DISSIDÊNCIAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA COREIA DO SUL CONTEMPORÂNEA: ENFRENTAMENTO POLÍTICO E LUTA POR DIREITOS HUMANOS

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
DISSIDÊNCIAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA COREIA DO SUL CONTEMPORÂNEA: ENFRENTAMENTO POLÍTICO E LUTA POR DIREITOS HUMANOS
Autores
  • Tiago Canário
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 03 - Gênero, Violências, Cultura – Interseccionalidade e(m) Direitos Humanos
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/415439-dissidencias-de-genero-e-sexualidade-na-coreia-do-sul-contemporanea--enfrentamento-politico-e-luta-por-direitos-h
ISSN
Palavras-Chave
Coreia do Sul, Estudos coreanos, Queer Asia, Ativismo político, Minorias sexuais e de gênero
Resumo
DISSIDÊNCIAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA COREIA DO SUL CONTEMPORÂNEA: ENFRENTAMENTO POLÍTICO E LUTA POR DIREITOS HUMANOS Tiago Canário Doutor em Cultura Visual, Korea University tiagocanario@naver.com Introdução Ao passo que estudos pós-coloniais e estudos queers foram interseccionados para questionar a ideia uma suposta cultura queer global, noções de nacionalidade, nacionalismo, gênero, sexualidade, cidadania e normatividade foram engendradas para explicar como diferentes formas de exploração, violência e desumanização foram articuladas geograficamente e historicamente ao redor do mundo – bem como resistência, subversão e ativismo. No entanto, muitas dessas perspectivas ainda escapam à produção de conhecimento no Brasil. Para preencher uma dessas lacunas, esse estudo se centra na historização e complexificação da cultura sul-coreana. Refutando a ficção orientalista do país como um lugar místico no qual a libertação dos sujeitos e experiências dissidentes dependeria da importação de modelos ocidentais, o artigo discute como redemocratização, globalização e expansão do consumo da Internet permitiram indivíduos desafiar o monopólio estatal da informação e questionar conceitos normativos, para articular suas próprias lutas políticas. O artigo investiga como corpos dissidentes têm se organizado sócio-politicamente da criação do país no pós-guerra dos anos 1950 até a atualidade, contribuindo para os estudos queers não-ocidentais em língua portuguesa e os estudos coreanos em língua portuguesa. 1. Fundamentação teórica Diferentemente das política identitárias ocidentais que viram no capitalismo liberal uma via para a emancipação comemorativa, e refutando mitos essencialistas da Ásia como uma extensa e homogênea cultura harmônica e receptiva, os estudos asiáticos de dissidência de gênero e sexualidade, comumente denominados de Queer Asian Studies, apresentam potentes chaves de entendimento das experiências na região. Essa abordagem tem sido adotada por ativistas, artistas e pesquisadores da região nas duas últimas décadas. Trata-se não mais de uma abstração, de uma terra distante e fantasiada, habitada por um outro ainda não resgatado pela lógica Ocidental. Por isso, o campo desafia os modelos euro-americanos de identidade, sexualidade e cidadania, sobretudo aquelas com base em narrativas produzidas pós-Stonewall e sua epistemologia do armário. Trata-se de um esforço pós-colonial que ressignifica o entendimento da noção de queer e propõe a Ásia como um método (CHEN, 2010). O campo denominado como Queer Asian Studies se afasta de uma perspectiva essencialista e ontológica para estabelecer um espaço de atenção às diferentes práticas engendradas por indivíduos em um cotidiano próprio, composto por um contexto midiático, social, histórico e cultural (YUE, 2014), que tensiona indivíduos e sociedade. Assim, a corrente, embora plural e composta por distintas perspectivas, preocupa-se em entender como experiências dissidentes se desenvolveram na região e em cada uma dessas culturas em específico, incluindo a Coreia do Sul. Assim, em diálogo com o conceito de Kuan-hsing Chen acerca de uma produção de conhecimento pós-colonial e anti-imperialista como estratégia de mudança, esse artigo discute a Coreia do Sul como um método, olhando para a mesma como uma construção contínua, composta pela inter-referência de múltiplas histórias e imaginários culturais. Em específico, no entanto, o artigo explora como noções de gênero se tornaram um domínio discursivo para o reforço do que é considerado apropriado para as normas coreanas “tradicionais”, em oposição a aspirações de independência e individualismo (NELSON e CHO, 2016), configurando a natureza heteropatriarcal da sociedade sul-coreana. Assim, o artigo dialoga com o sub-campo denominado como estudos queer sul-coreanos, para entender como estruturas normativas de poder foram articuladas como nacionalismo moderno (sob domínio colonial), anticomunismo (durante o período autoritário) ou segurança nacional (com a globalização neoliberal) (HENRY, 2020). A partir dessa perspectiva, histórias são resgatadas para entender como práticas de sexualidade não normativa e variações de gênero têm sido consistentemente ignoradas ou rejeitadas na experiência homogeneizante que caracteriza a cultura do país. 2. Resultados alcançados Para desenvolvimento desta pesquisa, o artigo foi dividido em quatro partes. A primeira delas, “Coreia: família, tradição e gênero”, é centrada no modo como o país adotou um ideal de família que pudesse regular a população, organizar a divisão do trabalho em termos de gênero e inviabilizar espaços para sexualidades não normativas. Desde a reconstrução do país durante o pós-guerra, homens cis-heterossexuais acumularam o poderes na esfera pública e mulheres cis-heterossexuais foram relegadas aos espaços doméstico e familiar, e em uma estrutura binária que invisibiliza outras formas