Título do Trabalho
MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS EM RICOEUR
Autores
  • MARCELLA MARQUES DOS SANTOS CERILO
  • ELTON MOREIRA QUADROS
  • JOSE RICARDO OLIVEIRA MELLO
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 08 - Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/419319-memoria-e-direitos-humanos-em-ricoeur
ISSN
Palavras-Chave
Justiça, Dever de memória, Ética
Resumo
A universalidade dos direitos humanos, conforme nos diz Paul Ricoeur (2013a), não decorre de uma consideração fora da história, como algo a priori, antes tem origem no que há em comum entre as culturas em determinado momento histórico. Um debate sobre como a memória pode contribuir para o reconhecimento dos direitos humanos por todas as culturas, ou ao menos pelo máximo possível, se faz necessário tendo em vista as atrocidades das guerras e de outros conflitos que o mundo já vivenciou cujo debate, inclusive, pode servir como lugar para tentar a convergência necessária para promover a concretização dos direitos humanos. Partimos prioritariamente da obra A memória, a história, o esquecimento, mas também abordando outras obras tais quais O Justo 1 e O si-mesmo como um outro. Analisamos os textos citados a partir do método fenomenológico-hermenêutico próprio do autor. Ricoeur entende que o fenômeno do texto se compreende através de um processo hermenêutico em razão de uma anterioridade da linguagem, não como mero instrumento, mas como um sistema que se realiza através do discurso (oral ou escrito), num horizonte de possibilidades de significação. Ao longo de sua vida, Ricoeur se dedicou a estudos sobre história, tempo, narrativa e, em A memória, a história, o esquecimento (2007) desenvolveu a sua tese sobre memória e como esta está diretamente relacionada à história e ao esquecimento. Neste trabalho, focaremos no capítulo “A memória exercitada” no qual Ricoeur discute os usos e abusos da memória, estabelecendo três planos de análise para uma memória exercitada: o nível patológico-terapêutico, ou a memória impedida; o nível prático, ou a memória manipulada; e o nível ético-político, ou a memória obrigada. Ricoeur inicia seu percurso com o nível patológico que põe em jogo situações clínicas e terapêuticas, em seguida, restituirá essa patologia ao vinculá-la a algumas experiências humanas e por fim, de um ponto de vista normativo, ético-político, apresentará a questão do dever de memória. Assim, o percurso traçado por Ricoeur, será de nível em nível, tornando-se um percurso de figura em figura dos usos e abusos da memória, desde a memória impedida até a memória obrigada, perpassando pela memória manipulada (RICOEUR, 2007). No primeiro nível, o patológico-terapêutico (a memória impedida), Ricoeur aborda patologias discutidas principalmente no âmbito da psicanálise, problematizando-as na esfera da memória coletiva. O filósofo francês a considera uma memória impedida, pois há questões de uma psiquê coletiva que impedem determinados grupos de explorar suas memórias, seja por qualquer sintoma apresentado pelo grupo. Cabe ao grupo (neste caso entendido como paciente) encarar sua doença “como um adversário digno de estima, como parte de si mesmo” (RICOEUR, 2007, p.84) para assim passar pelos processos de luto, reconhecimento, perdão ou qualquer outro processo de cura. No que se refere, ao segundo nível, este que Ricoeur chama de “prático”, ou de memória manipulada, nos são apresentadas questões sobre o mau uso da memória, seja pelo abuso das lembranças ou abuso do esquecimento por grupos que estão na posição de construtores de memórias oficiais. O foco dado é o que ele chama de memória instrumentalizada, abordando a relação entre memória, identidade e ideologia, tanto no âmbito individual quanto no coletivo. O terceiro e último nível discutido por Ricoeur propõe a ideia do dever de memória e onde posteriormente demonstraremos suas implicações éticas e sua devida importância para alcançar a justiça por meio dos direitos humanos. A justiça, conforme nos lembra Ricoeur (2007), faz com que se tenha um sentimento de espanto, de indignação diante de situações onde a própria dignidade ou de outrem não é respeitada, onde sua condição de pessoa é ignorada e acima dessa condição são colocados outros interesses. Esses sentimentos podem surgir durante a própria experiência injusta ou ao lembrar-se de situações dessa natureza – através da memória pessoal, da memória dos próximos ou do coletivo. Devido a uma desconfiança sobre o estatuto epistemológico da memória, decorrente da ausência da coisa lembrada que aparece na forma de representação (RICOEUR, 2007), a memória sofreu com um certo descrédito no que diz respeito a sua capacidade de conhecer, com segurança, o passado. Ricoeur (2007), no entanto, incorpora no trabalho de memória essas possíveis fragilidades e garante a mesma como uma área do saber importante e fundamental, especialmente, quando pensamos a questão da justiça. Para o filósofo francês, a memória é mais do que uma via