O SILENCIAMENTO INSTITUCIONAL DA MULHER-VÍTIMA NOS CRIMES DE ESTUPRO EM SÃO LUÍS – MA

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
O SILENCIAMENTO INSTITUCIONAL DA MULHER-VÍTIMA NOS CRIMES DE ESTUPRO EM SÃO LUÍS – MA
Autores
  • Kennya Passos
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 10] Gênero, Violências, Cultura - Interseccionalidade e(m) Direitos Humano
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/113602-o-silenciamento-institucional-da-mulher-vitima-nos-crimes-de-estupro-em-sao-luis--ma
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
Estupro, Análise de Discurso, Processo, Palavra, Vítima
Resumo
A presente pesquisa tem como objetivo analisar a relevância da palavra da vítima mulher, enquanto elemento de prova, nos crimes de estupro, na comarca de São Luís – MA. Trata-se de pesquisa qualitativa, que, utilizando-se do arcabouço teórico metodológico da Análise de Discurso de linha francesa, busca os efeitos de sentido da sentença judicial, à medida que esta valora ou não a narrativa da vítima, ao instituir discursivamente as verdades no processo penal. Isto porque, em que pese o discurso oficial no sentido de que nos crimes contra a dignidade sexual a palavra da vítima tem especial relevância, a sociedade brasileira e a própria cultura jurídica, ainda são marcadamente machistas, o que se reflete na resistência ao reconhecimento de diversas práticas como violadoras de direitos, notadamente violadoras da dignidade sexual feminina e consequentemente, no próprio reconhecimento das mulheres como sujeitos de direitos. O trabalho enfrenta assim o problema da instrução probatória relacionada ao crime de estupro, quando este não deixa vestígios de violência física, hipótese em que, a prova do dissenso na prática ou na tentativa de praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso recai diretamente sobre a palavra da vítima, considerando que os fatos, dada a sua natureza sexual, tendem a ocorrer fora da presença de terceiros. A pesquisa apresenta um estudo de caso, envolvendo uma ação penal por tentativa de estupro, que tramitou perante a 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luís – MA, da qual foi extraída, como corpus de análise, a sentença de primeira instância, a fim de identificar as memórias discursivas que atravessam o dizer jurisdicional, e das quais se utiliza o magistrado para valorar a versão apresentada pela vítima, no que diz respeito ao seu próprio dissenso com a prática sexual, e assim produzir a “verdade” dos autos. Os autos do processo nº 27077-40.2014.8.10.0001, pertencem ao conjunto de 16 ações penais, correspondentes ao número absoluto de casos de estupro com trânsito em julgado na comarca de São Luís - MA entre os anos de 2010 a 2015, com vítimas mulheres, fora da condição de vulnerabilidade, tendo sido selecionado por ser o único no qual houve recurso de apelação do Ministério Público, inconformado com a absolvição do acusado em primeira instância. No caso em estudo, a vítima L.R.P., de 33 anos, auxiliar de cozinha, enquanto retornava do trabalho às 5:00h, em uma rua próxima a um matagal, foi abordada pelo acusado M.P.F.B, de 23 anos, branco, sem profissão definida, com antecedentes criminais, que armado de uma faca, a arrastou até o matagal, onde tentou abrir o zíper de sua calça e levantar sua blusa, segundo a narrativa da vítima, ouvida em audiência gravada, na presença do réu. As testemunhas arroladas pelo Ministério Público não presenciaram os fatos, limitando-se a descrever como socorreram a vítima após a fuga do acusado e como ocorreu a sua prisão. Este, por sua vez, negou a tentativa de estupro, apresentando a versão de que tentara roubar o celular da vítima. A análise de discurso foi realizada a partir do seguinte enunciado, extraído da sentença absolutória: “Analisando os autos, entendo que não cabe prosperar a tese acusatória de estupro, vez que não ficou comprovado que o autor tenha intentado contra a vítima para cometer tal crime. Explico: a vítima talvez pela inquietação achou em seu íntimo que talvez o réu queria estupra-la, porém todas as circunstancias, ao meu alvitre, confirmam que não era esta a intenção do réu. É que o réu confessou que a sua intenção era roubá-la, além disso as testemunhas que moram no local não presenciaram o delito, porém deixaram claro que a rua era grande e que pode ser visivelmente vista qualquer atitude como esta. A própria vítima declarou que não era para o acusado intentar algo contra ela naquele local, pois poderia passar muita gente ali. Ora, quem em seu íntimo tentaria estuprar alguém em local em que facilmente é visto, apesar de ser madrugada? [...] Como se vê, a instrução não restou demonstrada como ocorreu o delito como descrito na exordial acusatória, ademais, inexistindo elementos convincentes para embasar a condenação, uma vez que os elementos de prova são frágeis e inconsistentes (sentença, fls 133)”. Pode-se observar que, apesar da detalhada narrativa da vítima, sua descrição dos fatos é completamente ignorada pelo magistrado, que evoca a imagem estereotipada de uma mulher nervosa, histérica, possuidora de natureza sensível e fantasiosa, para afastar a credibilidade da versão por ela apresentada, na qual só seria possível acreditar, se ratificada por testemunhas. Por outro lado, a versão apresentada pelo réu foi tomada como absolutamente verossímil, embora repouse sobre este o interesse de ser condenado por um crime mais brando, o que em nenhum momento é questionado pelo magistrado, como se o único ser capaz de distorcer a versão da realidade fosse a própria vítima. Note-se que, segundo o enunciado, não se trata de dúvida quanto à existência da tentativa de estupro, mas da certeza de que os fatos ocorreram como contou o réu e não como narrou a vítima. Observa-se assim, que ao contrário do discurso oficial, que promulga a palavra da vítima como importante meio de prova nos crimes sexuais, o judiciário promove seu silenciamento, pois esta palavra não carrega em si credibilidade, sendo tomada pelo sentido do desvalor. Desse modo, sob o aparente tecnicismo judicial, vislumbram-se as dinâmicas das relações de força e assimetrias de poder que se estabelecem no meio social, que historicamente subalternizam as mulheres sob signo do desdém e a desconfiança. A pesquisa sugere então, embora de forma embrionária, que a atuação do poder Judiciário, enquanto dispositivo que reúne elementos capazes de gerar um saber-poder, não promove rupturas em relação às desigualdades de gênero, à medida que retira a força probatória da palavra da vítima, ao mesmo tempo em que garante, ao acusado, a supremacia sobre a construção da verdade.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PASSOS, Kennya. O SILENCIAMENTO INSTITUCIONAL DA MULHER-VÍTIMA NOS CRIMES DE ESTUPRO EM SÃO LUÍS – MA.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/113602-O-SILENCIAMENTO-INSTITUCIONAL-DA-MULHER-VITIMA-NOS-CRIMES-DE-ESTUPRO-EM-SAO-LUIS--MA. Acesso em: 19/07/2025

Trabalho

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