de ser. A partir de uma ideologia autoritária e altamente militarizada que impelia indivíduos a se sacrificarem pelo coletivo, o nacionalismo pós-colonial do país deu origem a uma cultura androcêntrica de elos homossociais entre homens hiper-masculinos e mulheres hiper-femininas, células centrais do projeto construído pelo projeto desenvolvimentista da nação, dependente de valores conservadores relacionados ao gênero e casamento para a manutenção da família. Desse modo, toda experiência que não se encaixasse no modelo de família nuclear normativa heterossexual passou a ser combatida como potencialmente danosa, por ameaçar a debilitada ordem social (re)construída durante o século 20 — embora grupos dissidentes tenham encontrado formas de resistência. Em seguida, para entender melhor os movimentos que permitiram a construção de uma resistência organizada, a segunda parte do estudo desenvolve uma investigação sobre “Juventude e sensos de comunidade”. Dissidências de gênero e sexualidade coexistiram com discursos hegemônicos repressivos ao longo da história coreana, apesar das violências históricas às quais foram submetidas em uma assimétrica disputa de poder, mas a juventude do país teve papel fundamental nessas transformações, especialmente a partir do processo de redemocratização do país. Com o fim das três décadas de ditadura militar, grupos previamente silenciados puderam então se estabelecer como comunidades e construir suas identidades ao longo dos anos 1990, explorando sua liberdade, desejos e auto-expressão. Com o clima de maior liberdade, o surgimento e popularização da Internet, diferentes grupos puderam reorganizar sua relação com o sistema de valores do país e organizar as primeiras manifestações públicas. No entanto, conforme os efeitos da crise financeira do final dos anos 1990, que instaurou uma lógica neoliberal mais competitiva e vislumbrou a sobrevivência dos ideais nacionais por meio do fortalecimento de valores conservadores, a esfera pública e midiática se tornou um espaço de conflito acirrado entre comunidades dissidentes que cresciam em número e expressividade e a sociedade heteronormativa e patriarcal. Esse é o tópico explorado na terceira parte deste estudo, “Politização das Dissidências na Esfera Pública”. Com o crescimento dos embates entre grupos minoritários e a cultura dominante, conforme os primeiros ganhavam maior visibilidade, indivíduos acuados pela insegurança e pela virada conservadora passaram a assumir uma posição assimilacionista. No entanto, apesar dessas mudanças, discussões sobre direitos humanos também passaram a ganhar espaço no seio da comunidade, conforme indivíduos se viam em posições cada vez mais vulneráveis, considerando o crescente sentimento de aversão e a falta de qualquer suporte ou proteção legal. Desde o começo dos anos 2000, ativistas passaram a organizar eventos virtuais e festivais públicos presenciais para redirecionar as disputas políticas e reforçar o senso de pertencimento na comunidade, embora todos tenham sido acompanhados por protestos de grupos religiosos, principalmente aqueles organizados por grupos protestante. Por fim, a quarta parte “Direitos Humanos e Desafios Legais” revela como, apesar das rápidas transformações, comunidades queers no país ainda enfrentam dois grandes desafios, relacionados à religiões e instituições militares. Essa parte do estudo revela a transformação na esfera religiosa do país na segunda metade do século 20 e como conservadores parte do poder legislativo têm não apenas impedido o avanço de uma lei anti-discriminação extensiva, mas em alguns casos também proposto emendas para restringir direitos, ao passo que instituições como as Forças Armadas, com um extensivo treinamento militar obrigatório a todos os homens do país, evoluiu para deliberadamente institucionalizar a discriminação. Ambos os espaços, assim, firmaram-se como uma experiência normatizadora, onde sinais de expressão/identidade de gênero e sexualidade desviantes são fortemente punidos. Conclusões Apesar de uma suposta aceitação construída em produtos midiáticos e de perspectivas orientalistas romantizadas a respeito do país, o artigo discute como populações LGBTQIA+ sul-coreanas seguem em uma vida ainda precarizada, sem reconhecimento ou proteção legal. Isolamento, insegurança e ansiedade se tornaram parte das experiências compartilhadas por minorias sexuais e de gênero, embora comunidades LGBTQIA+ da Coreia do Sul têm se unido na luta política por direitos, visibilidade e sua própria existência. O artigo, portanto, ajuda a complexificar o entendimento de diferentes modos de existência e resistência que escapam ao modelo do Norte Global, ao mesmo tempo em que impulsiona os ainda pouco desenvolvidos campos dos estudos sul-coreanos em língua portuguesa. Referências bibliográficas CHANG, Yun-shik; LEE, Steven Hugh. Transformations in Twentieth Century Korea. London: Routledge, 2006. CHEN, Kuan-Hsing. Asia as Method: Toward Deimperialization. Durham: Duke University Press, 2010. HENRY, Todd A. Queer Korea. Durham: Duke University Press, 2020. KIM, Youna. The Routledge Handbook of Korean Culture and Society. London: Routledge, 2017. SETH, Michael J. Routledge Handbook of Modern Korean History. London: Routledge, 2016.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CANÁRIO, Tiago. DISSIDÊNCIAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA COREIA DO SUL CONTEMPORÂNEA: ENFRENTAMENTO POLÍTICO E LUTA POR DIREITOS HUMANOS.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/415439-DISSIDENCIAS-DE-GENERO-E-SEXUALIDADE-NA-COREIA-DO-SUL-CONTEMPORANEA--ENFRENTAMENTO-POLITICO-E-LUTA-POR-DIREITOS-H. Acesso em: 02/06/2025

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