REALISMO E O (NOVO) REAL NA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
REALISMO E O (NOVO) REAL NA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA
Autores
  • Johanna Gondar Hildenbrand
  • Francisco Ramos de Farias
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/431771-realismo-e-o-(novo)-real-na-imagem-cinematografica
ISSN
Palavras-Chave
Realismo. Cinema. Trauma
Resumo
O objetivo do presente trabalho consiste em tratar o realismo, ou melhor de um novo tipo de realismo estético no cinema. Em suas diversas modalidades esses realismos nos ajudarão a pensar o que está em jogo na transformação da sensibilidade e da memória em nossa época. Walter Benjamin já havia afirmado que nossa sensibilidade e nossa percepção são históricas, sofrendo variações em diferentes épocas. Partindo dessa ideia, buscaremos entender o modo pelo qual a diferença estética que se verifica entre diferentes momentos do realismo produz e expressa novas percepções, implicando também uma outra relação com a memória. Para tanto, antes de discutirmos o que está sendo chamado de novo realismo, iremos compreender o que significa o realismo nas artes, a partir de sua primeira concepção para, a partir daí, entendermos o realismo no cinema e suas diferentes formas. Iremos pensar o cinema realista seguindo as indicações de André Bazin sobre a relação estabelecida entre espectador e obra cinematográfica. A concepção de um novo realismo será abordada com base nas ideias do historiador de arte Hal Foster que, em seu texto O Retorno do Real (2014), parte de uma releitura das artes plásticas desde os anos 1960 para propor uma mudança na perspectiva do realismo nas artes. Segundo Foster, o que antes era percebido por intermédio de contemplação e experiência de uma obra de arte, converte-se agora em força de irrupção sobre o espectador, na forma de um “realismo traumático”. Iremos desenvolver a relação entre filme e espectador como uma relação traumática e pensar como essa relação afeta a construção de nossa memória e a apropriação de nossa experiência na atualidade. A arte realista surge na Europa nas últimas décadas do século XIX. Essa nova tendência estética se desenvolve juntamente com o crescimento da industrialização nas sociedades. A arte realista se caracteriza por realizar uma ilusão figurativa plausível de algumas pessoas e objetos como eles aparecem no mundo. Os cenários passam a ser urbanos e o social passa a ser valorizado como temática. O realismo no cinema é o tema que mais irá nos interessar. Jacques Aumont, em seu livro A estética do filme (1995, p. 134), diz que para abordar esse assunto “é necessário distinguir realismo dos materiais de expressão (imagens e sons) e realismo do tema dos filmes”. Para ele o cinema jamais chega a reproduzir a realidade tal como ela é. Mesmo quando ele visa reproduzir a realidade, ele necessariamente utiliza imagens e sons que são produto de regras e convenções bastante variáveis na história e nas diferentes sociedades. Os avanços tecnológicos não estariam aproximando o cinema da realidade, eles apenas estariam funcionando segundo um novo tipo de convenções e regras. A cada etapa de avanços tecnológicos parece que o cinema se aproxima mais da realidade em relação a sua etapa anterior; contudo, trata-se apenas da produção de um novo tipo de “realismo”, diferente dos anteriores, que também tinham essa pretensão. Um dos maiores defensores das teorias realistas cinematográficas foi André Bazin e a ideia de um novo realismo no cinema pode ser entendida principalmente no livro O que é o cinema? (2014). Bazin talvez tenha sido o primeiro crítico a perceber uma nova relação entre filme e espectador que surge com o cinema moderno. Nessa nova relação, o espectador deve construir um sentido para si próprio mediante o que assiste na tela cinematográfica, ele, de alguma forma, participa da criação do sentido do filme. Bazin acredita que a imagem cinematográfica deveria manter a ambiguidade do mundo, preservando a liberdade interpretativa do espectador, pois a realidade é ambígua. Já Hal Foster (2014) diz que o realismo não será mais efeito da representação, e sim um evento do trauma. Veremos com Foster que a relação entre espectador e filme pode ser pensada como uma relação traumática. No século XIX o termo trauma passou a ser utilizado também em um sentido metafórico, correspondendo a uma ferida no psiquismo, ou uma ferida na memória. É deste modo que a dimensão do trauma aparece na psicanálise. Sofremos um trauma quando recebemos uma quantidade de estímulos maior do que a nossa capacidade de elaborá-los, de assimilá-los (FREUD, 1917/1976). Benjamin já teria denunciado o quanto, na modernidade, estamos coletivamente expostos a um excesso de estímulos. Ele chama esse excesso de choque, mas admite ter extraído a ideia das concepções freudianas sobre o trauma (BENJAMIN, 1989). Se articulamos o choque – ligado ao contexto da produção industrial, do desenvolvimento técnico e da urbanização – à noção de trauma da psicanálise, podemos ampliar o alcance deste último, pensando o trauma em um plano coletivo e social. Hal Foster usa indistintamente a noção de choque e de trauma. O que ocorre no realismo traumático, enquanto tendência artística, é que a vivência do trauma seria expressa – ainda que não representada – por imagens: “Aqui, o realismo já não é o efeito da representação, mas um evento de trauma, uma imagem da violência social e política marcada afetivamente pelo limite do que pode e não pode ser representado” (SCHOLLHAMMER, 2014). Foster exemplifica o realismo traumático tanto com a obra quanto com o discurso de Andy Warhol, que afirma, em um certo momento: “quero ser uma máquina”. O autor entende que essa declaração aponta para um sujeito em estado de choque, que assume a natureza daquilo que o choca (FOSTER, 1996). A ideia de “retorno do real” foi extraída por Foster de um outro psicanalista, o francês Jacques Lacan, que se preocupou em definir o real em termos de trauma. O que, para Lacan, configura a vivência traumática é um encontro – vivido sempre como desencontro – com o real. É importante observar que o real em Lacan não é a realidade. Esta poderia ser representada, tanto pela via do referente quanto pela via do simulacro. Mas o real lacaniano não pode ser representado. O encontro com o real, para Lacan, é traumático. Como o real não pode ser representado, ele só pode ser repetido. Essas repetições protegem do real, mas, ao mesmo tempo, fazem o real retornar. É o que acontece nas séries de Warhol, segundo Foster (1996, p. 168): “a repetição de uma imagem a fim de proteger contra um real traumático que, apesar disso, retorna, acidental e/ou obliquamente, no próprio anteparo”. A ideia de imagem como anteparo havia sido bastante utilizada por Lacan para pensar o esquema da visualidade através da relação entre a imagem, o olhar do observador e o real. Ao situar a imagem como anteparo, como Lacan tinha feito, Foster coloca em primeiro plano a relação do observador com o real através da imagem. É como se houvesse, no objeto, um olhar capaz de violentar o sujeito, um olhar-do-objeto que invade. Isso implica na possibilidade de pensar a relação com as imagens como relações traumáticas. Assim, o que antes poderia ser percebido através de um olhar de contemplação se inverte, nessa perspectiva, como força de irrupção sobre o espectador, converte-se em um realismo traumático, este “foi caracterizado por meio de exemplos da arte das últimas décadas do século XX que expressam os elementos mais cruéis, violentos e abomináveis da realidade ligados inevitavelmente a temas radicais de sexo e morte” (SCHOLLHAMMER, 2013, p.162-163). Foster reforça a existência, na estética contemporânea, de uma preocupação com o trauma. Existem, para isso, razões internas às artes, como a insatisfação com a visão convencional da realidade, mas também existem motivos sociais e culturais: desespero diante de doenças invasivas, pobreza sistemática, crimes, destruição do bem-estar social, quebra do contrato social ou falência das figuras de autoridade. O realismo já não seria mais um efeito da representação, uma tentativa de representar uma realidade reconhecível e verossímil, mas um evento de trauma, como uma imagem da violência marcada pelo limite do que pode e do que não pode ser representado. Em suas diversas modalidades, este realismo – ou, melhor dizendo, esses realismos – nos ajudarão a pensar o que está em jogo na transformação da sensibilidade e da memória em nossa época. Dessa forma, o realismo no cinema não está comprometido a reproduzir a ilusão de realidade, ou, um espetáculo que pareça real. Pois, como já vimos, a realidade é percebida diferentemente por cada um de nós. E o que importa é a capacidade que um filme possui de criar a sensação de realidade no espectador, com toda sua “ambiguidade” de significados. Referências AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas, SP: Papirus. 1995. BAZIN, André. O que é cinema? São Paulo: Cosac Naify. 2014. BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas em Baudelaire in Obras escolhidas, vol III. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense. 1989. FOSTER, Hal. O retorno do real in O retorno do real: A vanguarda no final do século XX. São Paulo: Cosac Naify. 2014. FREUD, Sigmund (1917) Fixação em traumas: O inconsciente in Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago. 1976, v. XVI. SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Resenha de O Retorno do Real. O Globo. 2014.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

HILDENBRAND, Johanna Gondar; FARIAS, Francisco Ramos de. REALISMO E O (NOVO) REAL NA IMAGEM CINEMATOGRÁFICA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/431771-REALISMO-E-O-(NOVO)-REAL-NA-IMAGEM-CINEMATOGRAFICA. Acesso em: 22/05/2025

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