DISCURSOS PUNITIVOS E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DE MULHERES PRESAS: DAS BRUXAS ÀS TRAFICANTES

Publicado em 14/03/2022 - ISSN: 2316-266X

Título do Trabalho
DISCURSOS PUNITIVOS E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DE MULHERES PRESAS: DAS BRUXAS ÀS TRAFICANTES
Autores
  • clarissa velozo jacobina
Modalidade
Comunicação Oral - Resumo
Área temática
[GT 10] Gênero, Violências, Cultura - Interseccionalidade e(m) Direitos Humano
Data de Publicação
14/03/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/viiconinter2018/103408-discursos-punitivos-e-a-construcao-da-memoria-de-mulheres-presas--das-bruxas-as-traficantes
ISSN
2316-266X
Palavras-Chave
caça às bruxas, inquisição, encarceramento, identidade.
Resumo
O objetivo da pesquisa é pensar como transição da Idade Média para a Modernidade continua a repercutir na contemporaneidade. Para isso serão utilizadas as bases epistemológicas da memória social. Portanto, a pesquisa se vale de conceitos e autores tanto da filosofia quanto do direito, da psicanálise, da história e da própria memória. Neste sentido, a pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), se inserindo nas discussões sobre identidade e diferença, criminologia crítica, crítica do processo penal e memória. O pressuposto é que a inquisição, a “caça às bruxas” e a escravidão do século XV, se perpetuam tanto no aspecto institucional, por exemplo, na condução dos processos de execução penal; quanto no aspecto subjetivo, com a reapropriação e transformação, num sentido de criação, da figura da bruxa. A conjuntura da Europa às vésperas da “caça às bruxas” é marcada pela crise feudal, com movimentos de forte heresia popular, no qual o papel das mulheres era de destaque. Apesar das sublevações, os camponeses foram separados do seu meio de subsistência – a terra – pelos cercamentos e transformados em dependentes das relações monetárias. Também se iniciou o processo de disciplinamento do corpo para o trabalho, pelo desenvolvimento e disseminação da filosofia mecanicista, com o modelo cartesiano da supremacia da vontade e, também, o início do processo de aumento da população para geração de riquezas, ideia chave do mercantilismo. Nesse contexto, toda a magia do mundo medieval foi sacrificada pois incompatível com a nova racionalidade, uma vez que a magia é fonte de insubmissão e maneira de obter o almejado sem trabalhar. Na ficção perpetrada pelos inquisidores, as mulheres eram designadas como bruxas, pactuadas com o demônio. Entretanto, historiadoras apontam o importante papel social que desempenhavam essas mulheres como curandeiras, conhecedoras de ervas, parteiras, e, acima de tudo, participantes da vida política e social. Todos esses saberes e engajamentos políticos foram rebaixados e quase desapareceram com a combustão desenfreada de mulheres. O poder punitivo foi instrumento de verticalização social que permitiu a Europa colonizar a América. Há uma estreita relação entre a ideologia da bruxaria e a ideologia racista. O diabo era representado por um homem negro e as marcas características do diabólico eram o desejo e a potência sexual anormal. A ampliação do espaço europeu pela colonização foi inseparável do trabalho de fabulação que produz o negro como uma figura pré-humana inseparável da animalidade. O surgimento da noção de raça é uma ficção útil a um sistema econômico, assim como é útil a desapropriação de saberes contraceptivos e da força política das mulheres, então fixadas como bruxas. O poder inquisitorial e a colonização foram erigidos como máquinas extremamente burocráticas e de alastramento do terror. O massacre e a burocracia tão característicos dessa época são, ainda hoje, marca da racionalidade dos Estados ocidentais. Mais especificadamente, no que tange o direito, há certa permanência da estrutura punitiva inquisitória elaborada pelos demonólogos. Alguns núcleos inquisitórios ainda atuais são: a necessidade da emergência em acabar com as bruxas/criminosos, exaltação da gravidade dos crimes, frequência alarmante do comportamento desviante, deslegitimação de fontes que contrariem o poder punitivo, inversão da valoração dos fatos, pureza dos dirigentes, entre outras características. Na realidade da execução penal, os procedimentos de apuração de faltas disciplinares, cruciais para o cumprimento das penas, podendo aumentar o tempo de cumprimento, são dirigidos de forma flagrantemente inquisitorial. Para além desses resquícios institucionais, a “caça às bruxas” e a escravidão produziram subjetividades. A criação da ficção do que eram as bruxas, com diabolização de saberes e práticas dominadas por mulheres disciplinou toda um gênero a subserviência e a docilidade. No entanto, a memória soterrada das bruxas não se esvai: é retomada por processos de criação em protestos, mas também na arte, na literatura, nos contos de fadas, em desenhos animados, em revistas. Assim, a bruxa, como as mulheres, não é uma identidade fixa, mas algo em criação, um devir, uma performance. Esse papel da caça às bruxas na formação do mundo burguês, na construção do patriarcado, da disciplina capitalista foi apagado da memória. Entretanto, alguns traços permanecem, principalmente no que tange os sistemas punitivos. A criminalização das bruxas atendeu às estruturas de poder à época. Em paralelo, a criminalização de mulheres pobres pelo crime de tráfico responde as estruturas de poder da nossa época. A combustão de bruxas foi o aparelho disciplinador da transição do capitalismo, hoje, a prisão tem esse papel, já que, segundo Baratta (2002) é mais uma superestrutura do capital para satisfazer a demanda por ordem na lógica dos Estados Burgueses. Zaffaroni (2013) defende que há certa permanência da estrutura punitiva inquisitória elaborada pelos demonólogos, sendo o “Martelo das Bruxas” o livro condensador do poder punitivo, sintetizando a estrutura fundacional do punitivismo ilimitado. Dito isso, a pesquisa que se quer empreender visa investigar, a partir da memória social, a criação e o deslocamento da subjetividade das mulheres ditas criminosas no contexto europeu de caça às bruxas e transição para o capitalismo e das mulheres criminosas no Brasil de hoje, que são, em sua maioria, condenadas por tráfico de drogas. Parece haver uma radical diferença, herdeira dos jogos de poder, entre essas duas personagens: a primeira teria sido criminalizada por estar no comando do seu próprio corpo, por meio de conhecimentos contraceptivos, e saberes que desafiavam o Estado; a segunda, estaria subordinada a complexa teia hierárquica do tráfico de drogas, geralmente relegada aos papéis subalternos de organização como separação, ensacamento e estocamento das drogas. A pesquisa em andamento, portanto, pretende investigar em profundidade os pontos levantados por meio de levantamento bibliográfico a fim de aprofundar as discussões conceituais no campo dos direitos humanos e da filosofia.
Título do Evento
VII Coninter
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais VII CONINTER
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

JACOBINA, clarissa velozo. DISCURSOS PUNITIVOS E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DE MULHERES PRESAS: DAS BRUXAS ÀS TRAFICANTES.. In: Anais VII CONINTER. Anais...Rio de Janeiro(RJ) UNIRIO, 2018. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VIIConinter2018/103408-DISCURSOS-PUNITIVOS-E-A-CONSTRUCAO-DA-MEMORIA-DE-MULHERES-PRESAS--DAS-BRUXAS-AS-TRAFICANTES. Acesso em: 04/09/2025

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