de acesso ao passado e esse convém ter a prudência de evitar identificar com algo acabado (RICOEUR, 2007). Por meio do processo de presentificação, é possível compreender o passado (e mesmo o presente) sob uma nova perspectiva, dito de outro modo, por exemplo, relembrar as torturas praticadas durante a Ditadura Militar, tendo em vista os discursos contemporâneos em prol da tortura, dá a oportunidade para que o ato de lembrar-se não pare na consulta aos registros históricos somente, mas assuma a forma de uma reflexão ética (QUADROS e outros, 2019). Ricoeur, desde o início, influenciado pelos debates sobre o “dever de memória” na tradição francesa, aponta a grande relevância da memória sob a perspectiva ética. Ao separar e classificar os diferentes usos e abusos da memória, o filósofo nos introduz num nível ético-político que muito interessa ao debate dos direitos humanos, ou seja, o “dever de memória” ganha uma significação em que a justiça não pode prescindir da ética e da memória: “dever de memória é o dever de fazer justiça, pela lembrança, a um outro que não o si” (RICOEUR, 2007, p. 101). Ele não se exaure apenas no dever de lembrar-se. A memória como meio de presentificação do passado é indispensável para compreender os vários erros já cometidos pela humanidade e nos auxiliar no processo de reconhecimento da dignidade humana por todas as nações. Essa assunção da parte dessas comunidades, por sua vez, é necessária para a positivação dos direitos humanos nos diversos ordenamentos jurídicos pelo mundo, mas principalmente para proporcionar a justiça àqueles que não a tiveram em suas épocas. A memória é, portanto, capaz de dar importantes contribuições na defesa da dignidade humana. Não à toa a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), nos lembra por meio do seu preâmbulo que “[...] o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade [...]” (ONU, 1948, p. 2). Essa referência aos crimes praticados durante a Segunda Guerra Mundial evidencia que as nações signatárias admitiram a relevância de lembrar-se desses fatos. Assim, os Estados ali reunidos acabaram reconhecendo que também é importante fazer memória se quisermos preservar os direitos humanos. Desse modo, podemos também dizer, que a DUDH não encerra apenas uma vontade de não esquecer as barbáries, mas também pretende ser um compromisso assumido pela humanidade de não repeti-las. Em suas considerações preliminares ela enuncia que “[...] o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (ONU, 1948, p. 2). Essa redação nos mostra que a dignidade humana é reconhecida como um fundamento necessário na política e no Direito de qualquer país para que haja liberdade, justiça e paz, porém não apenas isso: declara que essa igualdade proclamada pelos direitos humanos decorre necessariamente do reconhecimento dessa dignidade. A possibilidade de efetivação do conteúdo dessa declaração depende de um reconhecimento mútuo das nações sobre a necessidade do seu cumprimento. Isso é um desafio para todas as comunidades. “Essa incerteza convoca ao combate. Com efeito, a Declaração dos Direitos Humanos faz apelo à nossa capacidade de indignação face à sua violação” (RICOEUR, 2013b, p. 212). A memória possibilita essa indignação através do processo de presentificação do passado. Além disso, pode realizar a mediação desse sentimento para uma reflexão ética sobre os direitos humanos tendo em vista a efetivação da justiça. Fazer memória das graves violações de direitos humanos não é somente lembrar-se delas. É permitir que a partir do exame de crimes como o Holocausto, os perpetrados por ditaduras e outros, possamos sentir a indignação frente a uma injustiça mesmo que temporalmente distante. A presentificação do passado nos possibilita olhar os fatos sem tratá-los como se fossem coisas acabadas. Desse modo, proporciona o reconhecimento da dignidade humana, contribuindo para o projeto da universalização dos direitos humanos. Referências bibliográficas RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP. Unicamp, 2007. ______. O Justo 1. SP, Martins Fontes, 2008. ______. O si mesmo como um outro. 1ª ed. São Paulo, SP. WMF Martins Fontes. 2014 QUADROS, E. M.; SILVA, L. S. da; BOAS, J. A. V. Memória e direitos humanos: uma análise Ricoeuriana, In: VI Colóquio internacional do Museu Pedagógico – UESB, p. 1593-1597, 2019, Vitória da Conquista – BA. Disponível em: http://anais.uesb.br/index.php/cmp/article/viewFile/8851/8507. Acesso em 20 de junho de 21. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91601-declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 20 de junho de 21.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CERILO, MARCELLA MARQUES DOS SANTOS; QUADROS, ELTON MOREIRA; MELLO, JOSE RICARDO OLIVEIRA. MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS EM RICOEUR.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/419319-MEMORIA-E-DIREITOS-HUMANOS-EM-RICOEUR. Acesso em: 21/07/2025

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