A DESUMANIZAÇÃO: RELAÇÕES DE PODER EM ABU GHRAIB

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
A DESUMANIZAÇÃO: RELAÇÕES DE PODER EM ABU GHRAIB
Autores
  • Marina Pupo
  • Eliane Righi de Andrade
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/431836-a-desumanizacao--relacoes-de-poder-em-abu-ghraib
ISSN
Palavras-Chave
Abu Ghraib, Tortura, Memória, Relações de poder
Resumo
A DESUMANIZAÇÃO: RELAÇÕES DE PODER EM ABU GHRAIB Marina Pupo Mestranda do Programa de Linguagens, Mídia e Arte da Pontifícia Universidade Católica de Campinas Bolsista CAPES marina.pupo@hotmail.com Eliane Righi de Andrade Professora Doutora Pontifícia Universidade Católica PPG LIMIAR eliane.righi@puc-campinas.edu.br Introdução Nosso interesse como pesquisadoras se dá em um momento particular da história da prisão de Abu Ghraib, anos depois do início da Guerra ao Terror, a partir do momento em que fotografias de torturas cometidas na prisão vieram à tona na imprensa mundial, em 2004. Quando entramos em contato com essas fotos, deparamo-nos com corpos abjetos (BUTLER, 2003), nus e esquecidos. Ou, ainda, corpos animalizados, aprisionados pelo bando soberano do Estado (AGAMBEN, 2002). Estudaremos, então, o registro das fotografias tiradas na prisão de Abu Ghraib como fragmentos de memória (DIDI-HUBERMAN, 2017). Essa reentrada nas fotografias implica um olhar subjetivo – que se dará em forma de autonarrativa –, pois é um movimento interpretativo que acontece no momento atual, depois de quase vinte anos de sua divulgação na imprensa internacional; elas nos trazem novos efeitos de sentido a partir de reinterpretações, em que deslocamos o mal-estar por meio do deslize dos significantes em uma cadeia de significação. 1. Fundamentação teórica Nosso olhar nesta pesquisa recai, inevitavelmente, sobre os corpos dos nomeados terroristas que um dia tiveram um sentimento de pertencimento; corpos que pertenciam a sujeitos que foram dessubjetivados pela tortura e pela morte. A Guerra do/no Iraque nos mostra como as tecnologias de poder, pensando ainda com Foucault (1995), e a (necro)política (MBEMBE, 2018), cada vez mais, dedicam-se ao processo de desumanização do outro, do estrangeiro, daquele que não é nós. Acreditamos que através da análise das fotografias é possível discutirmos o processo de distanciamento político do sujeito que ali se encontra(va) – enquanto memória – e observamos o inquietante (FREUD, 1919) que temos dentro de nós, tendo em conta a violência que alimenta o processo de desumanização do outro. As imagens que aqui trazemos são o “objeto” de nossa pesquisa que se volta a esses (não) sujeitos. Ao nos voltarmos aos corpos nus retratados nas fotografias, não apenas como fragmentos de memória, mas como partes, fragmentos de si, coloca-se uma questão sobre suas vidas nuas (AGAMBEN, 2002), considerando sua inclusão no direito por meio de sua exclusão. Assim, utilizamos aqui a máxima agambiana da sacralidade da vida do homem-lobo, já que trabalhamos com a sua possível animalização. No que se nomeou, na disputa de narrativas que mencionamos, como uma ação “civilizatória” – por parte do governo estadunidense –, esses corpos desprovidos de condição humana são adestrados por tecnologias disciplinares do animal-homem, que fazem de seu corpo um espaço para atuação da necropolítica (MBEMBE, 2018), onde a guerra se justifica em detrimento da existência de determinado nós. Em outras palavras, em torno do trauma nacional dos EUA, perpetrado em 11 de setembro, há uma passibilidade e aceitação da morte de alguns para a sobrevivência de outros. A “teoria do monstro”, proposta por Jeffrey Cohen (2000) nos parece coerente também aqui, já que a partir dela podemos compreender como uma população marginalizada, caracterizada como minoria vulnerável, oferece riscos ao status quo por representar algum desvio da normatividade, tais como orientação sexual, identidade de gênero, raça e/ou etnia, que é o caso aqui, agravado pelas diferenças culturais e religiosas. O monstro, portanto, é uma construção social que nasce em certo contexto cultural, surgindo em situações de crise, quando a “normalidade” se sente ameaçada. No caso dos EUA, sua retórica nacionalista construiu um discurso que perpassa o espectro do terrorismo, de modo a fazer crer que os “terroristas” têm merecimento de sofrer torturas e, quem sabe, até morrer. Esse processo de exacerbação do choque entre culturas, que se transforma em monstro é, enfim, justificativa para o extermínio de uma delas (a menos “familiar” em relação às culturas hegemônicas), de modo a parecer um ato heroico (COHEN, 2000). A vulnerabilidade aqui presente é a raça, já que tratamos de pessoas do Oriente Médio e de “não-brancos”. Essas narrativas de miscigenação aparecem para reiterar políticas de exclusão, em que o monstro é o outro, o estranho, o estrangeiro, sendo proibido de se demarcar espaços sociais em que esses corpos privados se movem. Trata-se, então, de um processo de desumanização, o qual é midiatizado e narrativizado, a partir de um ponto de vista que justifica não só a perda de humanidade, mas também – e como consequência – a perda da vida. Trataremos dessa precariedade pensando nessa desumanização, nesses corpos monstruosos a partir da discussão que Judith Butler (2011) faz do conceito levinasiano de rosto; trazemos a noção de “rosto” para exemplificar “[…] a maneira pela qual outros fazem reivindicações morais sobre nós, direcionam demandas morais a nós, as quais não pedimos, mas que não somos livres para recusar” (BUTLER, 2011, p. 16). Nesse sentido, o rosto traz consigo o que é precário em outra vida, sendo possível mobilizar esse conceito para, como Butler (2011) afirma, enxergar a condição de (des)humanização de um indivíduo em seu estado de fragilidade. 