A MÍSTICA COMO A MATERIALIZAÇÃO DO DIÁLOGO DE SABERES AGROCOLÓGICO

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
A MÍSTICA COMO A MATERIALIZAÇÃO DO DIÁLOGO DE SABERES AGROCOLÓGICO
Autores
  • Bruno Carlos Hayata
  • Roberto Donato Silva Júnior
  • Carolina Cantarino Rodrigues
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 06] Economia Popular e Solidária e Desenvolvimento Local
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/106391-a-mistica-como-a-materializacao-do-dialogo-de-saberes-agrocologico
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
agroecologia, mística, diálogo de saberes
Resumo
O termo agroecologia existe desde a década de 1930, quando os estudos ecológicos se voltavam para a agricultura, porém, como afirma Gliessman (2002), será apenas nos anos 1980 que passou a designar uma disciplina científica voltada para o agroecossistema, e que valoriza os sistemas produtivos tradicionais. O sociólogo Eduardo Sevilla-Guzmán (2001) reconhece que as comunidades tradicionais vêm resistindo aos impactos da modernização e do progresso graças à preservação de suas formas de relação tanto social como com a natureza. Nesse sentido, a agroecologia opera na valorização das soluções locais, porém, como afirma o autor, sem desconsiderar o conhecimento científico, que, ao invés de concorrer com as diversas tradições, deve aprender e ser modificado por elas, para que se possa desenvolver um agroecossistema genuinamente sustentável. Miguel Altieri (2012) reforça o potencial das estratégias camponesas, alegando que elas possuem uma grande estabilidade produtiva, capaz de garantir a segurança alimentar da comunidade ao mesmo tempo em que conservam a biodiversidade. O cientista aprenderia, a partir dos saberes populares, sobre a dinâmica dos sistemas complexos e o funcionamento dos diversos ecossistemas. Esboçam-se, assim, os primeiros traços de uma narrativa que valoriza a intersubjetividade na agroecologia: “[...] é justamente por isso que um diálogo de saberes se faz necessário entre ecólogos e agricultores tradicionais. Na verdade, é uma condição essencial para o desenvolvimento de uma agricultura verdadeiramente ecológica, em que as pessoas que possuem o conhecimento devam ser parte do processo de planejamento.” (p.166) Para Enrique Leff (2002, p.37) a agroecologia se constitui por sua "[...] constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respondem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia e de cada população." A unificação destes saberes e práticas não se daria pelo viés científico, mas, sim, localmente, em cada condição histórica e suas respectivas teorias e práticas. Como afirma Dimas Floriani (2007), a linguagem humana não se resume ao sentido unicamente científico ou não-científico. Palavras e figuras de linguagem transitariam o tempo todo entre diferentes campos de significação, e, nesse sentido, o conhecimento, seja ele científico ou não, estaria sob o domínio das diferentes crenças e valores humanos. Espécie de encenação que se manifesta principalmente em forma de teatro, a mística, por sua vez, nasce com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) representando, no princípio, um momento de organização política e de exortação da fé do camponês. Caldart (2000) afirma que é difícil explicar a mística, tamanha a sua expressividade, que não se limita às palavras, ganhando forma, sobretudo, nos símbolos e na emoção que provoca: “[...] Na própria palavra está contido o limite de compreensão: mística quer dizer mistério, ou seja, se for completamente desvelada perderá a essência do seu sentido.” (p.133) Ademar Bogo (2003), por outro lado, enfatiza que a mística se contrapõe ao discurso dos intelectuais, o que já indica que essa prática se estabelece não no campo da “razão”, mas sim da experiência afetiva. Assim, se a mística opera na tensão entre razão e emoção, trazendo para o campo do afeto tudo aquilo que o discurso intelectual não alcança, no contexto dos congressos científicos da agroecologia, essa prática ganha um novo sentido. O objetivo do presente artigo é explorar o chamado “diálogo de saberes” agroecológico, tomando as místicas encenadas nos eventos da agroecologia como expressão material e simbólica dessa narrativa. A metodologia do artigo constitui-se por uma revisão bibliográfica que buscou compreender o sentido do “diálogo de saberes” na agroecologia, e que foi contraposta por uma experiência etnográfica na qual o pesquisador observou as místicas encenadas no último Congresso Brasileiro de Agroecologia (X CBA). A mística observada se valeu da técnica conhecida por Teatro Invisível, na qual, segundo o teatrólogo Augusto Boal (2013), uma cena é apresentada fora do teatro e para um público que não é espectador. A ideia nesse modelo de teatro é que o público sequer desconfie que se trata de uma encenação teatral, sob o risco de transformar-se em espectador. Na mística do CBA os cerimonialistas eram dois performers disfarçados, que, nos protocolos de abertura do evento, fizeram um longo discurso em defesa do agronegócio, levando o público presente a uma onda de vaias e provocações. Era intenção dessa mística causar o sentimento de revolta em quem assistia à abertura do congresso. Em certa altura da encenação outros performers, dessa vez misturados à plateia, posicionaram-se de forma contrária aos cerimonialistas, criando um coro de resistência e agitando todos os demais à revolta popular contra o poder do capital no campo brasileiro. Retornando à questão do diálogo de saberes agroecológico, foi possível afirmar, a partir da observação da mística do CBA, que essa relação entre diferentes subjetividades não se dá apenas no plano epistemológico. A rica cultura dos movimentos sociais do campo, e sobretudo a mística, tomada como exemplo desses saberes, é um desafio à racionalidade científica e à sua episteme. Foucault (2016) explica que a episteme é o conjunto de relações que unem as práticas discursivas, em uma época qualquer, e que dão origem às ciências e seus sistemas formais, não sendo necessariamente uma forma de conhecimento ou racionalidade, mas as relações que fundamentam essas mesmas ciências. Assim, a presença da mística em um congresso agroecológico pode ser compreendida não apenas como uma espécie de “folclorização” do camponês e suas tradições. A mística opera uma transição no conceito de diálogo de saberes: são nos próprios corpos que essa narrativa de diálogo se estabelece. Assiste-se, assim à, desestabilização da racionalidade e suas pretensões, e questiona-se o lugar político da ciência na sociedade. É possível perceber a mística como a materialização do diálogo de saberes agroecológico, sendo, também, um retrato da politização da ciência e da cientificização da política, tal qual compreendido por Beck (2011). Entende-se, com isso, já não ser mais possível fazer ciência como outrora.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

HAYATA, Bruno Carlos; JÚNIOR, Roberto Donato Silva; RODRIGUES, Carolina Cantarino. A MÍSTICA COMO A MATERIALIZAÇÃO DO DIÁLOGO DE SABERES AGROCOLÓGICO.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/106391-A-MISTICA-COMO-A-MATERIALIZACAO-DO-DIALOGO-DE-SABERES-AGROCOLOGICO. Acesso em: 16/07/2025

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