A CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS PARA O MONITORAMENTO DA SOBERANIA ALIMENTAR: DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO INDICADOR DE CONDIÇÃO POTENCIAL DE SOBERANIA ALIMENTAR MUNICIPAL

Publicado em 22/03/2023 - ISBN: 978-85-5722-682-1

Título do Trabalho
A CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS PARA O MONITORAMENTO DA SOBERANIA ALIMENTAR: DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO INDICADOR DE CONDIÇÃO POTENCIAL DE SOBERANIA ALIMENTAR MUNICIPAL
Autores
  • Mirian Fabiane Dickel
  • Alvori Cristo dos Santos
  • Leonardo Xavier da Silva
  • Gabriela Coelho de Souza
Modalidade
Resumo expandido - Relato de Pesquisa
Área temática
A Construção da Pesquisa em SAN: epistemologia, métodos e indicadores para sua avaliação e monitoramento
Data de Publicação
22/03/2023
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/venpssan2022/494981-a-construcao-de-instrumentos-para-o-monitoramento-da-soberania-alimentar--desafios-e-potencialidades-do-indicador
ISBN
978-85-5722-682-1
Palavras-Chave
Soberania Alimentar; município; Observatório Socioambiental em Segurança Alimentar e Nutricional
Resumo
O conceito de soberania alimentar foi construído pelos movimentos sociais ao longo da década de 1990, sendo apresentado pela Via Campesina na Conferência Mundial de Alimentação, em 1996 (XAVIER et al., 2018). Em 2007, ele foi o foco da Declaração de Nyélény, em Mali, no Fórum Mundial pela Soberania Alimentar, definida como: “o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e o direito a decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo”. Nessas imbricadas relações, as dietas saudáveis e adequadas estão relacionadas aos hábitos e práticas locais, aos alimentos regionais e da sociobiodiversidade, e à sazonalidade. Esse processo de valorização cultural mantém a própria cultura, levando a diferentes formas de soberania, “pois um povo sem cultura, sem sentimento de pertencimento e sem orgulho, é mais fácil de manipular e de ser levado pelas ilusórias premissas do consumismo e de outras culturas” (AZEVEDO, 2016, p. 7). O Brasil tem importante contribuição à temática da Segurança Alimentar e Nutricional, que vem sendo desenvolvida desde a década de 1990, a partir de um processo de mobilização social entre sociedade civil e governo federal, que culminou na criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, através da Lei Orgânica de Segurança Alimentar Nutricional - LOSAN – (BRASIL, 2006) e do Plano Nacional de SAN (PLANSAN 2012/2015), institucionalizado pelo Decreto Federal 7.272/2010 (BRASIL, 2010). Com o intuito de avançar no desafio do monitoramento da política nacional de SAN, buscando sua territorialização no nível municipal, foi criado, no ano de 2012, o Observatório Socioambiental em Segurança Alimentar e Nutricional (ObSSAN-RS; www.ufrgs.br/obssan), pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociobiodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (NesSsAN), vinculado ao Círculo de Referência em Agroecologia, Sociobiodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (AsSsAN Círculo) e ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O ObSSAN desenvolveu, para o Estado do Rio Grande do Sul, uma plataforma de consulta e cruzamento de indicadores com base no PLANSAN, os quais são organizados em oito dimensões: 1) Produção de alimentos; 2) Disponibilidade de alimentos; 3) Renda e condições de vida; 4) Acesso à alimentação adequada e saudável, incluindo água; 5) Saúde, nutrição e serviços relacionados; 6) Educação; e 7) Programas e ações de segurança alimentar e nutricional; e, 8) Sociobiodiversidade (SIQUEIRA et al., 2016). O desafio de operacionalizar os indicadores para o controle social da SAN no nível municipal se deve ao fato de os municípios abrigarem populações urbanas e rurais do povo brasileiro e de diferentes povos, que coexistem a partir de distintas territorialidades, mantenedoras de diferentes culturas. Nesse contexto, a partir do avanço no estabelecimento de indicadores para o monitoramento da Segurança Alimentar e Nutricional, o conhecimento nessa temática desafia na direção da construção de indicadores e ferramentas para o monitoramento da Soberania Alimentar, com base no conceito do Fórum Mundial pela Soberania Alimentar. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo apresentar a construção do indicador de Condição Potencial de Soberania Alimentar Municipal (CPSAM), desenvolvido pelo OBSSAN. Metodologia Com base nos princípios da soberania alimentar, o OBSSAN desenvolveu o indicador de capacidade potencial de soberania alimentar, com base na oferta municipal de alimentos. O indicador pondera dois parâmetros complementares: a qualidade ofertada de alimentos produzidos nos municípios, considerando a produção de grupos alimentares, e a quantidade produzida, a partir da relação per capita entre a produção local e o tamanho da população. O indicador mensura a oferta local potencial, ou seja, se o município apresenta produção em quantidade e qualidade suficiente para abastecer sua