O AGRAVAMENTO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19

Publicado em 22/03/2023 - ISBN: 978-85-5722-682-1

Título do Trabalho
O AGRAVAMENTO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
Autores
  • Camila Ferreira de Souza Costa
  • Andrea Alves De Oliveira Pio Lopes
  • Camilla Santos Freitas
  • Guillermo Brito Portugal
  • Pedro Augusto Ferreira Targino
Modalidade
Resumo expandido - Relato de Pesquisa
Área temática
A Construção da Pesquisa em SAN: epistemologia, métodos e indicadores para sua avaliação e monitoramento
Data de Publicação
22/03/2023
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/venpssan2022/492419-o-agravamento-da-inseguranca-alimentar-e-nutricional-durante-a-pandemia-da-covid-19
ISBN
978-85-5722-682-1
Palavras-Chave
insegurança alimentar , Covid-19, políticas públicas.
Resumo
Introdução A pandemia da doença causada pelo SARS-CoV-2 (COVID-19) foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, tendo se apresentado como um dos maiores desafios sanitários em escala global deste século. No Brasil, o primeiro caso confirmado foi no estado de São Paulo, no dia 26 fevereiro de 2020. Até o dia 24 de junho de 2020, 1.145.906 casos foram confirmados, e 52.645 óbitos atestados, o que significa uma letalidade no país de 4,9% (OMS, 2020; CRODA, 2020; BRASIL, 2020). Em virtude da inexistência de medidas preventivas farmacológicas, a OMS recomendou o distanciamento social, com o objetivo de diminuir o contato físico entre as pessoas e o risco de transmissão da COVID-19, o que poderia promover o achatamento da curva de crescimento dos casos. Porém, os desafios são ainda maiores no Brasil, visto que é um país com grande desigualdade social, onde grande parte da população vive em condições precárias de habitação e saneamento, sem acesso sistemático à água e em situação de aglomeração (MALTA et al., 2020; WERNECK, 2020). O isolamento social e o fechamento do comércio não essencial acarretaram demissões e falência de estabelecimentos. Além disso, o número de trabalhadores informais e autônomos, que foram os mais afetados pelas medidas de restrição social, cresceu consideravelmente. Considera-se, portanto, que a pandemia agravou as desigualdades sociais, tendo em vista que os impactos econômicos foram maiores em famílias que vivem em condições precárias (ALMEIDA et al., 2020). A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346) rege as diretrizes da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Esse princípio consiste no direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, de forma que o acesso a outras necessidades essenciais não seja comprometido. É baseado em práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006). A Insegurança Alimentar (IAN) está relacionada à falta de acesso à alimentação, influenciada pelo binômio renda/preço dos alimentos. Essa fragilidade é um fenômeno complexo e multifatorial, em que os fatores determinantes se apresentam de formas diferentes, entre as quais pode-se citar os de natureza política, psicossocial e cultural (BEZERRA et al., 2017). Em 1946, Josué de Castro publicou uma de suas mais famosas obras, Geografia da Fome, em que definiu o conceito de fome, e identificou e categorizou tipos de fomes existentes no Brasil. O país passou por diversos avanços nas áreas da agropecuária, medicina e infraestrutura, o que levou ao aumento da sua população no período pós-Segunda Guerra Mundial. Mesmo com a saída do Mapa da Fome da ONU em 2014, o Brasil ainda pode ser considerado um país que sofre com a IAN, que significa a incapacidade de um indivíduo de consumir alimentos em qualidade ou quantidade suficientes para a manutenção saudável do corpo e o consumo exagerado de alimentos industrializados e sem valor nutricional (JUNIOR; PONTES, 2018). A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) é atualmente o indicador direto mais utilizado para avaliar a insegurança alimentar, classificando-a em três níveis diferentes, sendo eles leve, moderado e grave (TRIVELLATO, 2019). No Brasil, segundo a pesquisa VigiSan, no período de 2018 a 2020 houve um aumento da fome de 27,6%, quando o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave passou de 10,3 milhões para 19,1 milhões (PENSSAN, 2021). Tendo em vista que a reflexão sobre IAN é importante para o desenvolvimento saudável da população, e que houve alterações significativas na realidade da sociedade com o advento da pandemia, o objetivo deste trabalho foi de realizar uma revisão de literatura sobre o agravamento da insegurança alimentar durante a pandemia da COVID-19. Processos metodológicos Delineamento da pesquisa Esta revisão narrativa realizou uma busca em periódicos científicos nacionais e internacionais, que continham artigos relacionados ao tema: o aumento da insegurança alimentar e nutricional na pandemia de COVID-19 no Brasil. Estratégia de busca A pesquisa foi realizada nas bases científicas eletrônicas National Library of Medicine (MEDLINE), Web of Sciencee SCIELO. Também foram incluídas teses e dissertações disponíveis no Google Acadêmico, sites governamentais e documentos do Ministério da Saúde. Foram utilizados os descritores “Food Insecurity” OR “Insegurança Alimentar” AND “COVID-19 pandemic” OR “Pandemia COVID-19”. Critérios de elegibilidade e seleção dos artigos Para a revisão de literatura, foram incluídos artigos de 2020 e 2021. Foram excluídos os artigos que não eram gratuitos ou estavam incompletos. Resultados e Discussão Ribeiro-Silva et al. (2020) afirmaram que há um quadro real, acirrado pela crise sanitária e pelas medidas de distanciamento social que vêm sendo aplicadas no Brasil, resultando em impactos econômicos profundos nas condições de renda e emprego. A diminuição do poder de compra das famílias e a alta nos preços dos alimentos nos últimos anos foram os principais fatores que levaram a reduções no consumo alimentar, principalmente de alimentos nutricionalmente mais saudáveis (CEPAL, 2018; BRINKMAN, 2010). A pandemia evidenciou a existente e crescente fome estrutural no país. Isso ocorre de maneira ambígua a indicadores que apontam tendência de diminuição dessa fragilidade, e alheia à enorme extensão territorial e produção agrícola, que coloca o Brasil entre um dos maiores produtores mundiais de alimentos (SOUSA, 2019; GTSC, 2019). As disputas recentes, relacionadas ao agronegócio, ilustram esse cenário e desmontam as estruturas públicas de produção, distribuição e abastecimento de alimentos (SWINBURN, 2019). Os impactos ocasionados pela pandemia do coronavírus aumentaram as crises econômica e política já existentes no país. A COVID-19 evidenciou as desigualdades sociais e econômicas. Neste panorama, existe uma dimensão social e cultural da fome, que demanda uma discussão pública (DA CRUZ, 2020). Em um trabalho que teve como objetivo discutir os determinantes da insegurança alimentar no contexto da pandemia da Covid-19, Paula & Zimmermman (2021), corroboraram a ideia de que a insegurança alimentar, em especial em sua manifestação mais preocupante da fome e subnutrição, não decorre apenas da pandemia, mas de desequilíbrios estruturais que têm se acumulado historicamente no país. Esta visão encontra consonância em Moura, Ferreira, Alves (2021) que afirmaram que a IAN tem sido associada a fatores diversos, os quais antecedem a pandemia e contribuem para o aumento da miséria e da fome. Uma das consequências mais visíveis e preocupantes nesse contexto se refere ao agravamento da insegurança alimentar, num processo que prejudica ainda mais a situação de grupos já fragilizados e absorve outros, ainda alheios a essa realidade. Embora tenham aumentado como consequência da pandemia, a pobreza e a fome são aspectos estruturais de uma sociedade profundamente desigual (COHN, 2020). Famílias e populações, em contextos de fragilidade social, podem apresentar maior vulnerabilidade à COVID-19 por conta da desigualdade social. Esse fenômeno ocorre, sobretudo, em pessoas de baixo poder aquisitivo, desempregados e que trabalham de maneira informal, ainda que estejam em programas temporários de transferência de renda (BEZERRA, 2020; AHMED, 2020). Neves et al. (2021), em seu trabalho intitulado “Unemployment, poverty, and hunger in Brazil in Covid-19 pandemic times“, relataram que a pandemia de COVID-19 é um novo elemento que potencializa o recente aumento da fome no Brasil, e que ocorre em paralelo ao desmantelamento dos programas de Segurança Alimentar e Nutricional. A preocupação com o acesso aos alimentos é grande em situações de fragilidade financeira. O Brasil possui programas que incidem e auxiliam o consumo alimentar adequado para grupos vulneráveis. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) representa um dos principais meios de garantir alimentação adequada aos escolares brasileiros durante os dias letivos, e também é uma fonte de renda para muitos agricultores familiares. O fechamento das escolas, resultado do isolamento social, impôs a interrupção desta política, impedindo que os recursos ou os alimentos chegassem às famílias carentes e em situação de vulnerabilidade (RIBEIRO-SILVA et al. 2020). De maneira análoga, Amorim, Ribeiro, Bandoni (2020) afirmaram que a necessidade de isolamento social evidenciou que a ampliação do acesso à alimentação para além dos dias letivos, apesar de elevar os gastos do PNAE, tem alto potencial de efetividade na promoção da segurança alimentar e nutricional entre crianças e adolescentes em todo o país. Santana et al. (2021), em um trabalho que teve como objetivo avaliar o nível de sofrimento psíquico de adultos residentes em duas favelas urbanas localizadas na cidade de São Paulo, revelaram que entrevistados que experimentaram insegurança alimentar moderada ou grave e menor renda mensal tiveram um risco maior de sofrimento psicológico. Além disso, Jaime (2020) afirmou que medidas voltadas à garantia de renda emergencial estão entre as primeiras defendidas para a proteção social e a promoção da segurança alimentar e nutricional. A principal medida compensatória adotada, o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional para reduzir os efeitos da crise sanitária sobre o emprego e a renda, parece ser insuficiente para superar a condição de Insegurança Alimentar das famílias. A proporção de IAN moderada/grave em domicílios em que os moradores solicitaram o auxílio foi três vezes superior à média nacional e 2,8 aos que não solicitaram o benefício (PENSSAN, 2021). Considerações finais Este trabalho permitiu o conhecimento da dimensão da IAN no Brasil, em particular, no contexto da pandemia de COVID-19. As alterações sociais e econômicas parecem impactar com mais veemência à população com maiores fragilidades sociais, o que evidencia as desigualdades prévias no país. O medo da doença misturou-se à fragilidade econômica, o que acarretou uma incerteza incômoda ao bem-estar. Essa nova realidade impôs à sociedade uma realidade nunca vivida. A fome agravou as tensões já existentes e piorou a situação precária que muitos já suportavam. Nesse contexto, a realidade das crianças é uma grande preocupação para a população. Elas tiveram que se adaptar nas escolas, mudaram seu lazer e relações interpessoais. Por sua vez, programas como o PNAE parecem estabelecer, ao menos, alimentação aos escolares, o que já representa um enorme conforto às famílias necessitadas. Políticas públicas que visem auxiliar os cidadãos a superar as dificuldades impostas pela nova realidade da sociedade são opções relevantes para a diminuição da Insegurança Alimentar e garantia do direito fundamental à alimentação. Fonte de financiamento Trabalho sem financiamento. Conflitos de interesse Não há conflito de interesse a declarar. Referências Bibliográficas AHMED F; AHMED N; PISSARIDES C; STIGLITZ J; Whyine quality could spread COVID-19. Lancet Public Health 2020; 5(5):e240. AMORIM, A. L. B.; RIBEIRO JUNIOR, J. R. S.; BANDONI, D. H. Programa Nacional de Alimentação Escolar: estratégias para enfrentar a insegurança alimentar durante e após a COVID-19. Revista de Administração Pública, v. 54, p. 1134-1145, 2020. BEZERRA A. C. V; SILVA C. E. M; SOARES F. R. G; SILVA J. A. M. Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. CienSaude Colet 2020; 25(Supl. 1):2411-2421. BRASIL. 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Título do Evento
V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Título dos Anais do Evento
Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

COSTA, Camila Ferreira de Souza et al.. O AGRAVAMENTO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19.. In: Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Anais...Salvador(BA) UFBA, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VEnpssan2022/492419-O-AGRAVAMENTO-DA-INSEGURANCA-ALIMENTAR-E-NUTRICIONAL-DURANTE-A-PANDEMIA-DA-COVID-19. Acesso em: 13/06/2025

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