MÚSICAS E PRÁTICAS MUSICAIS AFRICANAS NOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MÚSICA NA BAHIA

Publicado em 17/02/2022 - ISBN: 978-65-5941-581-6

Título do Trabalho
MÚSICAS E PRÁTICAS MUSICAIS AFRICANAS NOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MÚSICA NA BAHIA
Autores
  • Ailton Mario Nascimento
Modalidade
Painel de Comunicação
Área temática
Currículo, Culturas, Saberes e Educações: questões etnicorraciais, de gênero, geracionais e sexuais
Data de Publicação
17/02/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/vcoloquiolusoafrobrasileirodecurriculo/420625-musicas-e-praticas-musicais-africanas-nos-cursos-de-licenciatura--em-musica-na-bahia
ISBN
978-65-5941-581-6
Palavras-Chave
Licenciatura em música; educação musical; etnomusicologia; músicas africanas; musicalidades africanas
Resumo
MÚSICAS E PRÁTICAS MUSICAIS AFRICANAS NOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MÚSICA NA BAHIA Ailton Mario Nascimento UNICAMP Resumo: O presente artigo pretende discutir sobre a importância e os possíveis significados das presenças e ausências das músicas africanas nos Cursos de Licenciatura em Música das Universidades na Bahia, tanto como repertórios musicais, como também, enquanto propostas didático-metodológicas. Através de uma abordagem crítica das relações e concepções estéticas hegemônicas na música acadêmica, tentamos apontar as tensões entre habitus conservatorial, diversidade cultural, relações étnico-raciais, decolonização do pensamento musicológico e as práticas relacionadas à formação musical, e de como esses vetores se articulam na construção e (re)construção dos currículos e práticas educativas das Licenciaturas em Música na Bahia. Tratou-se de uma Pesquisa qualitativa para a dissertação de mestrado de mesmo nome, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Música da Universidade Federal da Bahia (2020), da qual, este artigo é um pequeno recorte. INTRODUÇÃO Esse artigo se baseia na minha dissertação de mestrado defendida em 2020 no PPGMUS – UFBA, Músicas e Práticas Musicais Africanas nos Cursos de Licenciatura em Música na Bahia (NASCIMENTO, 2020), e essas foram as temáticas que orientaram a pesquisa: Qual a importância e os possíveis significados das presenças e ausências de músicas e musicalidades africanas nos cursos de Licenciatura em Música na Bahia, tanto como repertórios e práticas musicais, como também enquanto conhecimentos históricos, conceitos e propostas didático-metodológicas dos fazeres musicais de Áfricas? Com o termo músicas africanas, me refiro nesse texto às músicas originárias do Continente Africano, sejam elas tradicionais ou contemporâneas. No mesmo sentido, instrumentos musicais e musicalidades africanas seriam aqueles e aquelas dos povos e musicistas do Continente Africano. Meu interesse por musicalidades africanas data ainda do final dos anos oitenta em Salvador, quando um amigo (o saudoso músico e pesquisador Bira Reis) me presenteou com várias fitas (fitas K7) de Fela Kuti. Na época eu me interessava bastante por reggae e afro-jazz (a partir de bandas da afro-diáspora), mas tinha poucas referencias africanas (originárias do Continente Africano) na música. E assim fui aos poucos me tornando um ouvinte, admirador e pesquisador de músicas africanas de diversos gêneros, estilos e procedências, abrangendo também mais tarde, alguns instrumentos e práticas musicais africanas, sobretudo entre 2008 e 2013 em Berlim – Alemanha, onde pude conviver, tocar e aprender com vários musicistas africanos/as (ver em NASCIMENTO, 2020). Parti da hipótese de que as músicas africanas são geralmente invisíveis e ausentes na formação de professores/as de música (assim como nas demais modalidades de graduação em música) na Bahia. E que, o estudo e contato com os gêneros, práticas e concepções musicais do continente africano, seriam de fundamental importância para uma melhor compreensão das nossas músicas brasileiras, enquanto processos socioculturais historicamente construídos e em contínua (re)construção, assim como para se alcançar uma visão mais contextualizada da educação musical nos cursos de formação de professores/as de música e pesquisa musical na Bahia. Essas presenças/ausências de referências africanas nos currículos e práticas acadêmicas de música, revelariam