INSEGURANÇA ALIMENTAR EM SALVADOR - BA: UMA FACE DA DESIGUALDADE RACIAL

Publicado em 22/03/2023 - ISBN: 978-85-5722-682-1

Título do Trabalho
INSEGURANÇA ALIMENTAR EM SALVADOR - BA: UMA FACE DA DESIGUALDADE RACIAL
Autores
  • Silvana Oliveira da Silva
  • Sandra Maria Chaves do Santos
  • Cíntia Mendes Gama
  • Maria Elisabete Pereira Santos
  • GISELLE RAMOS COUTINHO
Modalidade
Resumo expandido - Relato de Pesquisa
Área temática
Determinantes e efeitos da Insegurança Alimentar e Nutricional
Data de Publicação
22/03/2023
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/venpssan2022/494359-inseguranca-alimentar-em-salvador---ba--uma-face-da-desigualdade-racial
ISBN
978-85-5722-682-1
Palavras-Chave
Insegurança Alimentar, Racismo, Salvador
Resumo
Introdução A insegurança alimentar é um fenômeno que envolve diferentes momentos, que vão desde a dimensão psicológica, relacionada à preocupação com a falta de alimento, até as manifestações físicas que comprometem à saúde, sendo a fome sua manifestação mais grave. Esta situação consiste em violação do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) (BURITY; FRANCESCHINI; VALENTE, 2010). No mundo, mais de dois bilhões de pessoas vivem em insegurança alimentar moderada e grave. As mulheres são 10% mais afetadas que os homens. Em relação aos continentes, observa-se que a insegurança alimentar no mundo não se distribui de forma igual. No continente africano, o percentual de pessoas em insegurança alimentar moderada e grave é a mais alta do mundo, de 59,6%. A segunda maior prevalência foi na América Latina e Caribe, com 40,9%, e na sequência a Ásia, onde a prevalência foi de 25,8%; já a América do Norte e Europa que tradicionalmente apresentam menores percentuais, tinham 8,8%. Estes dados são oriundos da aplicação da Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (FIES), que considera a experiência dos entrevistados (FAO, 2021). No Brasil, houve aumento significativo de estudos sobre a insegurança alimentar nos últimos anos, principalmente a partir de 2004. O instrumento validado e mais utilizado é a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Já somam quatro pesquisas nacionais sobre a situação de insegurança alimentar no país dos anos de 2004, 2009, 2013 e 2017-2018. Em 2020, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), utilizou a EBIA para investigar a insegurança alimentar no Brasil no contexto da pandemia de Covid-2019 (REDE PENSSAN, 2021). As avaliações de SAN, utilizando a EBIA, destacam o acesso aos alimentos através da renda e podem ser associadas a indicadores socioeconômicos e demográficos para mostrar características da população mais vulnerável à violação do direito humano à alimentação adequada e saudável. No país, mesmo com importantes avanços na área de políticas públicas de segurança alimentar, estudos recentes têm revelado altas prevalências de insegurança alimentar em populações mais vulneráveis (SANTOS et al., 2018; REDE PENSSAN, 2021). A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018 revelou que a insegurança alimentar atingia nesse período 36,7% da população brasileira, contingente maior do que o encontrado na primeira pesquisa nacional em 2004 (34,9%) (IBGE, 2020). Os resultados da pesquisa da Rede PENSSAN (2021) evidenciaram o acentuado agravamento da condição de insegurança alimentar no País, atribuído à crise política, econômica e sanitária. A prevalência de insegurança alimentar encontrada foi de 55,2%, sendo 11,5% moderada e 9% grave. As diferenças regionais já vistas em pesquisa anteriores mantiveram-se, pois o Norte e o Nordeste concentraram os domicílios com menor proporção de segurança alimentar (foi inferior a 40% no Norte e a 30% no Nordeste), e a maior proporção de insegurança alimentar moderada e grave (IA grave foi de 18,1% na região Norte, e 13,8% no Nordeste). Segundo as condições sociodemográficas, 85,3% estavam em insegurança alimentar na faixa de ¼ salário mínimo, enquanto na faixa maior que 1 salário mínimo 23,4% estavam nessa condição. Em famílias nas quais a mulher era a pessoa de referência do domicílio, a insegurança alimentar era maior (64%) comparada a quando o homem estava nessa posição (47,5%). Quanto à raça/cor, negros apresentaram mais insegurança alimentar (59,2%) que os brancos (51%). Boa parte dos estudos brasileiros revelam que as maiores prevalências de insegurança alimentar estão entre a população negra, feminina, de baixa escolaridade e baixa renda (PANIGASSI et al., 2008; BITTENCOURT 2013; SANTOS et al., 2018; REDE PENSSAN, 2021). No Brasil, 54% da população é autodeclarada preta ou parda; em Salvador, capital da Bahia, esse percentual chega a 79,5%, ocupando, assim, o posto da cidade mais negra do País. A cidade foi a primeira capital e primeira sede administrativa da colônia portuguesa no Brasil, ainda no século XVI, período em que recebeu milhares de africanos durante a vigência do sistema de tráfico para escravização. A cidade é muito reconhecida pela sua arquitetura, gastronomia típica, festas e música, e tem grande influência africana, tornando-se um dos centros da cultura afro-brasileira no mundo. Também é uma cidade marcada pela expressiva segregação socioespacial, o que favorece a reprodução de desigualdades sociais, que têm contornos raciais bem específicos na cidade (CARVALHO, 2020). As variáveis raça/cor têm sido demonstradas em diferentes estudos como importantes para explicar a prevalência da insegurança alimentar; no entanto, ainda são poucas as análises que considerem os seus significados dentro de uma sociedade marcada pelo racismo. Assim, o objetivo deste trabalho foi conhecer a situação de insegurança alimentar segundo a raça/cor na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Metodologia Trata-se de um estudo transversal descritivo desenvolvido no bojo de uma investigação mais ampla intitulada “Qualidade do ambiente urbano de Salvador – QUALSalvador”. A pesquisa foi realizada em 160 bairros da cidade de Salvador, Bahia, Brasil, entre os anos de 2018 e 2020. A amostra de domicílios em cada bairro foi definida pela aleatoriedade sistemática sem reposição. Para tal seleção utilizou-se o sistema de informação da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (EMBASA), que contém o cadastro georreferenciado das ligações e economias de água ativas e inativas da cidade. Nos bairros onde a EMBASA não atendia a todos os domicílios, esses foram identificados por meio do Google Earth , uma vez selecionados para compor a amostra, foram lançados em uma base cartográfica. Toda a amostragem e detalhes da coleta de dados estão publicados (SANTOS et al., 2022). Foram entrevistados 15.260 domicílios. Entretanto, para este trabalho foram analisados dados de 14.713 domicílios. A pesquisa utilizou um questionário estruturado composto por 62 questões, e para avaliação da insegurança alimentar, utilizou-se a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). A EBIA é uma escala psicométrica que avalia, de maneira direta, a insegurança alimentar de famílias, por meio da percepção e experiência com a fome. A escala contém 14 perguntas e permite estimar a prevalência de segurança alimentar e classificar as famílias em três níveis de severidade da insegurança alimentar, a saber: leve, moderada e grave. A variável raça/cor foi coletada através da autodeclaração (preto, pardo e branco). Foi realizada a união de pretos e pardos para trabalhar com a população negra, sendo calculada a prevalência de insegurança alimentar segundo raça/cor. Realizou-se a descrição da população através da escolaridade do responsável (até ensino fundamental, ensino médio, ensino superior) e renda familiar per capita em salário mínimo (SM) (até ½ SM; > 1 SM), sendo a referência do ano de 2018 R$954,00. Para gerenciar os dados estatísticos, utilizou-se o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 22. Resultados e discussão A insegurança alimentar e a fome ainda são realidade no âmbito mundial e nacional, configurando-se como um dos principais problemas sociais. Em Salvador, a insegurança alimentar é prevalente em 41% dos domicílios (SILVA et al., 2022). Ressalta-se que esta pesquisa foi realizada antes da pandemia da Covid-19, período em que o país já vivenciava um cenário de crise política e econômica. Reconhece-se que as repercussões mais graves dessa conjuntura afetam principalmente as populações mais pobres que, em sua maioria, são mulheres e negros, agravando assim a vulnerabilidade desses grupos (DWECK; OLIVEIRA; ROSSI, 2018). Neste estudo, 85,5% da população investigada era negra. Apesar de constituir a maior parcela da população, os negros apresentaram apenas 56,9% de segurança alimentar, enquanto a população branca apresentou 71,65%. Esse resultado converge com os dados sobre a condição socioeconômica brasileira por raça/cor, que revelam a baixa prevalência da população negra nos melhores indicadores, apesar de os negros serem a maioria da população. Mesmo após 134 anos da abolição, os maiores níveis de vulnerabilidade econômica e social atingem a população negra e podem ser observados nas dimensões do mundo do trabalho, no rendimento, nas condições de moradia, na educação e violência e na saúde, como apresentado pelo IBGE 2019: no mundo do trabalho a proporção de trabalhadores pretos e pardos é maior no meio informal (47,3% de negros e 34,6% de brancos); esse tipo corresponde ao trabalho sem garantias de direitos, salário mínimo ou aposentadoria. Em relação à subutilização (desocupados, força de trabalho potencial, subocupados) 66,1% são negros; em relação ao rendimento, os pretos e pardos têm renda média mensal 73,9% inferior aos brancos. Em maior proporção, estão também com rendimentos abaixo da linha da pobreza, com 32,9%, comparado aos brancos com 15,4%; nas condições de moradia a população preta e parda encontra-se como a mais vulnerável. Em relação ao saneamento básico o grupo encontra-se nas piores condições – sem coleta de lixo 12,5% negros e 6% brancos, sem acesso à água 17,9% negros e 11,5% brancos, e sem esgotamento sanitário 42,8% negros e 26,5% brancos. Nessas condições, a população negra encontra-se mais vulnerável à doenças infecciosas e à mortalidade infantil; as taxas de analfabetismo são maiores na população negra, de 6,8% (área urbana) 20,7% (área rural) em relação aos brancos, de 3,1% (área urbana) e 11% (área rural). E mesmo com o aumento nos últimos anos, a proporção de jovens entre 18 e 24 anos cursando ensino superior ainda difere entre negros (55,6%) e brancos (78,8%); em 2017, a taxa de homicídios no Brasil a cada 100 mil habitantes foi de 16,0 para a população branca e 43,4 para a população negra, ou seja, uma pessoa negra tem 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que uma pessoa branca. A população que mais sofre está na faixa etária entre 15 a 29 anos, sendo 98,5 homicídios de jovens negros comparada a 34,0 de brancos a cada 100 mil homicídios. Quando analisado por sexo, os jovens negros do sexo masculino chegaram a atingir 185,0 contra 63,5 de jovens brancos a cada 100 mil homicídios. Em relação à condição de insegurança alimentar em sua forma moderada e grave, a população branca apresentou 9,64%, enquanto a população negra apresentou o dobro, 18,4%. A condição de insegurança alimentar mostra-se como um indicador das desigualdades que atingem esse grupo, resultado guarda relação com a condição de escolaridade e renda desse grupo na capital. Os resultados mostram que 40% da população negra estudou apenas até o ensino fundamental, percentual que é de 23,5% entre a população branca. Em relação ao ensino superior, a população negra apresenta 15, 4% e a população branca 40,8%. Para os resultados de rendimento, as diferenças permanecem: enquanto a população branca tem rendimento familiar per capita de 53,73%, negros apresentam 30,31%; para esse grupo, a maior prevalência foi no rendimento familiar de até ½ salário mínimo per capita. A maior renda e escolaridade são indicadores sociais relacionados à garantia da segurança alimentar no domicílio. O Brasil é um país que se desenvolveu política, social e economicamente a partir do sistema de exploração do trabalho da população negra. O país tem reproduzido, ao longo do tempo, ideologias de classificação social (racial e de gênero) constituindo, assim, uma sociedade hierarquizada que garante a permanência da população branca nas posições sociais mais importantes e a reprodução de repercussões negativas à vida dos demais grupos, perdurando na atualidade, em termos de acesso a bens e serviços, emprego e renda, escolarização e também à alimentação. Nota-se essa realidade especialmente quando se apresenta mais de um marcador social de opressão, tendo suas experiências de vulnerabilidades potencializadas, como é o caso das mulheres negras, grupo que aparece em desvantagem em diferentes indicadores sociais, como a renda (ALMEIDA, 2019). O constante silenciamento sobre as contradições referentes às questões de raça são baseadas em dimensões ideológicas que permitem a manutenção das desigualdades, como por exemplo a crença na democracia racial. Mas é