SÍNDROME DE CHARLES BONNET: REFLEXÕES FENOMENOLÓGICAS SOBRE ALUCINAÇÕES VISUAIS EM PACIENTES COM AMAUROSE

Publicado em 23/12/2021

DOI
10.29327/154029.10-84  
Título do Trabalho
SÍNDROME DE CHARLES BONNET: REFLEXÕES FENOMENOLÓGICAS SOBRE ALUCINAÇÕES VISUAIS EM PACIENTES COM AMAUROSE
Autores
  • Crisóstomo Lima do Nascimento
  • Gilberto Mazoco Jubini
  • PETERSON GONCALVES TEIXEIRA
  • Renato Faria da Gama
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 38 - Contemporaneidade, interdisciplinaridade e tradições fenomenológicas e existenciais-humanistas.
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/426247-sindrome-de-charles-bonnet--reflexoes-fenomenologicas-sobre-alucinacoes-visuais-em-pacientes-com-amaurose
ISSN
Palavras-Chave
alucinações, cegueira, existencialismo, metáfora, reconhecimento social
Resumo
Introdução A deficiência visual completa, representada pelo termo técnico amaurose, inspirou José Saramago a escrever a obra Ensaio sobre a Cegueira, onde compara a incapacidade de enxergar o outro como uma patologia social que compromete a convivência harmônica entre os seres humanos, seus semelhantes e o mundo onde vivem. Nos tempos contemporâneos o fenômeno clínico usado metaforicamente pelo poeta como “cegueira a respeito do outro” tem ampliado seu espectro de possibilidades para uma visão objetificada do outro, que pode ser ilustrada pela Síndrome de Charles Bonnet. Nesta patologia, o indivíduo cego tem alucinações visuais, por vezes repugnantes, que ocasionalmente lhe fazem experimentar elementos externos de forma desagradável. Neste ensaio os autores propõem uma reflexão fenomenológica que aproxime as alucinações visuais orgânicas características desta síndrome à tendência humana de perceber o outro de forma deformada. Fundamentação teórica Em 1759 o suíço Charles Lullin, parcialmente cego, com 89 anos de idade e sem lesões cerebrais diagnosticadas, relatou estar experimentando alucinações visuais de formas geométricas, elementos rotatórios, pessoas, animais, edificações e carruagens que oscilavam em formas e tamanhos. O fato motivou seu neto, o naturalista Charles Bonnet (1720-1793) a descrever a síndrome, publicada em seu texto intitulado Ensaio Analítico Sobre as Faculdades da Alma. O próprio Charles Bonnet, em fase avançada da vida, também teve declínio visual que lhe renderam manifestações clínicas semelhantes àquelas relatadas por seu avô. Os critérios diagnósticos atuais incluem a presença de alucinações e elementos capazes de distingui-lo de transtornos psiquiátricos, como a clara compreensão de sua irrealidade e a inexistência de outra patologia cerebral que se manifeste com alucinações visuais como, por exemplo, epilepsia e esquizofrenia. Embora não tenha fisiopatologia totalmente esclarecida, a origem da síndrome pode ser atribuída à integridade das áreas corticais de associação visual, capazes de evocar percepções de imagens desconectadas (deaferentadas) da sensopercepção capturada pela atuação fisiológica do globo ocular. As queixas, anteriormente descritas, também aparecem quando ocorrem tumores que exerçam compressão sobre o córtex visual de associação do paciente. A síndrome de Charles Bonnet corresponde a uma enfermidade que aparece mais comumente na terceira idade. Os sintomas causados pela síndrome consistem em alucinações visuais e auditivas complexas associadas a uma patologia da via visual que causa deterioração de seu funcionamento e, algumas das vezes, podem ser muito complexas, o que faz com que a enfermidade seja confundida com uma patologia psiquiátrica. Em certas situações, devido ao confundimento sintomáticos atrelados ao desconhecimento, alguns profissionais da saúde acabam subnotificando a síndrome de Charles Bonnet. Registra-se ainda que, alguns pacientes portadores dessa patologia, muitas vezes não a informam ao seu médico ou profissional de saúde, pelo temor de serem confundidos com pacientes com síndrome demencial. Resultados alcançados A cultura ocidental foi intensamente influenciada pela valorização da racionalidade na interpretação dos fenômenos, considerando que a análise objetiva fosse capaz de superar os limites da percepção, relegada ao status de fonte precária de conhecimento, sob cuja influência os processos cognitivos estariam sujeitos a distorções. Em oposição a estas influências Maurice Merleau Ponty produziu em sua profícua (embora curta) trajetória na fenomenologia, uma significativa reflexão a respeito do papel da percepção na interpretação do mundo, enfatizando de forma particular o sentido da visão. Em sua obra mais conhecida denominada Fenomenologia da Percepção (1945), o filósofo defende o papel dos sentidos na investigação dos fenômenos, traçando críticas ao intelectualismo. Defendeu que o corpo não consiste meramente na máquina que carrega a mente, mas que todo o conjunto opera de forma integrada na produção de uma interação com o mundo, mencionando o exemplo das artes plásticas, onde as mãos representam a extensão corpórea da visão, na medida em que reproduz nas telas a representação do mundo capturada pelo aparato visual. Portanto, suas ideias advogam que o corpo enxerga juntamente com os olhos e pensa juntamente com a mente, visto que por meio do corpo a percepção ganha sentido, ao que conceituou como senciência (consciência dos sentidos). Em seu argumento, Merleau Ponty aponta para a percepção, e não para a racionalidade, como origem primária da interação do ser humano com o mundo, ilustrado com o exemplo de quando as crianças pequenas interagem com o mundo antes de amadurecerem a capacidade de reflexão. Em oposição a Platão, Descartes e o pensamento patrístico, a percepção não representa fonte de erro e de pecado, e sim um instrumento idôneo de experimentação dos fenômenos caso o sujeito realize um exercício de recuperação apriorística da realidade, ao que denomina de pré-reflexão. Outras obras do filósofo sobre o mesmo tema incluem “O Olho e o Espírito” e o texto inacabado “O Visível e o Invisível”. Em Descartes e Platão e ainda hoje a enfermidade representa uma ruptura, um corte, uma suspensão da vida normal do paciente o que pode propiciar, ainda que de forma involuntária e dolorosa, uma experiência de matiz filosófico. A doença é uma química defeituosa nas representações físicas do corpo vital, significa que uma representação física de uma determinada função vital passou a funcionar de forma errada, e precisa de um caminho novo e criativo. A cura mente-corpo ocorre quando a consciência criativamente provoca o colapso de novas possibilidades na mente quântica, o que induz o cérebro – e, pela conexão cérebro corpo, o corpo vital-físico – a criar uma nova representação, um novo caminho, para a função vital afetada (GALIS.2009). O conceito “existencial”, de Heidegger, da existência significa o ser si mesmo do homem, à medida que está relacionado, não apenas com o si mesmo pessoalizado no individual, mas com o ser e a relação com o ser. “O ente pode mostrar-se desde si mesmo de diversas maneiras, cada vez segundo a forma de acesso a ele. Inclusive a possibilidade de que o ente se mostre como o que ele não é em si mesmo. Neste mostrar-se o ente parece. Quer dizer um bem que parece tal, porém em “realidade” não é o que pretende ser. Fenômeno é igual ao que se mostra. Fenômeno é igual a aparência. (HEIDEGGER, 1997, p. 52). ” A perspectiva ontológica compreende um sintoma ou síndrome não como uma característica individual, mas como um estilo de ser no mundo, uma postura total, e que como tal pode ser encontrado em vários domínios da atividade humana. O sintoma enquanto estilo de ser é um modo do ser-aí impregnado de uma determinada experiência. A abordagem existencial, portanto, opera a partir da compreensão do mundo, da maneira como o indivíduo se instalou na estrutura do ser no mundo. Um sintoma pode ser compreendido como um estilo de ser no mundo, da maneira pela qual o indivíduo se dá, existencialmente. De acordo com Merleau-Ponty (1908-1961), o campo fenomenal da experiência vivida, da inserção no mundo, é aquele que dá sentido à existência de certos fatos objetivos e isolados (PONTY, 1996). “A percepção que cada um tem sobre si estará sempre afetando suas outras atitudes, influenciando sua forma de ver e contatar a realidade. Exemplo: se me imagino fracassado, ajo como tal, independente das situações novas vivenciadas. Assim, as expectativas de fracasso dão luz aos próprios fracassos. (GALLIS.2009).” O médico possui ou precisa possuir consciência da assimetria para poder efetivar um diagnóstico adequado ou o mais completo possível, sobre seu paciente. Quando o paciente encontra-se diante do médico, apresenta-se com uma certa fragilidade, o que exige do profissional a escolha adequada das palavras, o cuidado no tom da voz e na postura. A confiança que o paciente tem no médico, dá a esse profissional uma força que, conforme as palavras usadas, poderá contribuir para a cura ou para agravar o quadro de adoecimento do indivíduo. O uso adequado do modelo estrutural do diálogo que permite detectar a doença, melhor compreender a enfermidade e apontar as soluções mais apropriadas é o indicado. Conclusões De forma análoga à baixa suspeição clínica de médicos a respeito do diagnóstico da Síndrome de Charles Bonnet, com frequência os seres avaliam o outro sem realizar um questionamento sobre, em que medida, seus próprios conceitos estão influenciando sua percepção dos seus semelhantes. Se ao ofltamologista se faz importante o reconhecimento desta entidade clínica, a todos nós ela representa um sinal de alerta da necessidade de praticar a alteridade, capacidade de observar o outro a partir do seu próprio ponto de vista. A análise dialética entre o funcionamento normal e o patológico é um método útil para a ampliação da compreensão do mundo por meio da percepção, uma vez que favorece à percepção pré-reflexiva dos fenômenos. A avaliação comparativa entre cegueira isolada e a Síndrome de Charles Bonnet pode contribuir com a dissociação dos elementos constitutivos da sensopercepção e interpretação das imagens, possibilitando a contemplação apriorística dos múltiplos componentes da complexidade relacional entre objeto e sujeito. Estes eventos clínicos podem ser usados como figuras ilustrativas do individualismo e da relação interpessoal dissociada da alteridade. O estudo de casos é uma metodologia que pode ser empregada tanto no processo ensino-aprendizagem da biomedicina quanto em ciências humanas e sociais.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
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Como citar

NASCIMENTO, Crisóstomo Lima do et al.. SÍNDROME DE CHARLES BONNET: REFLEXÕES FENOMENOLÓGICAS SOBRE ALUCINAÇÕES VISUAIS EM PACIENTES COM AMAUROSE.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/426247-SINDROME-DE-CHARLES-BONNET--REFLEXOES-FENOMENOLOGICAS-SOBRE-ALUCINACOES-VISUAIS-EM-PACIENTES-COM-AMAUROSE. Acesso em: 08/05/2025

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