MEMÓRIAS E NARRATIVAS COMO POSSIBILIDADE PARA UM NOVO CAMINHO EM SITUAÇÕES DE TRAUMA E DE VULNERABILIDADE

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
MEMÓRIAS E NARRATIVAS COMO POSSIBILIDADE PARA UM NOVO CAMINHO EM SITUAÇÕES DE TRAUMA E DE VULNERABILIDADE
Autores
  • Grasiele Barreto Rangel Monteiro
  • Francisco Ramos de Farias
  • Diana de Souza Pinto
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/427663-memorias-e-narrativas-como-possibilidade-para-um-novo-caminho-em-situacoes-de-trauma-e-de-vulnerabilidade
ISSN
Palavras-Chave
Memória; Narrativa; Trauma; Vulnerabilidade
Resumo
Introdução O tema deste estudo relaciona-se ao potencial criativo da memória de situações traumáticas, por meio da construção de narrativas. Propõe-se que a narrativa é uma via que pode possibilitar a ressignificação de sentidos e dar um novo tom a vida após uma experiência de incitação traumática. Não significa que todos que narram suas experiências mais aniquiladoras produzirão algo criativo que lhes possibilite um movimento que possa levar, por exemplo, a algum tipo de superarão para a situação vivida. Defendemos que há na tentativa de narrar uma chance de ir além do indizível e dar algum sentido a experiência, o que pode levar o sujeito a reconstituir-se frente a situação traumática. A questão que nos move é: como o sujeito, por meio das narrativas podem construir memórias de modo a criar sentidos para a sua experiência e, assim, potencializar suas chances de dar novos rumos ao que outrora lhe impingia um estado de aniquilamento. A discussão proposta se baseará em um estudo de caso narrado em uma entrevista de pesquisa no qual um jovem relata que sua noiva fora vítima de erros e desassistências clínicas durante um atendimento em uma unidade particular de saúde vinculada à rede de saúde suplementar no Estado do Rio de Janeiro. Segundo ele, após o ocorrido, ele, movido por um sentimento de justiça pelo que lhe acontecera e solidariedade por ver que sua experiência havia ocorrido com outras pessoas, cria uma Organização Não-governamental (ONG) para auxiliar outras pessoas que assim como ele, viveram o drama de perder um ente querido em circunstâncias similares. 1. Fundamentação teórica Como falamos, nos ancoramos no processo de construção das memórias relacionadas as experiências traumáticas por meio do estudo das narrativas, considerando-a como um dos caminhos para a ordenação e organização de sentidos (MISHLER, 2002). Se considerarmos que há na memória um potencial criativo que, por meio da linguagem, pode agir sobre o mundo em que vivemos, podemos considerar que há na memória um princípio de esperança que nos impulsiona e nos move para novas possibilidades de resposta para essas experiências. Isso é possível porque a memória, pensada de forma processual, nos remeterá a um movimento no qual certas lembranças são evocadas, no presente, o que poderá conduzir a consequências para o futuro. E esse será, de certo modo, um direcionamento do amanhã como proposta para um novo horizonte, uma das chaves para se pensar na memória e no seu potencial criativo. Uma memória é criativa à medida que sua construção processual influenciará, nas palavras de Gondar (2016, p. 25), uma “vida que se quer viver e aquilo que se quer lembrar”. A autora circunscreve que o afeto delineará esse processo no qual o posicionamento do sujeito frente às lembranças conduzirá suas escolhas e perspectivas para o futuro. Podemos situar, assim, a construção de uma memória capaz de criar caminhos em sua relação direta com o passado, seja na potencialização de certas recordações ou recalques, mesmo que nesse processo se dê, também, apagamentos. Desse modo, olhar o potencial criativo da memória é observar novas vias de vida e, quem sabe, a proposição de novos horizontes impulsionados por diferentes sentidos, significados e afetações. Farias e Pinto (2016, p. 179) entendem que eventos de natureza traumática podem atuar de forma paralisante ou podem tornar o sujeito propenso a buscar soluções frente a situações que ultrapassam o limite do que é possível de ser suportado. Os autores destacam que nas situações traumáticas, mesmo as mais extremas, é possível ainda a construção de memória que sobrepuje a pressão para o esquecimento mediante a produção de relatos acerca das filigranas que podem ser tecidas sobre a situação de vulnerabilidade vivida. As situações de vulnerabilidade são, para Butler (2015), uma condição inerente a pessoa, sendo uma condição compartilhada. Isso pode favorecer a formação de laços sociais e fomentar mecanismos de resistência. 