PARÁFRASE E METALINGUAGEM NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
PARÁFRASE E METALINGUAGEM NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA
Autores
  • TAISE MARIA MARCHIORI SOARES
  • Amanda Farias Teski De Oliveira
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 34 - Estudos dialógicos do discurso e Ensino da Língua Materna e Estrangeira
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/431891-parafrase-e-metalinguagem-no-codigo-penal-brasileiro--uma-abordagem-enunciativa
ISSN
Palavras-Chave
Paráfrase, metalinguagem, Código Penal brasileiro
Resumo
Introdução O presente estudo tem por objetivo oferecer uma possibilidade de abordar a questão da paráfrase no discurso normativo a partir de um ponto de vista enunciativo. Tal recorte se torna relevante na medida em que o terreno do discurso normativo se quer isento de subjetividade, se autodenominando “neutro”, ou seja, sem qualquer interferência ou marcas da presença do sujeito na sua materialidade discursiva. Com base nos pressupostos da Linguística da Enunciação, há que se considerar que o discurso normativo, como resultado de uma atividade enunciativa realizada por sujeitos, não pode ser desprovido de subjetividade. Foram analisados enunciados extraídos do texto do Código Penal Brasileiro vigente, com o intuito de observar paráfrases em sequências em que os legisladores necessitaram dar esclarecimentos e definições acerca de termos de alta relevância. Fundamentação Teórica Atualmente, de bastante interesse pela linguística do Texto e do Discurso, e em particular, pelas teorias da enunciação, as questões sobre paráfrase e metalinguagem recebem novas nuances desenhadas por Bally, Benveniste, Jakobson, Orechionni, Ducrot, Fuchs e outros. Neste sentido, cabe ressaltar que as contribuições dessa área do conhecimento linguístico têm sido significativamente absorvidas pelos professores de língua portuguesa e levados para a sala de aula, na forma de propostas para aprimorar as habilidades de leitura e produção textual dos estudantes. Assim, fez-se necessário revisitar a teoria enunciativa de Catherine Fuchs para que pudéssemos vislumbrar a perspectiva desejada de tratamento da paráfrase. Em um segundo momento, é apresentado um recorte de algumas sequências enunciativas extraídas do Código Penal Brasileiro, tendo este sido configurado dentro da tipologia textual proposta por Marcuschi (2008) como pertencente ao “Gênero Jurídico”. As sequências em foco ajudarão a verificar a existência de relações parafrásticas existentes entre tais enunciados. A presente proposta se inscreve em uma linha de pensamento segundo a qual não se pode considerar que os discursos normativos sejam neutros, ou desprovidos da instância de sujeito, em que o trabalho de tais sujeitos se limitaria a realizar a subsunção da norma geral ao fato concreto. Nesta perspectiva, toda atividade jurídica é uma prática ideológica, reproduzindo valores, jogos políticos e sociais. Resultados alcançados Em relação às relações de paráfrase, já na definição de “crime”, conceito chave para o texto em questão, pode-se identificar uma definição importantíssima e que se encontra presente na Lei de Introdução ao Código Penal, em seu primeiro artigo: “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”. Assim, teríamos potencialmente “crime” como uma primeira sequência X, e “infração penal....” como a sua reformulação parafrástica Y. De acordo com a classificação proposta por Fuchs, segundo a qual há diferentes níveis de interpretação dos semantismos das sequências genéricas X eY, as sequências acima poderiam ser o que a autora denominou como paráfrases sobre-determinantes, ou seja, reformulações que vão do menos ao mais determinado, do menos ao mais explícito. Isto ocorre quando a informação em X, decodificada em um nível que não o locutivo, é reformulada na sequencia Y, decodificada em nível locutivo. O protótipo das paráfrases do tipo sobre-determinante é a interpretação, que visa explicar, dizer o sentido, tornar manifesto um sentido que se apresentava como mais ou menos escondido, restituir a verdade do sentido. Em todos os casos, a relação de paráfrase é assim orientada: é Y que explica X, e não o inverso. Na definição de crime supra mencionada, a sequência “infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa” (sequência Y) explica a sequência X, “crime”. Parece ser possível estender a reflexão a outras definições presentes no mesmo código, como por exemplo, à definição de “contravenção”, no mesmo artigo da lei de introdução. Temos, assim, que “contravenção [considera-se] a infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Poderíamos considerar “Contravenção” a sequência Z a ser explicitada pela sua reformulação parafrástica W, “infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Já no corpo no código penal propriamente dito, artigo 13, é interessante a definição de “causa” do crime: “o resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu a causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Neste par de sequências em relação de paráfrase, podemos considerar “causa” como sequência A, e “ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” como sua reformulação parafrástica B, que explicita a sequência de partida A. Por outro lado, a questão se reveste de novos contornos quando aparecem pontos de emergência da subjetividade, sobretudo quando os valores da sociedade, do que se considera moral ou imoral, estão em jogo. Por isso, torna-se relevante trazer à baila o primeiro parágrafo do artigo 121 do mesmo código, quando faz referência a homicídio, configurando as seguintes hipóteses de diminuição de pena: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. Nota-se que, nesse parágrafo, encontramos três evidências da presença do sujeito que, ainda que se queira “neutro”, se faz presente na tessitura enunciativa, através das expressões “relevante valor social ou moral”, “violenta emoção” e “injusta provocação”. Por outro lado, isso não deveria ser tão surpreendente se observarmos que o assunto de que trata o artigo, tipificado na fórmula “matar alguém”, é um dos assuntos mais antigos dos códigos de moral, religiosos ou de direito da história da humanidade, a saber, o direito à vida. Depreende-se da leitura do parágrafo acima que se o motivo que dá origem à eliminação da vida de alguém expressar “relevante valor social ou moral”, a punição poderá vir a ser menos severa. O adjetivo “relevante” modifica “valor social” e “valor moral” significativamente. Estamos diante de um elemento – o valor do motivo – que será modificado segundo uma determinada escala que confere graus ao elemento “valor”. O uso de “relevante”, nesse caso, parece assumir o valor máximo nessa escala imaginária, causando um efeito de sentido segundo o qual não será qualquer motivo social ou moral que terá condições de privilegiar o homicídio. Essa ideia se fortalece tendo em vista que, na Exposição de Motivos, fala-se em intensidade do dolo. Por essas razões, não se pode considerar que “relevante” seja um adjetivo objetivo, pois um objeto, uma ação ou um comportamento não são relevantes ou irrelevantes considerados em si mesmos, senão por certa valoração conferida a eles. Nesse caso, temos uma avaliação qualitativa ou quantitativa do objeto denotado pelo substantivo determinado, e que, segundo Kebrat-Orecchioni (1980), tem sua utilização fundada sobre uma norma dupla: interna ao objeto qualificado, e específica do sujeito, na medida em que este demonstra sua ideia da norma, do consenso. Por esta razão, iremos considerar o adjetivo “relevante” como avaliativo axiológico, visto que traz para o substantivo qualificado um julgamento de valor. Voltando, então, à questão sobre a definição oferecida pelo sujeito legislador para determinar o que é “relevante valor social” é expressa, em parte, por um padrão que faz referência clara à ordem moral, como podemos perceber no texto da Exposição de Motivos: “Por ‘motivo de relevante valor social ou moral’, o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico), a indignação contra um traidor da pátria, etc”. (p.220). Daí pode-se concluir que, caso se trate de uma avaliação fundada na moral, o adjetivo “relevante” não poderia ter um valor definitivo e universal, como sugerem as palavras “em si mesmo” do parágrafo acima. Logo, vemos que o valor de “relevante” é relativo, não absoluto. Conclusões Ao longo do percurso, vimos que a interface e diálogos entre os campos linguístico e jurídico mostrou-se bastante produtiva e de especial interesse a todos aqueles que observam a língua em uso no seio da sociedade, como um organismo vivo e pulsante. O sujeito parafraseador das sequências do Código Penal faz uso da metalinguagem quando, ao incumbir-se da definição de alguns itens, toma a própria linguagem como objeto, estabelecendo relações de paráfrase entre sequências da língua. Ao fazê-lo, efetua um julgamento de natureza metalinguística, pelo qual identifica os semantismos associados a sequências consideradas, apagando as diferenças consideradas como não pertinentes em dada situação. De acordo com a classificação sugerida por Fuchs, foi possível perceber que as paráfrases presentes nos recortes são do tipo sobre-determinado, ou seja, partindo de um termpo menos determinado (como “crime, “causa”) que foram explicados por uma reformulação parafrástica mediada pelo verbo “considera-se”. Espera-se que a presente reflexão possa oferecer contribuições para as áreas de estudo sobre paráfrase, bem como às pesquisas de cunho educacionais que visam à promoção de novos horizontes de abordagem dos fenômenos textuais e discursivos.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SOARES, TAISE MARIA MARCHIORI; OLIVEIRA, Amanda Farias Teski De. PARÁFRASE E METALINGUAGEM NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/431891-PARAFRASE-E-METALINGUAGEM-NO-CODIGO-PENAL-BRASILEIRO--UMA-ABORDAGEM-ENUNCIATIVA. Acesso em: 06/07/2025

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