A MEMÓRIA OBJETAL EM RICOEUR COMO FUNDAMENTO PARA O ESTUDO DO CARÁTER VERITATIVO DA MEMÓRIA

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
A MEMÓRIA OBJETAL EM RICOEUR COMO FUNDAMENTO PARA O ESTUDO DO CARÁTER VERITATIVO DA MEMÓRIA
Autores
  • JOSE RICARDO OLIVEIRA MELLO
  • MARCELLA MARQUES DOS SANTOS CERILO
  • ELTON MOREIRA QUADROS
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/432456-a-memoria-objetal-em-ricoeur-como-fundamento-para-o-estudo-do-carater-veritativo-da-memoria
ISSN
Palavras-Chave
Pares opsicionais; fenomenologia; hermenêutica; epistemologia.
Resumo
Introdução Dentre as contribuições filosóficas de Ricoeur (1913-2005), destacamos como uma das mais complexas as suas reflexões quanto ao fenômeno da memória. É tanto que, com o objetivo de enriquecer a discussão dessa inquietação filosófica, o autor propõe colocar a memória no centro da sua fenomenologia hermenêutica, ao debater “de que se lembra” para, posteriormente, formular a questão “de quem se lembra” e os respectivos desdobramentos relacionados aos sujeitos. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que a memória objetal proposta por Ricoeur é fundamental para compreendermos o caráter veritativo da memória, tendo em vista que após o filósofo determinar a memória como centro da sua investigação filosófica, e propor reflexões quanto a condição temporal, as diferenciações entre a memória e a lembrança, a epistemologia da memória e o estabelecimento dos pares, tornou-se possível introduzir as discussões a respeito da memória e a sua correspondência com a realidade. 1. Fundamentação teórica Em A memória, a história, o esquecimento Ricoeur ([2000] 2018), ao colocar em movimento algumas de suas obras anteriores, analisa o fenômeno da memória tendo como base a abordagem fenomenológica. O filósofo pretende nesta obra retomar uma lacuna deixada na problemática discutida em Tempo e Narrativa ([1983] 2010) e Si-mesmo como um outro ([1990] 2014), e para tanto, faz uma advertência quanto a existência de impasses relacionados a experiência temporal e a operação narrativa que necessitavam de elucidações ulteriores. A matriz epistemológica do presente trabalho é fundamentada na fenomenologia hermenêutica, método une a fenomenologia à hermenêutica, tradições que segundo Fonseca (2016) são anteriores a Ricoeur e fazem parte do seu caminhar filosófico. Dessa forma, introduziremos algumas categorias ricoeurianas, partindo da sua análise do pensamento grego clássico, quanto as diferenças entre a memória e a lembrança até o estabelecimento de pares oposicionais que estabelecem o caráter veritativo da memória. 2. Resultados alcançados Ricoeur (2018) inicia o seu percurso investigativo refletindo a respeito dos mecanismos que constituem a lembrança. Por esta razão, a sua inquietação filosófica assume uma postura da memória objetal, com a proposta de colocar a memória no centro da sua fenomenologia hermenêutica, ao debater “de que se lembra” para posteriormente formular a questão “de quem se lembra” e os respectivos desdobramentos relacionados aos sujeitos. Como aporte teórico da discussão, Ricoeur revisita o pensamento dos gregos (Platão e Aristóteles), ao realizar uma espécie de antropologia filosófica (resgatando as discussões dos antigos, ao construir a ideia de que o ser humano é frágil e desproporcional, portanto, falível) para investigar como ocorrem os traços mnésicos (relacionados à memória), utilizando-se da metáfora da marca de cera, cujo sentido expressa a ideia de que a memória é marcada por algo exterior (neste caso o sinete). É nesse momento, que Ricoeur (2018) coloca em evidência a distinção entre memória e imaginação, pois, a pergunta “de que se lembra” nos remete a uma recordação que já foi experimentada no passado e está sendo vinculada de alguma forma ao presente numa associação de ideias na memória e na imaginação, “se essas duas afecções estão ligadas por contiguidade, evocar uma – portanto, imaginar – é evocar a outra, portanto, lembrar-se dela” (RICOEUR, 2018, p. 25). A digressão à contribuição grega proposta por Ricoeur fez-se necessária também para enriquecer o estudo fenomenológico da memória objetal, mas também para introduzir o caráter veritativo da memória, no que diz respeito a sua correspondência com a realidade. “Assim, Aristóteles apresenta uma definição de memória que passa pela impressão compreendida como imagem, que foi produzida em nós por uma afecção” (QUADROS, 2016, p. 39). Para o filósofo, “a memória está no singular, como capacidade e como efetuação, as lembranças estão no plural: temos umas lembranças” (RICOEUR, 2018, p. 41). Nesse aspecto, a memória é considerada como algo intrínseco à condição humana e essencial para a conservação do conhecimento, ao passo que a lembrança é o conteúdo a ser “armazenado” em sua pluralidade de acontecimentos. Por conta disso, segundo Fonseca (2016) as experiências vividas por determinado sujeito influenciam na memória ao criar um conjunto de lembranças que consequentemente representará a realidade vivida (tal como lembrada, uma vez que o esquecimento também se faz presente na condição humana). Em outras palavras, ao estabelecer algo como verdadeiro acreditando-se como um acontecimento, a memória torna-se a própria realidade, e terá, conforme veremos mais adiante, um débito com a verdade. Como forma de ampliar as discussões quanto as diferenciações entre a memória e a lembrança, Ricoeur (2018) estabelece pares oposicionais, que tem por finalidade distinguir os graus de intensidade e sentido da memória: memória e hábito; evocação e busca; reflexividade e mundanidade. Isso porque, ao considerar a memória como um fenômeno que não está limitado a uma questão essencialmente cognitiva, para colocar em evidência o objeto da memória, é dado continuidade ao estudo utilizando de distintas abordagens. Segundo Ricoeur (2018) o par memória e hábito, nos remete a uma experiência que foi adquirida anteriormente, mas que se difere quanto ao nível de profundidade das lembranças e recordações que foram inseridas. Isso porque, enquanto o hábito é considerado como uma memória que não foi marcada (ao lembrar-se como), a memória evidencia uma memória marcada (ao lembrar-se que). As duas categorias exercem uma função antagônica, se considerarmos que o hábito é um ato contínuo que se manifesta no presente, ao passo que a memória nos remete a algo do passado, que havia acontecido. O segundo par de opostos nos remete a evocação e busca (ou recordação), que se relaciona respectivamente com os conceitos de mneme e anámnésis propostos por Aristóteles. A noção de tempo é mais uma vez utilizada como parâmetro para diferenciar esses fenômenos, tendo a evocação como o aparecimento, no presente, de uma lembrança, em outras palavras, algo que aconteceu no passado e que ressurge em determinada ocasião. Já a busca consiste em um esforço para trazer algo já sabido ou vivenciado para combater o esquecimento. Portanto, a evocação é a manifestação de uma lembrança atual, sem ter necessariamente uma intenção ou determinação específica. E é considerada como ponto inicial para o processo de confirmação, ou atestação da veracidade do que foi evocado, dando valor ao saber se fidedigno à realidade de um passado. A busca, por outro lado, nos leva a percorrer um caminho mais longo, pois não se limita apenas a encontrar algo esquecido no tempo, mas sim de realizar um esforço para combater o esquecimento ativamente. Por fim, os pares reflexividade/mundanidade guardam uma relação tanto de polaridade como de complementaridade, pois, segundo Ricoeur (2018), nós não lembramos apenas quilo que depende de nós, pois uma parcela da nossa memória está relacionada à interação com os outros e até mesmo com o espaço onde vivemos. A reflexividade está situada na interioridade, como aquilo que o sujeito experimentou, aprendeu e sentiu no âmbito da sua individualidade, ao passo que a mundanidade diz respeito a influência dos lugares e até mesmo a localização do corpo no espaço. Os pares oposicionais servem como base para compreendermos que a concepção ricoeuriana de memória guarda uma relação direta com a condição temporal, no sentido de que existem objetos do passado que são encadeados ao presente. Mas é na possibilidade de uso e abuso da memória, que Ricoeur (2018), num momento posterior de sua obra, analisa a consagração ou ameaça do caráter veritativo da memória, como “uma busca específica de verdade está implicada na visão da ‘coisa’ passada, do que anteriormente visto, ouvido, experimentado, aprendido” (RICOEUR, 2018, p. 70). Conclusões Conforme pudemos observar, o embrião dessa discussão está presente na problemática sustentada por Platão de que a memória se conjuga ao esquecimento, segundo o qual a correspondência com a verdade dos fatos é fundamental para a validade do conhecimento, todavia, carece de uma categoria essencial que será introduzida por Aristóteles e a sua relação com o tempo. A contribuição dos antigos gregos fundamentará o aprofundamento da tese ricoeuriana de que a memória não é apenas uma técnica, mas sim a possibilidade do sujeito se reconhecer e assumir uma posição perante as questões imbricadas ao seu estatuto veritativo. De igual forma, o estabelecimento dos pares oposicionais em suas contradições e complementaridades é essencial para atender a proposta de reflexão que categoriza a memória como uma forma de acessar o passado, ao atestar uma “representação de uma coisa anteriormente percebida” (RICOEUR, 2018, p. 27), tendo como premissa a diferenciação entre a memória e a lembrança, bem como a correspondência com a verdade do que foi experienciado pelos sujeitos. Referências bibliográficas FONSECA, Maria de Jesus Martins. Introdução à hermenêutica de Paul Ricoeur. Revista Millenium, Instituto Politécnico de Viseu, n. 36, p. 1-49, 2016. Disponível em: https://revistas.rcaap.pt/millenium/article/view/8284/5896 Acesso em 14 de out. QUADROS, Elton Moreira. Memória, Reconhecimento de si e Alteridade no pensamento de Paul Ricoeur. Tese (Doutorado em Memória, Linguagem e Sociedade) – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista - BA, 2016. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas/SP, Editora da Unicamp, 2018. RICOEUR, Paul. O Si-mesmo como outro. São Paulo: Martins Fontes, 2014. RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. vol. 3. São Paulo: WMF, 2010.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

MELLO, JOSE RICARDO OLIVEIRA; CERILO, MARCELLA MARQUES DOS SANTOS; QUADROS, ELTON MOREIRA. A MEMÓRIA OBJETAL EM RICOEUR COMO FUNDAMENTO PARA O ESTUDO DO CARÁTER VERITATIVO DA MEMÓRIA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/432456-A-MEMORIA-OBJETAL-EM-RICOEUR-COMO-FUNDAMENTO-PARA-O-ESTUDO-DO-CARATER-VERITATIVO-DA-MEMORIA. Acesso em: 15/12/2025

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