2. Resultados alcançados Pensando nas fotos da prisão de Abu Ghraib divulgadas online como material de análise, o qual constrói um arquivo de memória sobre o que lá ocorreu, é importante citar que nos apropriamos dos conceitos de arquivo-documento e de arquivo-monumento de Andrade e Almozara (2016) para poder realizar a análise aqui apresentada. As fotos de Abu Ghraib, portanto, enquanto documentos, tornam-se monumentos a partir do momento em que podemos revisitá-las e com elas produzir sentidos outros; para nós, a memória discursiva é o ponto do qual partimos para produzir o punctum: aquilo que transborda a foto, o acaso que nos punge e que também nos mortifica e nos fere (BARTHES, 1984), transbordando os sentidos não marcados em sua superfície. Isso porque revisitamos as fotografias por outro olhar, em outra perspectiva subjetiva, que não a dos perpetradores das torturas (avalizados pelas políticas norte-americanas). Revisitamo-las no hoje, quase vinte anos após elas serem divulgadas pela imprensa internacional. Revisitamo-las enquanto mulheres brancas, brasileiras. E essas fotos nos trazem novos efeitos de sentido a partir de reinterpretações, em que deslocamos o mal-estar por elas produzido por meio do deslize dos significantes em uma cadeia de significação que nos remete a outras memórias que nos constituem como sujeito. Como mencionado, a Guerra do Iraque foi uma guerra que, dentre outros objetivos, buscou destruir a subjetividade dos corpos iraquianos, aprisionados pelo bando soberano do Estado (estadunidense). Uma de suas práticas era a animalização do prisioneiro, a qual pode ser reconhecida na Imagem 1, em que uma soldada enlaça um iraquiano com uma coleira e, em uma cena de “levar o cão para passear”, demonstra o quão desumanizado foi esse corpo, já que aparecia como um animal bravo, selvagem. A coleira indica o desejo de domesticação de tal corpo, ao mesmo tempo em que lhe impõe uma objetificação, tirando-lhe sua humanidade. Levar o prisioneiro à condição de animal, em uma sujeição ainda maior, parece remeter sua vida à condição de zoé, como apontaria Agamben (2002). Imagem 1: Soldada e prisioneiro Fonte: https://www.businessinsider.com/abu-ghraib-case-reopened-2014-3 Na imagem 2, com o rosto coberto por uma roupa íntima, um prisioneiro aparece acorrentado em uma cama de ferro. Em pé, não sabemos quanto tempo ele ficou ali, amarrado como um animal em um frigorífico, após o abate. Em toda a exposição de seu corpo nu, o rosto é encoberto, não deixando vir à tona as marcas expressivas de dor ou revolta, as quais poderiam insinuar que um sujeito ali habita. Essa recusa do contato visual nos leva de volta a Butler (2011), quando comenta que os rostos, no sentido levinasiano de humanização, “direcionam demandas morais a nós, as quais não pedimos, mas que não somos livres para recusa” (BUTLER, 2011, p. 4). Assim, talvez seja possível inferir que a prática de tapar os rostos busca desumanizá-los para que não se encare o outro como sujeito, assim como seu sofrimento como humano, o que poderia levar a um gesto de empatia por ele e um reconhecimento de sua humanidade. Imagem 2: Corpo nu Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Abu_Ghraib_63.jpg Conclusões Conforme apontamos, as fotografias em si não são apenas tratadas como documentos da tortura ali realizada, mas como monumentos. Isso se dá a partir do momento em que podemos revisitá-las e com elas produzir sentidos outros, que tocam nossa memória discursiva, no tempo e no espaço em que nos encontramos hoje. Para nós, essa memória é de onde partimos para produzir o punctum (BARTHES, 1984) como efeito de sentido que, conforme mostramos, voltou-se, principalmente, à desumanização e representações de corpos monstruosos. Referências bibliográficas AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Trad. Henrique Burigo, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. ANDRADE, Eliane Righi de; ALMOZARA, Paula Cristina Somenzari. A construção da memória do sujeito contemporâneo a partir de arquivos-monumentos. In Revista Rua, N. 22, Vol. 1, Jun. 2016. BUTLER, Judith. Vida precária. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, 2011, n.1, p. 13-33.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PUPO, Marina; ANDRADE, Eliane Righi de. A DESUMANIZAÇÃO: RELAÇÕES DE PODER EM ABU GHRAIB.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/431836-A-DESUMANIZACAO--RELACOES-DE-PODER-EM-ABU-GHRAIB. Acesso em: 21/08/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes