessoas trans no mundo. É uma luta por existência, pois o processo de invisibilização provocado, inclusive operado pela colonialidade de gênero, apagou vivências não hetero/cisgêneras na história e impôs uma forma hegemônica de pensamento que segue desconsiderando e depreciando a existência concreta de pessoas trans na sociedade. 2. Resultados alcançados A primeira etapa da pesquisa consistiu na análise do processo de colonialidade do gênero que construiu a invisibilização de outras vivências que não a cisgênera e heterossexual, fazendo parte da imposição eurocêntrica em relação as formas de viver e de reconhecimento das vidas entre humanas e não humanas. A linha entre o humano e não humano foi estabelecida pela colonialidade por meio de construções socioculturais que estabeleceram uma série de hierarquizações sociais com base na raça e no gênero. Assim, apenas o homem branco, europeu, heterossexual e cisgênero detinha inteligibilidade humana, podendo exercer o poder sobre a mulher branca, sobre homens negros e mulheres negras, bem como povos originários. Essa matriz de inteligibilidade sexo/gênero/raça pautava que vidas possuíam valor de humanidade e quais poderiam ser subjugadas. A segunda etapa da pesquisa envolveu relacionar como o transfeminismo se alia a decolonialidade de gênero na medida que afirma a necessidade de contestar discursos médicos, jurídicos, religiosos e estatais que imponham a hetero/cisgeneridade como uma verdade e releguem a uma condição subalterna, patológica, criminosa e imoral todas as outras vivências. Na perspectiva de gênero, a proposta decolonial é de causar fissuras à cis/heteronormatividade, desnaturalizando os discursos e disputando as narrativas sobre gênero e sexualidade. Para Vergueiro (2016) é preciso “pensar a intersecionalidade como autorreflexividade crítica, no sentido de re+pensarmos, re+des+construirmos e des+aprendermos nossas perspectivas políticas a partir de aprendizados e complexificações das leituras sobre o mundo”. Assim, decolonizar o gênero é um processo de identificação das cisnormatividades, das violências institucionalizadas e não institucionalizadas e buscar caminhos para a diversidade sexual e de gênero. Nesse sentido, é imprescindível decolonializar o sexo que segue o discurso ciscolonizador biológico e essencialista, restringindo as vivências de gênero aos órgãos sexuais. Para Nascimento (2021) a colonialidade constrói o gênero feminino a partir da vagina, tomado como órgão sexual feminino “por excelência”, naturalizado por meio do discurso biológico e médico, apontando as pessoas aptas a se “tornarem mulher”, relegando as demais mulheridades e feminilidades ao lugar inferior dentro das hierarquias sociais marcadas pela colonialidade do gênero. A ciscolonialidade afirma a compulsoriedade de formas binárias, com base na naturalização da ideia vagina-mulher-feminilidade/ homem-pênis-masculinidade, descartando outras possibilidades. A essa estabilidade sexo-gênero se dá por um processo de associação compulsória entre o genital e o gênero. Logo, haveria um sexo biológico feminino, que corresponderia, inexoravelmente, a uma mulher, e um sexo biológico masculino, que corresponderia a um homem (VIEIRA, 2018). As mulheres transexuais e travestis desafiam a lógica da colonialidade de gênero, da binaridade e da naturalização do sexo como uma verdade biológica, pois colocam em evidência a ilusão da coerência normativa que tenta enquadrar os corpos. A existência de pessoas trans e travestis revela que não há universalidade na constituição da relação entre genital e gênero. O transfeminismo, dessa forma, se filia às análises feministas, inclusive o feminismo negro e lésbico, sobre as relações de sexo e gênero com o intuito de desnaturalizá-las e apontar seus determinantes sociais e históricos. Uma das maiores contribuições teóricas do transfeminismo para pensar as relações de gênero diz respeito à crítica ao cissexismo. Se a produção dos discursos cissexistas é social e histórica, ela é passível de entrar em contradição e transformação, já que não são dados previamente imutáveis e tampouco resultados de uma pretensa verdade inscrita em alguma ordem biológica (VIEIRA, 2018). Percebe-se das análises realizadas que o transfeminismo contribui para a decolonialidade de gênero a partir da luta pela autodeterminação que coloca as pessoas trans como protagonistas de suas experiências subjetivas e rechaça o pensamento colonizador. Conclusões A colonialidade estabelece um controle dos corpos que se dá por uma constante tentativa de enquadramento. Esse controle utiliza de significações sociais como, por exemplo, a associação de que só pode ser homem se tiver pênis e só pode ser mulher se tiver vagina, pautando como os corpos devem ser vistos e como podem ser lidos. A limitação da diversidade, controle e eliminação dos corpos é fruto do Estado colonial que se perpetua com a colonialidade, estabelecendo marcadores de raça e gênero para promover violências institucionais e extermínio das corporalidades negras, transgêneras, homossexuais e pobres. A decolonialidade de gênero se alia ao transfeminismo como proposta de desvelar o processo de identificação das cisnormatividades, das violências institucionalizadas e não institucionalizadas e buscar caminhos para a diversidade sexual e de gênero. Referências bibliográficas LUGONES, María. “Rumo a um feminismo descolonial”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set.-dez. 2014. Disponível em http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38132698013. Acesso em NASCIMENTO, Letícia Carolina Pereira. Transfeminismo. 1. ed. São Paulo: Jandaíra, 2021. QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 117-142. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2591382/mod_resource/content/1/colonialidade_do_saber_eurocentrismo_ciencias_sociais.pdf. Acesso em: VIEIRA, Helena. O transfeminismo como resultado histórico das trajetórias feministas. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Explosão feminista. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade / Viviane Vergueiro. - 2016. 244 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Djalma Thürler. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Salvador, 2015. VERGUEIRO, Viviane. Pensando a cisgeneridade como crítica decolonial. In: MESSEDER, S., CASTRO, M.G., and MOUTINHO, L., orgs. Enlaçando sexualidades: uma tessitura interdisciplinar no reino das sexualidades e das relações de gênero [online]. Salvador: EDUFBA, 2016.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

BRITO, Marcelo et al.. DECOLONIALIDADE E GÊNERO SOB A PERSPECTIVA TRANSFEMINISTA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/437500-DECOLONIALIDADE-E-GENERO-SOB-A-PERSPECTIVA-TRANSFEMINISTA. Acesso em: 21/10/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes