ANTIGOS LUGARES DE ISOLAMENTO DA LEPRA E MEMÓRIAS EM DESAPARECIMENTO: A DIMENSÃO SENSÍVEL QUE A PATRIMONIALIZAÇÃO NÃO ALCANÇA

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
ANTIGOS LUGARES DE ISOLAMENTO DA LEPRA E MEMÓRIAS EM DESAPARECIMENTO: A DIMENSÃO SENSÍVEL QUE A PATRIMONIALIZAÇÃO NÃO ALCANÇA
Autores
  • Daniele Borges Bezerra
  • Juliane C Primon Serres
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 16] Patrimônio e Memória das Ciências e da Saúde: aspectos interdisciplinares
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/104882-antigos-lugares-de-isolamento-da-lepra-e-memorias-em-desaparecimento--a-dimensao-sensivel-que-a-patrimonializacao
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
Saúde Pública, Lugares de sofrimento, Patrimônios incômodos, Transmissão difícil.
Resumo
A proposta desse trabalho é apresentar e discutir algumas ideias em relação à memória da lepra e os processos de reconhecimento patrimonial de seus lugares de segregação no Brasil, visto que, durante o período de maior enfrentamento da doença, entre as décadas de 1920 e 1940, foram construídos mais de 30 leprosários no país. Com isso, entendemos tais lugares como “restos” (NORA, 1981; BENJAMIN, 1987, 2013; DEBARY, 2002) de uma tecnologia da saúde, mas também como marcos de uma vida comunitária, pouco conhecida e ainda invisibilizada, marcada pelo sofrimento que a doença e o isolamento representaram. Uma tecnologia da saúde, pautada na noção de risco, controversa no terreno da bioética, que produziu memórias ambíguas com relação às experiências de quem foi afetado pela doença. Obsoletos em sua função de isolar, os antigos leprosários brasileiros passam por um processo de transição ou abandono. Enquanto alguns ainda servem como instituições asilares para os últimos internados, e especulam novos usos possíveis para seus espaços ociosos, outros reativam parte de sua estrutura para funcionar como centros especializados, ou mantém suas características segregacionistas recebendo pacientes psiquiátricos, dependentes químicos e outros grupos outsiders. Diante disso, o problema que se coloca é “o que está sendo preservado” com a constituição desse patrimônio. Com relação à dimensão imaterial dessa face da história percebe-se que, no que tange à memória coletiva, houve um apagamento quase completo sobre o assunto, já que poucas pessoas nascidas nas últimas décadas ouviram falar da lepra como uma doença ainda presente no século XX e XXI, tampouco sobre a política de isolamento e seus lugares, uma vez que eram construídos em pontos afastados dos centros urbanos, não apenas para impedir o contágio, mas para afastar dos olhos esses atores “indesejados”. A partir disso, o desafio que se apresenta é a transmissão da experiência encerrada nesses lugares. Nossa discussão baseia-se na análise dos processos de tombamento encaminhados por três estados brasileiros: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Começamos pelo processo menos adiantado, o Hospital Colônia Itapuã, em Viamão (RS) que, além do tombamento da igreja luterana, em 2010, possui um processo de tombamento do conjunto, sem instrução, aberto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) no ano de 2013, o que “garante” a preservação das características do conjunto, mas não impede o processo de arruinamento desencadeado pelas intempéries e sua subutilização. Outro processo, com desfecho mais recente, encaminhado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT- SP), teve início em 1991 com o dossiê do Hospital Colônia Aimorés, e culminou no tombamento conjunto de seis instituições: o antigo Sanatório Padre Bento (1931) localizado em Guarulhos; o antigo Asilo Colônia Aimorés (1933), em Bauru; o antigo Asilo Colônia Pirapintingui, em Itu; o antigo Asilo Colônia Cocais (1932), em Casa Branca; o Asilo Colônia Santo Ângelo (1928), em Mogi das Cruzes; e o Preventório Santa Therezinha do Menino Jesus, em Carapibuíba. Esses tombamentos, nas