“ÉPOCA RICA DE GENTE POBRE”: A MONOCULTURA ALGODEIRA E AS FACES DO DES-ENVOLVIMENTO NA COMUNIDADE NORTE MINEIRA DO TOURO

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
“ÉPOCA RICA DE GENTE POBRE”: A MONOCULTURA ALGODEIRA E AS FACES DO DES-ENVOLVIMENTO NA COMUNIDADE NORTE MINEIRA DO TOURO
Autores
  • Maria Cecília Cordeiro Pires
  • Andrea Maria Narciso Rocha de Paula
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 01 - Conflitos Socioambientais
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/426927-epoca-rica-de-gente-pobre--a-monocultura-algodeira-e-as-faces-do-des-envolvimento-na-comunidade-norte-mineira-d
ISSN
Palavras-Chave
Desenvolvimento; Monocultura Algodoeira; Conflito; Norte de Minas.
Resumo
Maria Cecília Cordeiro Pires Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros. Mestre em Desenvolvimento Social (2019) e Bacharel em Ciências Sociais (2016). Bolsista CAPES mariacecilia1942@hotmail.com Andréa Maria Narciso Rocha de Paula Professora doutora no curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros. Coordenadora e Docente do quadro permanente no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS/Unimontes. Professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação associado UFMG/UNIMONTES em Sociedade, Ambiente e Território. andreapirapora@yahoo.com.br Introdução No atual cenário acadêmico, político e social é necessário propulsionar discussões sobre desenvolvimento a partir de uma perspectiva crítica, para que haja um processo de refutação e revelação das adversidades por traz do discurso consolidado, que busca sustentar que as condicionantes econômicas asseguram uma qualidade de vida a todos. Desta maneira, a partir de um estudo de caso na Comunidade do Touro, em Serranópolis de Minas-MG e dentro do contexto de incentivos a monocultura do algodão, procuramos entender qual o impacto local das políticas que se nutrem do discurso de desenvolvimento? E como compreender os modos de vida e processos de resistência frente a estes impactos? Partimos de uma análise interdisciplinar, com aporte da antropologia e sociologia, realizando uma pesquisa predominantemente qualitativa, através de um estudo etnográfico, objetivando demonstrar os impactos e conflitos gerados pela monocultura algodoeira, enquanto eixo de desenvolvimento e modernização. Propomos uma reflexão embasada nos resultados de pesquisas das autoras, fruto da inserção no OPARÁ-MUTUM: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Migrações e Comunidades Tradicionais do rio São Francisco (CNPq/UNIMONTES), juntamente com pesquisa de dissertação (PIRES, 2019). Realizamos pesquisa baseada na metodologia qualitativa, com estudo bibliográfico e pesquisa de campo, elaborando entrevistas em profundidade, observação do cotidiano, privilegiando a vivência e percepções dos moradores. 1. Fundamentação teórica Considerando que, no modelo hegemônico de desenvolvimento o que há é um processo de busca e aceleração do crescimento econômico, da produção e do consumo, utilizamos a categoria des-envolvimento, com base nos estudos de Porto-Gonçalves (2004). Esta categoria, conforme o autor, expressa a perda do envolvimento e da autonomia dos povos sobre seu espaço, através da adoção de modelos e políticas públicas de desenvolvimento de cima para baixo, incorporando práticas diferentes, onde as identidades, os espaços sociais, os territórios e as territorialidades das comunidades locais tornam-se campos ignorados pelos agentes de grandes projetos. O conceito de desenvolvimento em um primeiro momento foi fundamentado principalmente nas ideias de progresso e modernização. Tomado como alvo de discussão e debates, principalmente a partir dos anos 1970, o conceito passou a ser tencionado como uma categoria analítica, passando por um processo de ressignificação a partir da evidencia da degradação social e ambiental advindos dos modelos de desenvolvimento. Em anos recentes, com destaque para a década de 1990, o desenvolvimento passa a ser categorizado, o que contribui para uma especialização do conceito, bem como para sua complexidade. Nesse período surgem as noções de desenvolvimento social, cultural, participativo, comunitário, local, político, entre outros. A partir do exposto, percebemos que tratar sobre o desenvolvimento é complexo, envolve uma multiplicidade de sentidos, abordagens e perspectivas que podem variar em função do contexto. Concordamos com Sachs (2000, p.12) ao afirmar que “o desenvolvimento é muito mais que um simples empreendimento socioeconômico; é uma percepção que molda a realidade, um mito que conforta sociedades, uma fantasia que desencadeia paixões”. Trazendo para nosso contexto de análise do processo de des-envolvimento através da monocultura de algodão na Comunidade do Touro, destacamos que o campo do desenvolvimento conservador provocou uma disputa entre o discurso das elites, investidores e subsídios governamentais; e do outro lado, dos grupos, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos e associações pastorais que sustentam o discurso contrário a estes tipos de projeto, dando ênfase ao fato dos danos e impactos gerados serem de grandes e diversos impactos. Acreditamos numa ressignificação possível, através do entendimento dos diferentes modos de vida envolvidos, portanto, este trabalho adota uma perspectiva crítica ao modelo de desenvolvimento cunhado pela monocultura algodoeira. 