população, tomando como referência a produção média necessária de consumo de alimentos por pessoa por dia. O ObSSAN considerou sete grupos alimentares - 1) Hortaliças-Frutas-Verduras; 2) Feijões; 3) Arroz; 4) Trigo; 5) Mandioca; 6) Batata-doce, Abóboras e Morangas; 7) Leite - para a construção do parâmetro qualitativo do indicador condição potencial de Soberania Alimentar dos municípios, a partir do Guia Alimentar a População Brasileira (BRASIL, 2014) e do Censo Agropecuário de 2017 (SIDRA/IBGE, 2022). Importante considerar que as diferentes bases de dados oficiais do IBGE, incluindo censos e monitoramentos anuais, disponibilizam dados das estatísticas oficiais, não incluindo dados de produção para autoconsumo ou provenientes das economias informais O segundo parâmetro que compõe o indicador condição potencial de soberania alimentar dos municípios refere-se à quantidade de alimentos produzida, mensurado pela produção local avaliada per capita, ou seja a relação entre a produção municipal e o tamanho da população. Para compor este parâmetro, utilizou-se a referência da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF 2017/2018) que estimou para o sul do Brasil o consumo de 0,655 kg de alimento/pessoa/dia de arroz, feijão, trigo, verduras e frutas. E 0,136 kg de carnes em geral, totalizando o consumo diário de 0,791 kg/pessoa/dia de alimentos beneficiados e prontos para o consumo, sem a inclusão de outros grupos alimentares. Em relação à etapa do beneficiamento dos alimentos, a POF estimou um coeficiente de equivalência de até 40% em relação à condição do alimento in natura para “pronto para o consumo”, com variações para diferentes alimentos e também para a relação de cereais utilizados na produção de carnes. Com base nisso, toma-se como parâmetro para avaliar a soberania alimentar municipal a produção igual ou maior a 1,831kg/pessoa/dia. O parâmetro quantitativo do indicador do contexto potencial de soberania alimentar dos municípios e territórios evidencia se o território produz alimentos em quantidade suficiente para abastecer a população que vive naquele município ou território. Entretanto, ele não avalia se a produção é consumida localmente, ou seja, se a produção que está sendo ofertada localmente à população daquele município e/ou território. Resultados: A relação entre os grupos alimentares presentes nos municípios e a soberania alimentar considera que a oferta local de alimentos desses grupos está relacionada à disponibilidade de alimentos, podendo potencialmente abastecer qualitativa e quantitativamente a população presente nos municípios, dependendo da quantidade produzida e do número de grupos alimentares presentes. Com base nisso, foram identificados oito ‘perfis de condição potencial de soberania alimentar’ (CPSAM) baseados na produção dos grupos alimentares, que consideram, desde a presença dos sete grupos, até situações de municípios sem produção: a) Perfil CPSAM 0: ausência dos grupos alimentares no município; b) Perfil CPSAM 1: pelo menos um grupo alimentar em condição de oferta satisfatória; c) Perfil CPSAM 2: pelo menos dois grupos alimentares em condições de oferta satisfatória; d) Perfil CPSAM 3: pelo menos três grupos alimentares em condições de oferta satisfatória; e) Perfil CPSAM 4: pelo menos quatro grupos alimentares em condições de oferta satisfatória; f) Perfil CPSAM 5: pelo menos cinco grupos alimentares em condições de oferta satisfatória; g) Perfil CPSAM 6: pelo menos seis grupos alimentares em condições de oferta satisfatória; h) Perfil CPSAM 7: pelo menos sete grupos alimentares em condições de oferta satisfatória. A cada perfil pode ser acrescida a condição de produção suficiente ou insuficiente de alimentos, de acordo com o parâmetro de 1,831kg/pessoa/dia, compondo os dois parâmetros do indicador CPSAM. Conforme a OMS, a saudabilidade está relacionada a uma dieta equilibrada em nutrientes, considerando a ingestão de alimentos e as necessidades nutricionais do organismo, as quais são alcançadas por meio da diversidade de alimentos. Quando analisamos a oferta de alimentos, é preciso considerar a diversidade desta produção, para que a população tenha SAN e saúde. No manifesto da comida de verdade, Azevedo (2016) sublinha a relação da soberania alimentar com a cultura, o patrimônio alimentar e a territorialidade dos diferentes grupos, expressada, também, pelos hábitos alimentares e práticas agrícolas. Nesse contexto, para garantir a condição de soberania e segurança alimentar e nutricional das pessoas dos municípios e territórios, é necessário que o setor da agricultura e extrativismo sustentável dessas regiões produza alimentos saudáveis e variados, com qualidade e quantidade necessárias e suficientes, para abastecer a população que ali habita, disponibilizando alimentos para elaboração de dietas sustentáveis. Considerações finais: A construção de ferramentas para avaliar a soberania alimentar é um desafio, na medida em que o próprio conceito está em disputa. A referência do município como território a ser analisado permite o uso de indicadores disponíveis