palavras de Amanda Caporrino e Adda Ungaretti, da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico da Secretaria da Cultura do Estado, representam uma ampliação do conceito de bem cultural, e se constituem como “a materialização dos estigmas socioculturais revestidos de bases científicas, imputados a milhares de portadores da doença por décadas. O processo de identificação desses exemplares como patrimônio histórico significou lidar com uma memória pouco conhecida e marginalizada [...] (CAPORRINO; UNGARETTI, 2016, p.159). E ainda, esses tombamentos representam, conforme afirmam os envolvidos, “[...] uma possibilidade de estudar e preservar a memória de um passado doloroso individualmente que foi quase esquecido socialmente, porque era indesejável". Esse argumento, presente em diversas passagens do dossiê de tombamento, qualifica a importância do tombamento e também afirma o reconhecimento, por parte da secretaria da saúde do estado de São Paulo, de uma dívida histórica com seus últimos moradores (UPPH, 2012, p.73), o que é reforçado no trecho seguinte: [...] para além do sofrimento causado por uma doença grave e execrável e pelo subsequente isolamento compulsório - estes confinados também foram submetidos a condições muito precárias de sobrevivência no interior dos asilos. (idem, p.47). O último caso, pioneiro na preservação da memória da hanseníase no Brasil, a Colônia Santa Izabel, em Betim (MG) teve seu arco tombado em 1998, justificado como “[...] testemunho privilegiado da evolução do tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de integração [...]” (FUNARBE, 1998, p.14). Em 2000 a FUNARBE tombou o conjunto urbano e arquitetônico da Colônia Santa Izabel e inventariou uma serie de bens, afirmando o interesse ativo da comunidade nesse processo: “[...] a demanda da Colônia Santa Izabel pela contínua reconstrução de sua memória é muito intensa. Santa Izabel é uma comunidade que compreende perfeitamente a dimensão política da memória. (FUNARBE, 2011, p.6). Santa Izabel não é apenas pioneira no processo de reconhecimento das antigas colônias de isolamento, mas também é uma exceção, no que tange à escassa presença da dimensão imaterial nos processos de patrimonialização que temos observado. A esse respeito, outro ponto de destaque é o inventário participativo, dividido nas seções: “Inventário de personalidades da memória”, “Agentes de memória”, “Toponímia em Santa Izabel” e “Histórias pitorescas” (FUNARBE, 2011, p.178), seguida por uma vasta proposição de bens imateriais da colônia. Com esse trecho destacamos a importância da dimensão imaterial associada ao bem no processo de preservação de seus vestígios materiais. Logo, por mais relevantes que esses processos sejam, no sentido de reconhecerem um passado incômodo (PRATS, 2005) e, por mais eficientes que possam ser no que resguarda à proteção da materialidade dos bens, a preservação das memórias não emerge como parte fundante desse reconhecimento. Assim, preserva-se a potência narrativa dos lugares, e, por extensão, as tecnologias empregadas na luta contra a doença, mas não as memórias das pessoas diretamente implicadas na problemática dos lugares. Com isso, procuramos enfatizar a difícil transmissão da imaterialidade desses bens, uma vez que, ao declararem a natureza dos lugares , os tombamentos não efetivam algum tipo de proteção efetiva, quiçá de extroversão, à dimensão mais sensível do patrimônio, qual seja, a memória em processo de desaparecimento.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

BEZERRA, Daniele Borges; SERRES, Juliane C Primon. ANTIGOS LUGARES DE ISOLAMENTO DA LEPRA E MEMÓRIAS EM DESAPARECIMENTO: A DIMENSÃO SENSÍVEL QUE A PATRIMONIALIZAÇÃO NÃO ALCANÇA.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/104882-ANTIGOS-LUGARES-DE-ISOLAMENTO-DA-LEPRA-E-MEMORIAS-EM-DESAPARECIMENTO--A-DIMENSAO-SENSIVEL-QUE-A-PATRIMONIALIZACAO. Acesso em: 08/08/2025

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