2. Resultados alcançados O Norte de Minas, está inserido no semiárido mineiro, possui oitenta e nove municípios e é caracterizada por sua diversidade de áreas, formação social e pluralidade de culturas e povos. Todavia, sustentados no discurso de que se trata de um lugar de pobreza, a região é alvo de políticas desenvolvimentistas que dizem buscar o nivelamento econômico da região aos padrões alcançados por outras mesorregiões do estado ou do Brasil. Em 1965, a modernização do campo cria bases no norte de Minas Gerais, através da sua inserção na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Como evidenciado por Barbosa (2014, p. 44), iniciou-se um processo de modernização, principalmente através de linhas de financiamento, podendo verificar cinco principais pilares deste processo: agricultura/fruticultura irrigada, monocultura de eucalipto, pecuária extensiva, monocultura de algodão e incentivos à industrialização de algumas cidades. Na povoação da Serra Geral , onde se localiza a Comunidade do Touro, as políticas de des-envolvimento concentraram-se na monocultura algodoeira. Por se tratar de uma região de caatinga, o algodão, produto resistente a seca, era produzido há muito tempo, mas associado as variedades alimentícias. Porém, durante as décadas de 1960 a 1980, muitas famílias acessaram os créditos de financiamento para a monocultura e por isso, buscamos entender, junto aos agricultores do Touro, o que significou essa mudança: Eu sou da época do auge do algodão. Era uma época que diz que era rica, mas se for imaginar mesmo, rica de gente pobre. Às vezes você tem um ou outro, trabalhava um tanto de gente, mas esse dinheiro canalizava pra um pequeno grupo, sabe? Não sobrava aquela coisa não. Já começava vendendo o algodão as vezes antes de plantar, sabe? E no final sobrava o mínimo, mas tinha um movimento. Ficar dependendo, o povo que sai hoje pra trabalhar lá no café, você tinha os daqui que, igual lá em casa mesmo, pai tinha quinze, dezoito pessoas trabalhando mais ele direto. Gerava emprego, mas no fundo no fundo não sobrava essas coisas também não. (Depoimento de morador da Comunidade do Touro, 49 anos, Outubro de 2017) Hoje há a reflexão de que na verdade o período da monocultura foi uma época “rica de gente pobre”. A partir do momento que financiaram suas plantações a diversidade de espécies cultivadas se transformou em um extenso campo de algodão. Nas grandes fazendas do lugar também haviam o monocultivo, porém, é no acesso dos pequenos agricultores aos créditos que a crise atingiu fortemente. Os financiamentos possibilitavam investimentos, mas dentro da lógica de modernização, empregos temporários realmente surgiram, todavia, no início da década 1990, chega o fim do ciclo do algodão nessa região, escancarando diversos conflitos. Enquanto buscávamos compreender os impactos da monocultura foi notória a associação que os moradores fazem com as migrações sazonais em busca de trabalho, processo que aparece como resultado da crise. Aqueles que se inseriram na lógica da monocultura, acessando aos créditos oficiais ou trabalhando nas zonas em que havia o monocultivo, precisaram parar de produzir suas roças de gêneros alimentícios, introduzindo práticas que afetaram a diversidade e provocaram o desgaste dos solos e águas. Com o declínio, restaram poucas alternativas, muitos estavam endividados, era desafiador voltar a plantar nas terras adaptadas aos pacotes agroindustriais, além das dificuldades hídricas. Esta realidade foi vivenciada em todos os lugares atingidos por este modelo de desenvolvimento. Como exposto por Barbosa e Feitosa (2006, p.181), “se, por um lado, provocou a “modernização do campo”, por outro, implicou o empobrecimento dos agricultores familiares, a degradação dos recursos naturais e a manutenção da concentração fundiária”. Conclusões Analisando as afetações provocadas pela monocultura algodoeira na Comunidade do Touro, encontramos a disputa de categorias e modos de vida. A monocultura se desvelou como uma política deflagradora de conflitos, afetando a soberania alimentar e as formas tradicionais de reprodução da vida. A partir da incorporação dos pacotes tecnológicos, os agricultores do Touro foram inseridos numa lógica de dependência a indústria e ao capital, assim, com a crise da produção do algodão diversas consequências foram expostas, dentre elas endividamento dos agricultores, degradação dos recursos naturais, manutenção da concentração fundiária, estimulo a processos migratórios. Referências bibliográficas BARBOSA, Rômulo Soares. Mineração no Norte de Minas Gerais: Tensões e Conflitos Pelo Acesso e Uso da Água. Revista Desenvolvimento Social, n. 11/01, p. 43-50, 2014. BARBOSA, Rômulo Soares; FEITOSA, Antônio Maurílio. A dinâmica de luta pela terra no norte de Minas Gerais. In: FEITOSA, A. M. A. et al (org.). Debaixo da lona: tendências e desafios regionais da luta pela posse da terra e da reforma agrária no Brasil. Goiânia: Ed. da UCG, 2006. PIRES, Maria Cecília Cordeiro. “A PRECISÃO FAZ IR LONGE”: Migração e Des-envolvimento em Comunidade Rural do Sertão Norte Mineiro. 147 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social/PPGDS, 2019. PORTO-GONCALVES, Carlos Walter. O desafio ambiental. Rio de Janeiro: Record, 2004. SACHS, Wolfgang. Introdução. In: SACHS, Wolfgang (ed.) Dicionário do Desenvolvimento: Um guia do Conhecimento como Poder. Petrópolis: Vozes, 2000.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PIRES, Maria Cecília Cordeiro; PAULA, Andrea Maria Narciso Rocha de. “ÉPOCA RICA DE GENTE POBRE”: A MONOCULTURA ALGODEIRA E AS FACES DO DES-ENVOLVIMENTO NA COMUNIDADE NORTE MINEIRA DO TOURO.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/426927-EPOCA-RICA-DE-GENTE-POBRE--A-MONOCULTURA-ALGODEIRA-E-AS-FACES-DO-DES-ENVOLVIMENTO-NA-COMUNIDADE-NORTE-MINEIRA-D. Acesso em: 08/06/2025

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