para esta escala. A partir dos parâmetros qualitativos e quantitativos do Indicador Condição Potencial de Soberania Alimentar Municipal, que infere a oferta potencial municipal de alimentos, o OBSSAN avançou no desafio da construção dessa primeira ferramenta, para buscar delimitar a Soberania Alimentar nessa escala. Cabe destacar como limitações que o indicador não avalia o consumo local dos alimentos, nem consegue diferenciar, no âmbito dos municípios, diferentes territorialidades, como de povos indígenas que, segundo o conceito de Soberania Alimentar, têm o direito de definir seus sistemas de produção, abastecimento e consumo. Entretanto, pelo fato da condição da soberania e segurança alimentar e nutricional no Brasil ser complexa, este tema deve ser avaliado a partir de múltiplas dimensões. Portanto, o indicador CPSAM, ao utilizar bases de dados públicas com coletas de dados periódicas, se configura como o primeiro passo de uma caminhada, a qual o OBSSAN vem se desafiando, como um instrumento que visa a transparência de informações de interesse público, subsidiando a participação e o controle social, bem como subsidiando o monitoramento e a avaliação de políticas públicas. O uso do indicador permite monitorar, de forma regionalizada, se a condição de soberania alimentar é alcançada, e assim estruturar ações que visem a melhorar as práticas produtivas, organizando circuitos de produção e consumo de alimentos, promovendo os diversos grupos alimentares, garantindo a diversidade da oferta e a qualidade nutricional, bem como, direcionar políticas públicas para o abastecimento municipal/territorial, fortalecendo sistemas alimentares territorializados. Fonte de financiamento: CNPq/MCTI Conflito de interesse: Não há conflito de interesse a declarar. Filiação dos autores: Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural; Observatório Socioambiental em Segurança Alimentar e Nutricional; Círculo de Referência em Agroecologia, Sociobiodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional; UFRGS. Referências bibliográficas: AZEVEDO, E. Manifesto da comida de verdade ou comer como ato político. Divulgado no “II Seminário Internacional sobre Segurança Alimentar e Nutricional- Cenário Atual”, promovido pelo SESC/ Mesa Brasil e UnB em 29 de setembro de 2016. Disponível em: https://cporgsc.files.wordpress.com/2011/10/manifesto-da-comida-saudavel.pdf. Acesso em: 17 de abril de 2022. BRASIL, 2006. Presidência da República. Casa Civil. Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. BRASIL, 2010. Presidência da República. Casa Civil. Decreto no 7.272, de 25 de agosto de 2010. Regulamenta a lei 11.346, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN, estabelece parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e dá outras providências. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed., Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. Acesso em: 20 de março de 2022. FORO MUNDIAL PELA SOBERANIA ALIMENTAR. Declaraçao de Nyélény – 2006 – 2022. Nyeleni - Food sovereignty - Newsletter, Bulletin, Boletin. Disponível em: https://nyeleni.org/spip.php?article327. Acesso em 17 de abril de 2022. IBGE Estimativas à população 2017. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?edicao=17283&t=downloads. Acesso em: 13 de março e 2022. OBSSAN Observatório Socioambiental em Segurança Alimentar e Nutricional. Disponível em: https://www.ufrgs.br/obssan/obssan/Menu/. Acesso em: 10 de dezembro de 2021. POF/IBGE Pesquisa de Orçamentos Familiares. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/24786-pesquisa-de-orcamentos-familiares-2.html?=&t=resultados. Acesso em: 15 de fevereiro de 2022. SIDRA/IBGE Censo Agropecuário de 2017/2018. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017. Acesso em: 12 de fevereiro de 2022. SIQUEIRA, A. C.; WIVES, D. G. ; MEDEIROS, T. M. ; SCHREIBER, N. ; Silva, L. X.; COELHO-DE-SOUZA, G. . Observatório socioambiental em segurança alimentar e nutricional: análise dos indicadores de produção de alimentos em nível municipal no Rio Grande do Sul. Redes, 21: 49-62, 2016. XAVIER, L.P.; PEREIRA, M.F.C.S.; CEZIMBRA, E.N.; PEREZ-CASSARINO, J. Soberania alimentar: proposta da via campesina para o sistema agroalimentar. Brazilian Journal of Development, v. 4, n. 7, Edição Especial, p. 4454-4466, 2018.
Título do Evento
V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Título dos Anais do Evento
Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

DICKEL, Mirian Fabiane et al.. A CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS PARA O MONITORAMENTO DA SOBERANIA ALIMENTAR: DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO INDICADOR DE CONDIÇÃO POTENCIAL DE SOBERANIA ALIMENTAR MUNICIPAL.. In: Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Anais...Salvador(BA) UFBA, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VEnpssan2022/494981-A-CONSTRUCAO-DE-INSTRUMENTOS-PARA-O-MONITORAMENTO-DA-SOBERANIA-ALIMENTAR--DESAFIOS-E-POTENCIALIDADES-DO-INDICADOR. Acesso em: 24/05/2025

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