assim, muito do que somos, aonde chegamos e para onde caminhamos enquanto uma sociedade pluriétnica e racialmente demarcada, como a brasileira. Na apresentação do Dossiê: Música e pensamento africano, Tiago de Oliveira Pinto e Priscila Gomes Correa seus organizadores, ao apresentarem os textos dos seis autores africanos constantes no dossiê vão ratificar o que dizíamos acima: Existe um imaginário amplamente difundido entre nós, emitido tanto por estudiosos quanto por leigos, de que música africana, e, por conseguinte a afro-brasileira, se pauta essencialmente no “tambor”, e naquilo que o tambor emite, no “ritmo”. O termo “música” raramente aparece nestas avaliações. Tampouco se desconfia, dentro deste entendimento, que há sistemas de uma teoria musical mais elaborada ligada às práticas musicais tradicionais africanas. É evidente, que estes conceitos não correspondem à realidade. São preconceitos, simplesmente. (PINTO; CORREA, 2018, P.6). Uma das consequências desse processo é a invisibilidade em terras brasileiras, tanto no conhecimento popular quanto na academia, de gêneros e estilos da música africana, ou músicas africanas (tradicionais ou contemporâneas) seus fantásticos instrumentos musicais e musicistas de inigualável qualidade técnica e alto nível de excelência. Para Nilma Lino Gomes, A realização de estudos que tenham como objetivo a problematização desse processo lacunar e o levantamento de alternativas para o mesmo pode ser vista como uma tentativa de construir uma ‘sociologia das ausências e das emergências’ inspirada no sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2004). (GOMES, 2017, p.40). Assim, o nosso objetivo primeiro foi o de observar e analisar como as músicas e musicalidades do Continente Africano e sonoridades e práticas musicais afro-brasileiras se inserem na vida social e educacional brasileiras, a partir dos cursos de Licenciatura em Música na Bahia. ESTRATÉGIA METODOLÓGICA E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA Os procedimentos metodológicos abrangeram o levantamento bibliográfico, a realização de entrevistas, formação de grupos virtuais de conversas (grupos de WhatsApp com estudantes) e análise dos documentos relativos aos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs), matrizes curriculares e ementas de disciplinas de sete cursos das seguintes universidades: Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Universidade do Estado da Bahia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Universidade Católica do Salvador, Universidade Metropolitana de Santos e Centro Universitário Claretiano . A situação pandêmica de COVID-19 me fez optar pela realização das entrevistas de forma remota como parte da metodologia de pesquisa para obtenção de dados. Ao todo foram entrevistados 47 professores/as e pesquisadores/as (também africanos) e 67 estudantes dos cursos pesquisados. Assim, foram realizadas uma série de entrevistas/conversas com discentes e docentes dos cursos de Licenciatura em Música da Bahia, além de mestres/as e pesquisadores/as da área musical, para investigar tais temáticas a partir das impressões e relatos de quem vivencia as presenças e ausências de repertórios, práticas e concepções musicais africanas nos cursos acadêmicos e nos meios musicais baianos e brasileiros. Em função das características e abrangência do presente artigo, optei por deixar as citações das entrevistas para uma posterior publicação. As questões gerais em torno do lugar ou não lugar (presenças e ausências) das músicas africanas nos cursos de Licenciatura em Música da Bahia estão ligadas, via de regra, aos mesmos cenários em outros estados, como também ao campo não acadêmico da música no Brasil. Nesse sentido foram convidados/as pesquisadores/as musicais não acadêmicos/as ou docentes de universidades de outros estados brasileiros. EDUCAÇÃO MUSICAL E COLONIALIDADE CULTURAL NO BRASIL Apesar das várias mudanças nos rumos das metodologias de educação musical no Brasil ao longo dos últimos 50 anos, a incorporação da abordagem sociocultural como possibilidade ou mesmo linha de pesquisa (sob influência da Pedagogia e da Etnomusicologia, sobretudo), como também da promulgação da lei 10.639 de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos da Educação Básica, o ensino