A ESTRATÉGIA DA LITIGÂNCIA MANIPULATIVA NO CONTEXTO DA UBERIZAÇÃO

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-51  
Título do Trabalho
A ESTRATÉGIA DA LITIGÂNCIA MANIPULATIVA NO CONTEXTO DA UBERIZAÇÃO
Autores
  • Thalita Barreto Sarlo
  • Júlia Passos Manzoli
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 24 - "Eu só vou [trabalhar] se o salário aumentar": mas cadê o emprego? Perspectivas e desafios do trabalho no Brasil contemporâneo
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/436151-a-estrategia-da-litigancia-manipulativa-no-contexto-da-uberizacao
ISSN
Palavras-Chave
Litigância manipulativa, Uberização
Resumo
Thalita Barreto Sarlo Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro thalitasarlo@pq.uenf.br Júlia Passos Manzoli Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas sociais da UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro Bolsista Nota-10 FAPERJ juliamanzoli@id.uff.br Introdução A uberização do trabalho vem sendo estudada enquanto um fenômeno que caracteriza a generalização do trabalho mediado por plataformas digitais sem vínculo empregatício e com aparente insubordinação. Esse fenômeno possui uma diversidade de camadas de análise porque engloba questões pertinentes as mudanças no mundo do trabalho, questões regulatórias, questões relacionadas à tecnologia e à indústria digital e até mesmo questões de mobilidade urbana. Quanto às mudanças no mundo do trabalho desdobram-se outras camadas que têm sido exploradas no campo das Ciências Sociais, no campo do Direito do Trabalho e da Economia Política. Tratando-se de um fenômeno global, e da Uber em especial, como uma empresa transnacional que hoje adentra diversos países sem regulação trabalhista, algumas questões são importantes para começarmos a explorar o tema: Por que a Uber consegue operar sem regulação trabalhista? Existem especificidades no caso brasileiro? Para tratar dessas e outras questões, necessitamos compreender as transformações do capitalismo e as consequentes mudanças no mundo do trabalho. No entanto, em meio a esses questionamentos, surgiu em nossa pesquisa o termo “litigância manipulativa” como sendo uma espécie de estratégia utilizada pela Uber em território nacional, o qual será analisado de forma pormenorizada no presente estudo. A partir dessa breve exposição, o trabalho tem como principal objetivo analisar do que se trata a chamada litigância manipulativa a partir dos apontamentos feitos por magistrados, pesquisadores e membros do Parquet sobre o assunto. A metodologia utilizada será a de revisão bibliográfica, a partir do exame de trabalhos científicos, bem como da legislação trabalhista e de decisões judiciais nacionais. 1. Fundamentação teórica A partir do rompimento do modelo acumulação capitalista fordista, diversas mudanças ocorreram no capitalismo global cujas interpretações nos ajudam a construir um panorama capaz de situar a uberização nesse contexto. Robert Castel (1998) é um dos autores importantes para pensar essas transformações. O autor argumenta que o núcleo da questão social hoje é a existência de “inúteis para o mundo”, ou seja, uma parte considerável da população marcada por situações de incerteza e instabilidade, formando uma vulnerabilidade de massa que convive com uma sociedade ainda maciçamente salarial. A flexibilidade, a precarização, e as novas formas de emprego se tornaram cada vez mais gerais e comuns (LAVAL; DARDOT, 2016). Em consonância com Castro; Alvim; Nunes (2013) “velhos” problemas sociais são agravados e convive com “novos problemas sociais” decorrentes do neoliberalismo. No centro, a uberização chega num contexto de precarização conjuntural do trabalho. No Brasil, a uberização agrava uma precarização estrutural, tratando-se portando de uma “dupla precarização” (MACIEL, 2021) , o que nos faz observar uma condição alarmante: o Ifood e a Uber juntos são o maior empregador do Brasil. Tom Slee (2017) explicita em seu livro os primórdios da Uber situando-a no movimento da “economia do compartilhamento” tratando dentre outras coisas de uma dimensão ideológica da Uber que trabalha a seu favor. Este autor demonstra que esse movimento se caracteriza, na verdade, por serem modelos de negócios desregulados que concentram renda para uma pequena fatia bilionária da sociedade e que está atuando para precarizar o trabalho e mudar a dinâmica das cidades a seu favor e por fora das regras do Estado. A compreensão de Dardot e Laval (2016) pode ajudar a compreender o porquê a Uber tem atuado livremente (assim como outras empresas nesse modelo de negócio) na maioria dos Estados. Segundo os autores, o papel do Estado no neoliberalismo não é de um agente que foi retirado, mas que modificou as suas modalidades de intervenção em nome da “racionalização” e da “modernização” de empresas e da administração pública. Eles acrescentam que em muitos domínios pode-se falar de uma “coprodução público-privada das normas internacionais” que leva à produção de medidas e dispositivos nos campos fiscal e regulatório favoráveis aos grandes grupos oligopolistas, embora o Estado mantenha certa autonomia em alguns domínios, essa autonomia tem sido enfraquecida por poderes “supranacionais”. Os autores compreendem ainda, que a referência da ação pública não é mais o sujeito de direitos, mas um ator auto empreendedor. Essa referência tem como efeito atentar contra a lógica democrática da cidadania social, reforçando desigualdades sociais e as lógicas sociais de exclusão que fabricam um número crescente de “subcidadãos” e “não cidadãos” (LAVAL; DARDOT, 2016) ou ainda de “sobrantes” como chamou Castel (1998). A hipótese que sustentamos nesse trabalho é que o neoliberalismo é um sistema que atua, em muitas vias, contra a lógica da cidadania e dos direitos sociais, especialmente no campo do trabalho. Dessa forma, o não reconhecimento do vínculo empregatício no caso da Uber e outras plataformas digitais parece ser uma tendência, tanto no Brasil quanto em outros países. 