2. Resultados alcançados No presente estudo, cujo corpus integra a pesquisa de doutorado em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO), analisamos fragmentos de narrativas retirados de uma entrevista individual, realizada a partir de um roteiro com perguntas abertas pela autora deste trabalho e por sua orientadora. O entrevistado é um jovem, de classe média, com terceiro grau completo, que relata que perdera sua noiva, aqui nomeada com o pseudônimo Sarah, segundo ele, em função de um erro médico após atendimento em uma unidade particular de saúde. A entrevista teve a duração aproximada de 60 (sessenta) minutos, foi gravada em áudio e integralmente transcrita pela primeira autora deste trabalho, seguida da análise de parte dos fragmentos retirados da entrevista à luz da Sociolinguística Interacional para a análise do discurso, a qual preconiza a construção do discurso no aqui e agora durante situação do uso da linguagem (RIBEIRO E GARCEZ, 2002). Na entrevista, um dos pontos basilares foi o seu relato sobre como a sua vida se reconfigurou depois do trágico incidente que culminou com a perda de Sarah. Observou-se que suas memórias sobre o ocorrido o impulsionaram a promoção de ações sociais de apoio a outras pessoas que passaram, direta ou indiretamente, por experiências similares, ajudando-as e encorajando-as a superar situações adversas e a denunciar os casos que as levaram a dificuldades físicas e/ou emocionais, o que o levou a criar uma Organização Não-Governamental (ONG) para esse fim. Nesse sentido, sua rotina havia se convertido em uma constante luta pelo não esquecimento do que acontecera a Sarah a fim de que fosse obtida justiça, bem como a promoção de ações com o intuito de colaborar, de alguma forma, com pessoas que estavam vivendo situações como a que ele passara. Destaca-se na narrativa do entrevistado a sua luta e a resistência para a obtenção de respostas das autoridades médicas e legais a fim de levar o caso de Sarah a julgamento. Pode-se observar que sua narrativa acerca do ocorrido foi um dos principais meios para pressionar as instâncias institucionais envolvidas a olharem para o caso de sua noiva. Assim, o entrevistado constrói em sua narrativa um exercício reflexivo sobre suas experiências, suas ações e sobre diversas questões sociais que envolvem o sistema de saúde do país. De acordo com a análise de suas narrativas observa-se um movimento criativo à medida que a construção de suas memórias e o ato de narrar essas experiências trouxeram consequências para sua vida, já que agora ele se dedica a estudar, participar de encontros e audiências públicas, escrever artigos etc.; para o caso de sua noiva ao conseguir a condenação do plano de saúde, por exemplo; e para a sociedade, pois em virtude de tudo que aconteceu, ele criou uma ONG para apoiar pessoas que, de alguma forma, são desassistidas, negligenciadas ou lesadas pelo sistema de saúde no país. Conclusões A narrativa do entrevistado conduz-nos à conclusão de que estamos diante de uma experiência traumática em seu aspecto criativo visto que sua experiência o impingiu para meios de enfrentamento, que trouxeram consequências para sua vida e para a sociedade, já que devido ao que aconteceu, ele criou um Movimento a fim de apoiar pessoas que, de alguma forma, são desassistidas, negligenciadas ou lesadas pelo sistema de saúde no país. Conforme o entrevistado relatou, contar sua experiência o levou, de certo modo, a dar um novo destino ao que ele havia vivido. As narrativas seriam, assim, uma via alternativa para trazer à tona essas experiências por meio do compartilhamento entre interlocutores. Isso reflete nosso argumento no qual há na memória, como uma construção processual, a possibilidade de criar vias alternativas de respostas para a experiência. Referências bibliográficas BUTLER, J. Introdução. In: ________. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Tradução Amaldo Marques da Cunha e Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. 287 p. FARIAS, F. R. de; PINTO, D. de S. Memoria social em situação traumática. In: DODEBEI, Vera; FARIAS, Francisco Ramos de; GONDAR, Jô (Org.). Por que memória social? Revista Morpheus: estudos interdisciplinares em Memória Social, Rio de Janeiro, v. 9, n. 15, p. 174-197, 2016. Edição especial. GONDAR, J. Cinco proposições sobre memória social. In: DODEBEI, Vera; FARIAS, Francisco Ramos de; GONDAR, Jô (Org.). Por que memória social? Revista Morpheus: estudos interdisciplinares em Memória Social, Rio de Janeiro, v. 9, n. 15, p. 173-197, 2016. MISHLER, E. G. Narrativa e identidade: a mão dupla do tempo. In: LOPES, Luiz Paulo da Moita; BASTOS, Lilian Cabral (Org.). Identidades: recortes multi e interdisciplinares. Campinas: Mercado das letras, 2002. p. 97–119. RIBEIRO, B. T.; GARCEZ, P. M. (Org.). Sociolingui´stica interacional. 2. ed. Sa~o Paulo: Loyola, 2002.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

MONTEIRO, Grasiele Barreto Rangel; FARIAS, Francisco Ramos de; PINTO, Diana de Souza. MEMÓRIAS E NARRATIVAS COMO POSSIBILIDADE PARA UM NOVO CAMINHO EM SITUAÇÕES DE TRAUMA E DE VULNERABILIDADE.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/427663-MEMORIAS-E-NARRATIVAS-COMO-POSSIBILIDADE-PARA-UM-NOVO-CAMINHO-EM-SITUACOES-DE-TRAUMA-E-DE-VULNERABILIDADE. Acesso em: 01/05/2025

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