de música nas escolas e, principalmente, a formação dos professores/as de música ainda passa ao largo da riqueza, das músicas e musicalidades africanas. O debate em torno das relações étnico-raciais e do racismo no Brasil parece não encontrar nas pesquisas em Educação Musical, a mesma ênfase e profundidade que em outros campos das Ciências Humanas. De modo geral, este é um debate periférico e muito recente na música acadêmica brasileira como um todo. É possível notar, no cotidiano do ensino superior em Música, as lutas que são travadas no campo da cultura: por exemplo, o desequilíbrio de valores atribuídos à música erudita, que é tomada como conhecimento oficial e legítimo (Pereira, 2012), e às outras músicas que atravessam a vida (pessoal e profissional) dos estudantes e o contexto em que os cursos estão inseridos — muitas vezes silenciadas como processos, quando não ausentes das discussões que ali se realizam. (PEREIRA, 2020, p. 4). No atual cenário das pesquisas musicais brasileiras, notadamente nas áreas de Educação Musical e Etnomusicologia, como também a intersecção entre as duas, há um número crescente de pesquisadores/as que buscam recontar essas histórias sobre seus próprios pontos de vista, gerando novas narrativas, criando novos conceitos, se (re)apropriando de saberes ancestrais e os recriando no espaço-tempo-social contemporâneo. Nessa busca por um maior engajamento político e sociocultural dos etnomusicólogos (que seguiam uma tendência já dominante na antropologia), surge a representatividade cultural, ou seja, com uma efetiva inserção das musicalidades africanas, afro-brasileiras e indígenas surge a necessidade de recontar essas histórias que foram invisibilizadas ou “mal contadas”, a partir da ótica e dos interesses do colonizador. É nesse cenário que surgem as lacunas dessas histórias abortadas pela cisão física da diáspora negra. O que a árvore do esquecimento não conseguiu apagar e sobreviveu nas mentes, nos corações, nas reconstruções étnico-identitárias diaspóricas, o que na linguagem melódico-musical dos lamelofones , cordofones e xilofones africanos presentes no Brasil até finais do século XIX, cada um oriundo de uma tradição cultural específica, estruturada e sistematizada dentro de suas lógicas sociais e espirituais específicas, migrou, por força das circunstâncias em terras brasileiras, para outros suportes sonoros como viola caipira, violão e cavaquinho, dentre outros vários (ver em KUBIK 1979 e SILVA 2005). Nossa hipótese, baseada em literatura recente da área, é a de que os métodos de ensino e as epistemologias nas quais os mesmos se assentam na maioria dos cursos de música em nossas universidades (com as devidas ressalvas aos casos de exceção com docentes insurgentes ao modus operandi da maioria), revelam a predominância de habitus e disposições elitistas. Historicamente associadas à educação musical, estas disposições vão contribuir fortemente para a construção/manutenção de visões hierarquizantes de gêneros, estilos e gostos musicais, assim como serão fator de desestímulo para propostas democratizantes de práticas musicais a partir de relações mais horizontais de saberes em consonância com epistemologias que visem uma decolonialidade de mentes e corpos (ver em QUEIROZ, 2017 e 2020, CARVALHO, 2006 e PEREIRA, 2012 dentre outros). A sociedade brasileira se funda na desigualdade econômica, cultural e de representatividade dos diferentes segmentos da população, nas esferas de poder político, econômico e simbólico. Analisando a música na escola a partir desse ângulo, José Nunes Fernandes (1997) pontua que temos um: (...) ensino tradicional de música, que tem caráter elitista, por sua própria estruturação e que exige treino exaustivo e prolongado para sua compreensão, execução e elaboração. Tal caráter elitista e grau de dificuldade de compreensão bloqueiam o acesso à música de muitos alunos. Embora a escola defenda, enalteça e inclua a música no currículo, não tem meios para sua realização. (FERNANDES, 2000, p. 21). A mitificação e supervalorização das tradições musicais clássicas europeias, seguem inadvertidamente no Brasil, um padrão estabelecido nas mais diversas áreas de conhecimento. Nossas universidades, quando foram construídas, desautorizaram sistematicamente todos os saberes