NUNCA HOUVE CIBORGUES: CORPOS HÍBRIDOS NO CINEMA DE FICÇÃO CIENTÍFICA CONTEMPORÂNEO

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
NUNCA HOUVE CIBORGUES: CORPOS HÍBRIDOS NO CINEMA DE FICÇÃO CIENTÍFICA CONTEMPORÂNEO
Autores
  • Fabio Camarneiro
  • Patricia Guidoni
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 15] Narrativas Midiáticas, Representação e Tecnologia
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/108533-nunca-houve-ciborgues--corpos-hibridos-no-cinema-de-ficcao-cientifica-contemporaneo
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
ficção científica, cinema, ciborgue, subjetividade
Resumo
Em várias ocasiões o cinema de ficção científica tem apresentado corpos que operam entre o humano e a máquina, seres que conjugam partes orgânicas e mecânicas, num ajuste nem sempre estável ou pacífico. Desde o robô-Maria de Metrópolis (Fritz Lang, 1927), passando pelos replicantes de Blade Runner, o caçador de androides (Ridley Scott, 1982) ou pelo policial meio máquina meio homem de Robocop (Paul Verhoeven, 1984), a questão se desdobra a respeito da máquina (androide) que mimetizaria – e quiçá superaria – os corpos meramente orgânicos, bem como dos limites do conceito de “humano” face à incorporação de partes robóticas (ciborgues). Em Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017), encontramos uma diversidade de androides ou, antes, de suas versões femininas, as ginoides: Joi (Ana de Armas), um ser etéreo e instável (trata-se de um holograma), que funciona na narrativa fílmica como a possibilidade de par romântico do herói e está relacionada a uma função servil da mulher, associada ao prazer carnal e ao sacrifício. Luv (Sylvia Hoeks), uma ginoide, que faz as vezes de antagonista face ao herói e está relacionada às forças e potências de certa ideia de “feminino”. Além destas, outras chamam a atenção por permanecerem em áreas de ambiguidade, talvez humanas, talvez ginoides – como a policial Joshi (Robin Wright) – ou habitando espaços definidos pela virtualidade – como a dra. Ana Stelline (Carla Juri). Mesmo o protagonista, K (Ryan Gosling), pode, por vezes, ser tomado por replicante, aumentando assim a sensação ambígua que atravessa o filme, continuação do original de 1982, por sua vez baseado no livro de Philip K. Dick. À primeira vista, o universo narrativo de Blade Runner 2049 parece pródigo em apresentar as potências dos encontros entre humano e máquina. Mas, após um olhar mais atento, percebe-se que, ao fim e ao cabo, o conceito de “humano” ainda impera, soberano, frente aos corpos híbridos. Além, trata-se de um “humano” associado a certa categoria universal que subentende também masculino, branco, ocidental, heterossexual, cisgênero etc. Ao pensarmos nas possibilidades do conceito de “ciborgue”, voltamos a Donna J. Haraway e seu seminal texto “Manifesto ciborgue”, publicado pela primeira vez em 1985, em que os corpos híbridos seriam “um mito político, pleno de ironia” (HARAWAY, 2009: 35). Em outra passagem, a autora afirma que o ciborgue “não tem qualquer fascínio por uma totalidade orgânica que pudesse ser obtida por meio da apropriação última de todos os poderes das respectivas partes, as quais se combinariam, então, em uma unidade maior”. (HARAWAY, 2009: 38). Os corpos híbridos femininos em Blade Runner 2049 estão, portanto, muito distantes do ciborgue pensado pela autora estadunidense. No filme de Villeneuve, é possível dividir as representações do feminino em dois blocos: em primeiro lugar, as personagens ligadas a territórios imateriais. Entre elas, está Joi, um holograma (que pode satisfazer, em tese, qualquer desejo de seu “proprietário”) e a dra. Ana Stelline vive isolada de qualquer contato físico, tendo porém a capacidade de produzir imagens mentais, memórias virtuais e que seria, a partir dos termos de Félix Guattari, uma fábrica de “processos de subjetivação”. Por outro lado, temos as personagens ligadas a territórios materiais, em que importam a força física, o alto desempenho, a precisão e, em certa instância, o desprendimento emocional: assim são Luv e a policial Joshi. A conclusão da trama reserva finais trágicos a todas, sem distinção. A única sobrevivente, dra. Ana Stelline, segue aprisionada em seu casulo – espécie de metáfora de um centro irradiador da própria trama. (Dra. Ana, vítima de sua própria fabulação?). As ambiguidades ligadas a esta personagem são centrais para nossa comparação entre o texto de Haraway e o filme de Villeneuve: sendo ela “filha” de um útero maquínico e tendo o poder de “construir” realidades mentais, ela estaria mais próxima de realizar, na trama, as potências revolucionárias descritas no “Manifesto ciborgue”. Porém, a própria autora admite que os ciborgues são “filhos ilegítimos do militarismo e do capitalismo patriarcal, isso para não mencionar o socialismo de estado”. E conclui: “Mas os filhos ilegítimos são, com frequência, extremamente infiéis às suas origens. Seus pais são, afinal, dispensáveis”. (HARAWAY, 2009: 40) Em discordância a isso, Blade Runner 2049 parece não considerar os pais como algo “dispensável”, tanto que seu desfecho (que cita A chegada, filme anterior do mesmo realizador) encena o reencontro entre pai e filha. Para Haraway, o ciborgue não carregaria em si nenhum “reencontro”. Ao contrário, ele superaria a oposição entre humano e máquina, tantas vezes representada no cinema de ficção científica, e que encontra sua forma lapidar nos embates dos filmes da franquia O exterminador do futuro. O ciborgue de Haraway rompe tais oposições dicotômicas, tais binarismos, e surge como um corpo “pós”: pós-gênero, pós-humano, pós-moderno. Se pensarmos nos termos da autora, podemos afirmar, apesar do risco da generalização, que nunca houve ciborgue no cinema de ficção científica. E, se houve, foi em um filme canadense do final dos anos 1990, lançado simultaneamente a Matrix e eclipsado pelo desproporcional sucesso do filme dos irmãos (hoje irmãs) Wachowski. Trata-se de eXistenZ, de David Cronenberg. Nesta fantasia do universo dos videogames, a alternância entre a suposta “realidade” e a “virtualidade” é levada a um limite máximo, em que não importa mais se algo é originalmente real ou virtual: tudo se mescla, tudo se mistura, tudo se sobrepõe. Em eXistenZ, vida e jogo se tornam uma coisa só, e é nesse sentido que o filme nos serve como contraexemplo ao Blade Runner de Villeneuve, e também como crítica aos mecanismos do capitalismo pós-industrial contemporâneo. Nosso objetivo, ao examinarmos a tradição dos corpos híbridos no cinema de ficção científica, é tentar identificar, nessas narrativas, as potências éticas, estéticas e políticas do conceito de Donna J. Haraway. E talvez o exemplo do ciborgue indique um caminho possível para que a personagem da dra. Ana Stelline possa livrar-se dos grilhões de sua caverna de Platão ultra-tecnológica.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CAMARNEIRO, Fabio; GUIDONI, Patricia. NUNCA HOUVE CIBORGUES: CORPOS HÍBRIDOS NO CINEMA DE FICÇÃO CIENTÍFICA CONTEMPORÂNEO.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/108533-NUNCA-HOUVE-CIBORGUES--CORPOS-HIBRIDOS-NO-CINEMA-DE-FICCAO-CIENTIFICA-CONTEMPORANEO. Acesso em: 07/05/2025

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