imprescindível reconhecer que a dimensão econômica, visualizada nas contradições de classes, está intimamente associada à questão de raça que, dentro de uma sociedade hierarquizada, transforma essas diferenças em desigualdades (GONZALEZ, 2011). Então, para o enfrentamento da insegurança alimentar em Salvador, que é uma cidade negra e tem expressiva representação das mulheres negras na chefia familiar, é necessário considerar a rede de determinação da insegurança alimentar em termos de escolaridade e renda, por exemplo, e os possíveis obstáculos que atravessam a vida da população negra que, de forma recorrente, está na linha de frente da fome. Considerações finais A insegurança alimentar em Salvador é expressiva e representa um indicador das desigualdades que conformam a cidade. A análise por raça/cor permitiu visibilizar que a população negra é mais afetada pela insegurança alimentar em suas condições mais graves. Além disso, a condição socioeconômica, observada pela escolaridade e rendimento familiar, revela uma vulnerabilidade das famílias negras, as quais merecem atenção na capital mais negra do país. Esse cenário reforça a ideia de que o racismo se apresenta como determinante na produção da desigualdade no acesso à alimentação. Referências ALMEIDA, Silvio Luiz. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro Pólen Produção, 2019. 264p BITTENCOURT, Liliane de Souza et al. Factors Associated with Food Insecurity in Households of Public School Students of Salvador City, Bahia, Brazil. Journal of Health, Population, and Nutrition, Dhaka, v. 31, n. 4, p. 471-479, Dec. 2013. BURITY, Valéria; FRANCESCHINI, Thaís; VALENTE, Flávio. Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano a alimentação adequada. In: Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH). Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF, 2010, p.10-32. CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. Desigualdades raciais no espaço urbano. Cadernos do CEAS: Revista Crítica de Humanidades. Salvador, v.45, n.249, p. 137- 166, jan./abr. 2020. DWECK, Esther; OLIVEIRA, Ana Luísa Matos de; ROSSI, Pedro. Austeridade e retrocesso: impactos sociais da política fiscal do Brasil. São Paulo, agosto, 2018. FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2021. The State of Food Security and Nutrition in the World 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome, FAO. GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro latino-americano. In: Círculo Palmarino. AfroLatiniAmérica. Caderno de formação política do Círculo Palmarino. n.1. Brasil, 2011. IBGE. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. (Estudos e Pesquisas: Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41). IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares: 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. PANIGASSI, Giseli et al. Insegurança alimentar como indicador de iniquidade: análise de inquérito populacional. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n.10, p.2376-2384, 2008. REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL -REDE PENSSAN. Inquérito Nacional sobre a Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. (VIGISAN 2020). Rio de Janeiro, abr. 2021. SANTOS, Elisabete et al. QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. 2ª Ed. Salvador: Edufba; 2022. SANTOS, Taíse Gama dos et al. Tendência e fatores associados à insegurança alimentar no Brasil: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004, 2009 e 2013. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.34, n. 4, e00066917, 2018. SILVA, Silvana Oliveira da et al. De um lado esse carnaval, do outro a fome total? Segurança e insegurança alimentar na capital da Bahia. (In) SANTOS, Elisabete et al. QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. 2ª Ed. Salvador: Edufba; 2022.
Título do Evento
V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Título dos Anais do Evento
Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SILVA, Silvana Oliveira da et al.. INSEGURANÇA ALIMENTAR EM SALVADOR - BA: UMA FACE DA DESIGUALDADE RACIAL.. In: Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Anais...Salvador(BA) UFBA, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VEnpssan2022/494359-INSEGURANCA-ALIMENTAR-EM-SALVADOR---BA--UMA-FACE-DA-DESIGUALDADE-RACIAL. Acesso em: 19/06/2025

Trabalho

Even3 Publicacoes