dos indígenas e todos saberes dos africanos escravizados no Brasil. Esta desautorização está até hoje embutida nos conteúdos das nossas aulas e nos nossos temas de pesquisa. (CARVALHO, 2006, p.163). CARACTERÍSTICAS MARCANTES DAS MUSICALIDADES AFRICANAS Mais que uma questão de identidade étnico-racial, essa inclusão de musicalidades e práticas musicais do Continente Africano nos currículos e conteúdos das disciplinas dos cursos de graduação em música, abre inúmeras possibilidades de articulações, adequações e ressignificações de conceitos, descoberta e estabelecimento de novos nexos relacionais, na intrincada rede dialógica entre as musicalidades afro-diaspóricas (onde se localiza a MPB) e africanas. Isso também proporcionaria diálogos e conexões musicais com vários novos campos de conhecimento no contexto científico brasileiro, como por exemplo, a filosofia africana, literaturas africanas, história da África, danças africanas, moda africana, cinema africano, artes plásticas africanas e várias outras, que, renovam seus campos epistemológicos a partir de diálogos cada vez mais consistentes e fecundos com as Áfricas, suas histórias culturais, artísticas e científicas. Insisto em sublinhar essa plêiade de possibilidades e desdobramentos potenciais dos estudos e práticas das músicas africanas, conduzindo a outros contextos e áreas do conhecimento, estabelecendo conexões necessárias com outras possibilidades epistêmicas de grande ajuda até, no alargamento da abrangência de entendimentos sobre músicas brasileiras e afro-diaspóricas, em geral. Desse modo, incluir na medida do possível, as culturas musicais africanas nos currículos e estudar músicas africanas na universidade, seria uma forma de melhor compreender as músicas brasileiras, sobretudo, em seus aspectos invisibilizados e ou mal compreendidos, como propõe a Lei 10.639/03. Esse processo requer revisão curricular, metodológica e bibliográfica. Uma série de fatores que demandam adequações. Por exemplo: a transmissão oral de conhecimentos dentro da concepção de cultura acústica, como conceituada por José de Sousa Miguel Lopes (1999), é um dispositivo metodológico fundamental das práticas musicais tradicionais africanas, importante, tanto para se adentrar a dimensão dialógica sensorial e corporal dessas práticas, como para a desconstrução de certas dependências da escrita como parâmetro absoluto de orientação temporal e melódica para execução musical, assim como, para análise de práticas musicais não euro-referenciadas. A essencialidade da comunidade nacional chamada Moçambique parece assentar numa cultura fundamentalmente acústica. Designamos por cultura acústica a cultura que tem no ouvido, e não na vista, seu órgão de recepção e percepção por excelência. Trata-se, no entender de Antonio Viñao Frago, de uma ‘cultura não linear, mas esférica’ (1993, p.19). Numa cultura acústica, a mente opera de um outro modo, recorrendo (como artifício de memória) ao ritmo, à música e à dança, à repetição e à redundância, às frases feitas, às fórmulas, às sentenças, aos ditos e refrões, à retórica dos lugares-comuns técnica de análise e lembrança da realidade – e às figuras poéticas – especialmente a metáfora. Sua oralidade é uma oralidade e flexível e situacional, imaginativa e poética, rítmica e corporal, que vem do interior, da voz, e penetra no interior do outro, através do ouvido, envolvendo-o na questão. Nessa cultura, os homens e mulheres sabem escutar e narrar, contar histórias e relatar. E isto com precisão, claridade e riqueza expressiva. De um modo cálido e vivo, como a própria voz. São mestres do relato, das pausas e das brincadeiras, da conversa e da escuta. Amam contar e ouvir histórias, tomar parte nelas. (LOPES, 1999, p. 69). Em África, mesmo em contextos urbanos e plenamente inseridos na cultura ocidental globalizada, os fazeres musicais estão normalmente inseridos em algum nível de coletividade. Essa é uma dimensão que atravessa as práticas musicais africanas. E isso não passa, necessariamente, pela evocação de conceitos teóricos usualmente associados às músicas africanas, ou seja, a circularidade formal, a ciclicidade rítmica e melódica, os cânticos em pergunta e resposta ou o próprio conceito/significado do termo música, que em inúmeras culturas ancestrais africanas, diferem do nosso conceito ocidental de música enquanto expressão artística e atividade profissional. Em muitas línguas africanas (também em muitas línguas ameríndias) não existe um termo específico para traduzir o sentido ocidental da palavra música. Uma pergunta a ser considerada é: O que é música para os povos africanos? Em se tratando de um continente com 54 países, milhares de etnias e mais de 2000 línguas, o que poderíamos, é, destacar algumas similaridades entre o que diferencia o nosso olhar sobre música, de certas similaridades entre os papéis, lugares e funções gerais da música nas culturas tradicionais africanas. Em entrevista, o mestre senegalês Doudou Rose Tinhane ((NASCIMENTO, 2020),), com muita ênfase relatou que ele foi escolhido, determinado, antes do seu nascimento físico, a ser um Griot músico e até mesmo o seu tambor, de uso exclusivo seu, foi confeccionado antes do seu nascimento. Também me contou de como ele dormia, enquanto bebê, embaixo do seu tambor, como sua mãe, que era dançarina, lhe levava para as festas e cerimoniais onde seu pai (que também era Griot como seu avô) ia tocar, e depois do seu aprendizado formal, quando o pai lhe ouvindo tocar, uma vez ou outra lhe interrompia para mostrar uma forma mais adequada de técnica ou forma rítmica. E nada mais que isso. Doudou também destacou o clima de reverência e seriedade das ocasiões em que se faz música nas comunidades tradicionais, pois ali, a música requer e pressupõe conexões espirituais. Não obstante haja normalmente dança e alegria, o clima geral é muito respeitoso e o valor da música vai muito além de um valor puramente de deleite estético. A música nessas ocasiões, é um dos elos de uma cadeia maior de sentidos estéticos, filosóficos, socioculturais e histórico-ancestrais do ritual, da festa, do evento. Nessas culturas, normalmente todas as pessoas cantam e dançam, muitas tocam instrumentos musicais (BLACKING, 1973, NZEWI, 1999, NZEWI; AGAWU, 2003), mas existem figuras predestinadas, não por talento, mas por determinação espiritual, a fazer música como uma missão na vida. E essa missão vai muito além do papel de entretenimento, diversão e deleite coletivos. Essa é também uma função importante para a comunicação com os ancestrais, manutenção da estabilidade espiritual e continuidade cultural daquele povo. Assim como ela, a música enquanto objeto sonoro, normalmente não se dissocia da dança ou de outros elementos do ritual, da cerimônia, da festa a qual faz parte. Elementos como música, dança e representação constantemente são vistos como integrantes de um todo, portanto, uma visão muito mais holística de arte, cultura e espiritualidade num todo integral e sincrônico. Vale também frisar que é muito comum em inúmeras culturas tradicionais africanas (assim como em diversas culturas ameríndias) a utilização da música nos processos de cura física e espiritual (no ocidente, apenas a poucas décadas a musicoterapia vem pesquisando e explorando o potencial e aplicabilidade terapêutica da música). Tudo isso pode ser referido para, de certo modo, caracterizar as dimensões de coletividade nos fazeres musicais africanos. A pesquisadora Luiza Nascimento Almeida (2020), no artigo “Natureza, Comunidade e Ritual: Música e Ancestralidade em Malidoma Somé”, consegue de forma poética e delicada destacar diversos trechos e aspectos fundamentais da obra de Somé, que segundo a autora, é o “principal porta-voz do Povo Dagara no mundo”. Assim ela vai destacar, por exemplo, o papel central da música na cultura dos Dagara. Uma reflexão sobre: “o papel da música como tecnologia propiciadora do devido equilíbrio sem o qual a existência da comunidade seria impraticável.” (ALMEIDA, 2020, p. 136). O senso de comunidade é alimentado à medida que é preservada a relação com a natureza. Quanto maior esse senso e, por conseguinte, a prática ritual, maior também o senso de propósito (coletivo e individual) e de identidade. O ser humano se expressa com mais acuidade, como vimos, através da música, visto que essa nos aproxima da Fonte, abrindo nossas comportas, desopilando nossos egos. Identidades coesas, em harmonia com o ideal comunitário, geram mais música, mais cantos, mais consenso, mais consonância, de modo que a música de um povo expressa, na verdade, a identidade