DISCURSO DE LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA EM CASOS DE LINCHAMENTO ESCORADO PELO IMAGINÁRIO DE UM INIMIGO SOCIAL: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
DISCURSO DE LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA EM CASOS DE LINCHAMENTO ESCORADO PELO IMAGINÁRIO DE UM INIMIGO SOCIAL: UMA ANÁLISE DISCURSIVA
Autores
  • Paolla de Souza Thomaz
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 12] Memória, Narrativas e Discursos
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/111000-discurso-de-legitimacao-da-violencia-em-casos-de-linchamento-escorado-pelo-imaginario-de-um-inimigo-social--uma-a
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
Inimigo Social; Violência; Linchamento; Análise do discurso
Resumo
O presente artigo pretende identificar a maneira que a mídia se insere nas questões sociais acerca da violência e da construção de um inimigo social, não só como influenciadora da sociedade, mas também como parte dela e por isso, reprodutora dos discursos já existentes. Para tanto, nos ateremos à prática do linchamento de suspeitos de cometerem crimes contra a propriedade privada, analisando, numa abordagem discursiva, dois momentos: o comentário da âncora do Jornal do SBT acerca de um linchamento no bairro Flamengo no Rio de janeiro pensando como este reatualiza dizeres outros e em como ele é relembrado na insurgência de um novo linchamento, baseando-nos no caráter dialógico da linguagem. Entender como ocorre a construção do imaginário de um inimigo social na sociedade é um trabalho de resgate conceitual e que quase sempre passa pelo campo discursivo, se partirmos do princípio que o interlocutor só existe enquanto discurso. Observando o emprego de palavras como “onda”, “surto” e “epidemia” ao falar de crimes, a mídia - importante aqui para nós com seu papel de autora social – evoca uma noção de violência supérflua, sendo a sociedade essencialmente não violenta; o surto seria então acidental e passível de erradicação; as reportagens são vistas como a realidade em si e não como uma construção imagética ou um recorte editorial, como explica Pierre Bourdie em seu conceito de “efeito do real”. Como consequência, solidificam-se duas ideias contraditórias normativas e fatalistas: o populismo punitivista, que clama a maior severidade das leis do Estado e o justiçamento, que nada mais é do que a violência anômica – física – de um grupo de pessoas contra o sujeito delitivo, como os linchamentos. Na edição de 4 de fevereiro de 2014, o Jornal do SBT reportou a notícia de um menor de idade linchado no Flamengo/RJ por um grupo de justiçadores. Posteriormente, a âncora e jornalista Rachel Sheherazade colocou-se compreensível à razão dos linchadores justificando que diante do Estado omisso só resta ao cidadão de bem a defesa e instigando os contrários ao ato a adotarem um bandido. No ano seguinte ao discurso de Sheherazade, o SBT Rio noticiou o linchamento de Cledenilson Pereira da Silva no Maranhão, em 8 de julho de 2015. Como o programa é estadual, ou seja, só passa notícias do Rio de Janeiro, a história de Cledenilson serviu como uma ponte para o foco da matéria: uma entrevista com os justiçadores do Flamengo/RJ, famosos pelo linchamento ocorrido no mesmo local um ano antes. Podemos perceber então a conexão entre os linchamentos, onde a matéria configura-se como uma continuidade discursiva do caso no ano anterior, reativando a memória do telespectador para uma discussão acerca do tema linchamento. A polêmica gerada por Sheherazade não é abordada claramente; fica nas entrelinhas, o que nos remete ao implícito proposto por Orlandi. Cabe ao telespectador ativar sua memória discursiva para compreender magnanimamente o que pode apenas subentender-se. Outra ressurgência traz uma fotomontagem da comparação da pintura do pintor francês Debret intitulada “Aplicação do castigo na chibata” (1834-1839) e Cledenilson já falecido amarrado ao poste pelo Jornal Extra, que ganhou o Prêmio ExxonMobil pela capa “Do tronco ao poste”, principal premiação do jornalismo brasileiro. Lembremo-nos do caráter dialógico da linguagem proposto por Bakhtin, onde todo enunciado é uma resposta a dizeres outros e que provocará assim uma réplica. Segundo o autor, a condição para que se entenda um discurso está no diálogo construído entre os interlocutores; a língua possui sua essência nas relações sociais, parte de alguém que se destina a alguém. Analisando o comentário na edição do dia 04 de fevereiro de 2014, a jornalista utiliza-se de um discurso dialógico polifônico, reproduzindo e reatualizando dizeres conservadores anteriores. Sheherazade não é a precursora desta fala: seu comentário compreende uma heterogeneidade constitutiva, isto é, sua fala é construída a partir do discurso já-dito de outros. Isto porque dentro de cada enunciação o interdiscurso – que apresenta a memória discursiva que sustenta cada palavra, retornando sob a forma do já-dito – se faz presente, conversando com o intradiscurso – a formulação do que estamos dizendo naquele momento, com aquele contexto. Ou seja, ela não só utiliza falas antecedentes as suas para reproduzir seu comentário, como este só se deu em resposta a um discurso outro já-dito de que o linchamento foi desumano e errado. O sentido do seu discurso está em sua destinação: os defensores dos Direitos Humanos que se apiedaram do menor linchado. Já na ressurgência do tema com o linchamento do Maranhão, ao comparar poste e pelourinho em imagem, o jornal retoma a memória discursiva de herança escravocrata de preconceitos alheios que permanecem nesses sujeitos estigmatizados e a reportagem conversa com o discurso de Sheherazade, também creditando a esta responsabilidade pelo sucedido. A ligação do linchamento no Maranhão com o discurso de Sheherazade deixa claro que ela renova um discurso que a antecede ao mesmo tempo em que é responsável por tê-lo falado. As ressurgências mostram o que Bakthin já havia nos alertado: a língua possui sua essência nas relações sociais, onde um discurso nunca se dá por ele mesmo, mas por sua relação com outros. A observação de um interdiscurso nos permite unir um dizer a toda uma filiação e a identificá-lo em sua historicidade, em sua significância, mostrando seus compromissos ideológicos.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

THOMAZ, Paolla de Souza. DISCURSO DE LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA EM CASOS DE LINCHAMENTO ESCORADO PELO IMAGINÁRIO DE UM INIMIGO SOCIAL: UMA ANÁLISE DISCURSIVA.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/111000-DISCURSO-DE-LEGITIMACAO-DA-VIOLENCIA-EM-CASOS-DE-LINCHAMENTO-ESCORADO-PELO-IMAGINARIO-DE-UM-INIMIGO-SOCIAL--UMA-A. Acesso em: 02/08/2025

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