2. Resultados alcançados Tendo em vista nosso objetivo na compreensão dos direitos trabalhistas enquanto ponto crucial da lógica democrática da cidadania social e dos direitos sociais propostos por Marshall, faz-se necessária a análise dos requisitos necessários para a configuração da relação empregatícia, que consoante os arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são, cumulativamente: a) pessoalidade; b) natureza não eventual do serviço; c) onerosidade; d) subordinação. A empresa Uber afirma que não há relação de subordinação entre a empresa e os motoristas do aplicativo, uma vez que se trata de uma empresa de tecnologia, e não de transporte, logo, o vínculo empregatício não poderia ser reconhecido. Tal fundamentação vinha sido aceita nos últimos anos pela maioria dos juízes trabalhistas e um dos objetivos deste estudo é investigar os motivos pelos quais esse entendimento jurisprudencial tem sofrido reformas nas Turmas Recursais. Em princípio, cumpre ressaltar o exposto por José Cairo Jr. (2019, p. 340) com relação a mudança da acepção clássica do conceito de subordinação, pois com o impacto da globalização e o crescimento das tecnologias, a subordinação subjetiva, que no tradicional sistema de hierarquia exigia a necessidade de ordens diretas do empregador, restou ultrapassada, dando lugar a subordinação estrutural, compreendida como um estado permanente de subordinação potencial e que consoante o disposto no art. 6º da CLT “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. Todavia, ao contrário da impressão que a UBER pretende passar, no sentido da existência de uma jurisprudência uníssona, o Desembargador Relator do processo nº 0010258-59.2020.5.03.0002, cuja litigância ocorreu entre “Rodrigo de Almeida Macedo versus Uber do Brasil Ltda”, apontou, em seu relatório, o fato de que a empresa tem buscado distorcer o estado da arte da jurisprudência, uma vez que esta, tendo conhecimento do entendimento do Relator com relação ao reconhecimento do vínculo empregatício, apresentou uma petição de acordo com o trabalhador 24 horas antes da audiência (ORSINI, LEME, 2021). Nesse sentido, o Douto Desembargador do TRT3 demonstrou em seu voto a estratégia que vem sendo utilizada pela empresa, explicando que quando a Uber visualiza razões suficientes para supor que o órgão julgador decidirá de forma contrária ao seu interesse, se dispõe a celebrar acordos, o que, segundo o ilustre Relator: (...) deixa transparecer uma possível estratégia de se evitar a formação de jurisprudência no sentido do reconhecimento de vínculo empregatício (BRASIL, 2020a). Não obstante, tal estratégia foi denominada por Orsini e Leme (2021) como litigância manipulativa, obstaculiza o acesso à justiça, uma vez que prejudica e distorce o processo de construção e concretização do direito por meio da jurisdição. Cumpre ressaltar, ainda, que tal entendimento foi exposto também pelo Ministério Público do trabalho, que por ocasião de sua manifestação nos autos do processo supramencionado, apresentou uma pesquisa jurimétrica cujos resultados também apontam para a existência da dita estratégia pela plataforma. Conclusões Ultrapassada a questão acerca da existência de uma estratégia por parte da UBER com a provável intenção de desestimular os trabalhadores que tenham a intenção de levar seus casos a apreciação da justiça, verifica-se, a partir do caso concreto, uma via que atua (ainda que de forma indireta) contra o reconhecimento de vínculo e a concretização dos direitos sociais. Referências bibliográficas CASTEL, Robert. Metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998. CASTRO, A. Carla; ALVIM, R. L, Joaquim; NUNES, G. Tiago. Cidadania no Brasil e (nova) questão social: alguns elementos para problematizar uma relação. Sociedade em Debate, Pelotas, 19(1): p. 61-86, jan.-jun./2013. DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, SP: Editora Boitempo, 2016. MACIEL, Fabrício. Nova sociedade mundial do trabalho: para além de centro e periferia? ORSINI, Adriana Goulart de Sena; LEME, Ana Carolina Reis Paes. Litigância manipulativa da jurisprudência e plataformas digitais de transporte: levantando o véu do procedimento conciliatório estratégico. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 10, n. 95, p. 24-44, jan. 2021.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
DOI

Como citar

SARLO, Thalita Barreto; MANZOLI, Júlia Passos. A ESTRATÉGIA DA LITIGÂNCIA MANIPULATIVA NO CONTEXTO DA UBERIZAÇÃO.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/436151-A-ESTRATEGIA-DA-LITIGANCIA-MANIPULATIVA-NO-CONTEXTO-DA-UBERIZACAO. Acesso em: 24/05/2025

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