coletiva que é o somatório de todas as células identitárias que integram um corpo social. Quanto mais musical um povo, portanto, maior o senso de comunidade nele potencializado. (ALMEIDA, 2020, p. 160). Mas o que pretendo aqui sublinhar, é que, mesmo quando essas supracitadas características não estão presentes ou não são relevantes para o contexto, sempre resta o aspecto coletivo, que de alguma forma, permeia as ações e se constitui de elemento estético e sonoro para a produção musical, sem o qual, essas práticas musicais africanas, esvaziadas de sentido, passam apenas a ratificar paradigmas e epistemologias colonizadoras ocidentais. POR QUE MÚSICAS AFRICANAS NA ACADEMIA E COMO INCLUÍ-LAS? Depois do ingresso, nos últimos anos de um considerável contingente de jovens negros/as e indígenas nas universidades públicas brasileiras, esses coletivos lutam para o reconhecimento e inserção nas universidades, de saberes, paradigmas e epistemologias dissidentes daquelas ocidentais euro-referenciadas e hegemônicas nos sistemas educacionais. A inclusão desses repertórios, práticas, instrumentos e técnicas musicais não euro-ocidentais, pressupõe e se coligam com novas formas de ensino-aprendizagem, e a partir delas à consolidação de novas epistemologias, novas formas de se pensar, produzir e se relacionar musicalmente. Para além da desigualdade no que concerne a representação simbólica e seus impactos na construção identitária da juventude negra brasileira, algo bem mais problemático é a perda de um manancial riquíssimo de possibilidades de enriquecimento e complexificação de nossos processos musicais, em suas dimensões de produção, fruição, transmissão, análise e compreensão musicais. Apresento abaixo um quadro demonstrativo com os componentes relacionados à temática africana e/ou afro-brasileira encontrados nos PPCs dos cursos pesquisados. QUADRO 1 – Distribuição dos componentes das instituições de ensino superior pesquisadas Fonte: NASCIMENTO (2020) Entre as disciplinas optativas, na Universidade Estadual de Feira de Santana, encontramos Tópicos Especiais de Estudo em Música VII – Por uma História da Música da África, cuja ementa consta uma revisão sistemática sobre história da música da África, reflexões críticas acerca da literatura e a tentativa de construção de uma epistemologia própria. A primeira edição desta disciplina foi programada e ofertada no semestre de 2019.2, mas não houve inscrições suficientes, provavelmente em função de choque de horários com outras disciplinas e não foi efetivada nesse semestre. O fato chama a atenção, pois a elaboração dessa proposta, que envolveu uma equipe de professores, foi motivada por questionamentos e pedidos dos próprios discentes (NASCIMENTO, 2020). Com relação ao oferecimento dos componentes obrigatórios, é de notar a ausência de disciplinas que reflitam a questão da diversidade nas matrizes curriculares, quando a referência é musicalidade africana. Nesse sentido, apenas na UFBA encontrei um componente específico com conteúdo voltado para uma possível aprendizagem de ritmos afro-brasileiros ou de influência africana, que foi o componente Ritmos Afro-baianos. O que a análise das ementas e matriz curricular nos suscita, é que o conteúdo sobre musicalidades africanas parece estar diluído e apresentado nos currículos das licenciaturas em música, a partir da perspectiva diaspórica, por meio das discussões em torno das musicalidades afro-brasileiras, e por desdobramento, afro-baianas, como vemos no currículo da UFBA, ou estendendo-se para a diáspora latino-americana, como encontrado na grade curricular da UFRB, ao oferecer o componente Tópicos Especiais em Música Afro-Cubana, ao tempo que reforça a hipótese inicialmente apresentada na pesquisa, de que os projetos das licenciaturas em música trazem em sua concepção, muito das influências e cânones euro-referenciados para desenvolverem seus currículos, não havendo uma centralidade na idealização de referenciais menos hegemônicas. Contudo, notamos um esforço, notadamente nas universidades públicas, no sentido de mudanças e adaptações de conteúdos e criação de novas disciplinas, que contemplem aspectos musicais afro-diaspóricos e africanos, assim como, indígenas e questões de gênero na relação com a música. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos dizer que estamos dando os primeiros passos na possibilidade de construção de formações musicais culturalmente diversas. Além de repensar os currículos, as práticas e as metodologias, temos que abrir reais possibilidades de intercâmbios e trocas culturais com universidades e centros de pesquisa africanos, a exemplo do que já tem sido feito em determinados departamentos de ciências humanas e letras de algumas universidades brasileiras. Nos departamentos de música, infelizmente, ainda não estabelecemos essas pontes. Como também ainda não temos formas e programas efetivos de interlocução com os saberes musicais tradicionais locais. Os nossos mestres da pulsante tradição musical afro-baiana e afro-diaspórica ainda não participam da formação musical das novas gerações na universidade. Nos relatos dos estudantes e de alguns pesquisadores egressos dos cursos de graduação e pós-graduação da Bahia, notamos que as diversidades musicais, em geral, e em especial, as presenças de musicalidades africanas e afro-brasileiras nas práticas acadêmicas foram mencionadas como exceções aos cânones musicais euro-referenciados e ainda hegemônicos nesses espaços. Os professores/as responsáveis por esses diálogos e interlocuções com outras musicalidades eram citados enquanto “Ilhas” de divergência num “oceano” de padrões canônicos estabelecidos (NASCIMENTO, 2020, p. 98). É interessante então notar, como as diversidades musicais nas universidades são percebidas de modo diverso por docentes e discentes. Nas narrativas dos/as professores/as, vai-se valorizar os esforços de alguns/mas docentes no sentido de oferecer disciplinas, projetos e vivências que obedecem à lógica de desconstrução de padrões estéticos, conceituais, metodológicos euro-referenciados e a inclusão de outras musicalidades, onde se incluem as africanas e afro-diaspóricas. Já na ótica dos/as estudantes há uma percepção de que existem exceções em algumas disciplinas e projetos, mas o ethos que dirige as ações, baliza o sistema e que predomina na grande maioria das situações e instâncias de aprendizagem, ainda está bem distante de diálogos horizontais não subalternizantes e inserções consistentes - não pontuais - de outras musicalidades não hegemônicas, em especial as africanas, no cotidiano acadêmico. Essa aparente dicotomia, marca ao meu ver, uma ambiguidade natural de um momento inicial de mudanças. Por um lado, as expectativas de ruptura com os modelos canônicos tradicionais de ensino/aprendizagem musicais, que já são comprovadamente insuficientes para abarcar a gama de novas (como as também antigas, mas invisibilizadas) possibilidades, sentidos e funções musicais na sociedade brasileira contemporânea. E por outro lado as resistências às mudanças, o racismo estrutural-institucional e as disputas de poder nos departamentos e colegiados. REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. N. (2020). Natureza, Comunidade e Ritual: Música e Ancestralidade em Malidoma Somé. Itaca [Online], n. 36, 136 - 163. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/31884. Acesso em 20 dez. 2021. BLACKING, John. How Musical is Man?. Washington: University of Washington Press, 1974. ____. Venda children’s songs: a study in ethnomusicological analysis. Chicago/London, University of Chicago Press, 1995a [1967]. 210 p. BRASIL. Presidência da República. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. 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Título do Evento
V Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares
Cidade do Evento
Salvador
Título dos Anais do Evento
Anais do V Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares e VI (IN)FORMACCE - 2021
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

NASCIMENTO, Ailton Mario. MÚSICAS E PRÁTICAS MUSICAIS AFRICANAS NOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MÚSICA NA BAHIA.. In: Anais do V Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares e VI (IN)FORMACCE - 2021. Anais...Salvador(BA) FACED-UFBA (ONLINE), 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/vcoloquiolusoafrobrasileirodecurriculo/420625-MUSICAS-E-PRATICAS-MUSICAIS-AFRICANAS-NOS-CURSOS-DE-LICENCIATURA--EM-MUSICA-NA-BAHIA. Acesso em: 14/05/2025

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