GUILHOTINA DE HUME: IMPLICAÇÕES DA SEPARAÇÃO FATOS/VALORES PARA A TEORIA DO DESIGN

Publicado em 25/03/2020 - ISSN: 2526-9933

Título do Trabalho
GUILHOTINA DE HUME: IMPLICAÇÕES DA SEPARAÇÃO FATOS/VALORES PARA A TEORIA DO DESIGN
Autores
  • Marcio Rocha Pereira da Silva Baraco
Modalidade
Trabalho Completo
Área temática
Mestrado
Data de Publicação
25/03/2020
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/spgd_2019/224727-guilhotina-de-hume--implicacoes-da-separacao-fatosvalores-para-a-teoria-do-design
ISSN
2526-9933
Palavras-Chave
Epistemologia do design. Cultura e sociedade. Pesquisa e metodologia do design. Filosofia do design. David Hume.
Resumo
O filósofo David Hume faz uma diferenciação entre questões de fato e questões de valor. Essa diferenciação é conhecida como “Lei de Hume”, ou “dicotomia é/deve ser” ou ainda como “Guilhotina de Hume”. Especificamente, ele chama a atenção para o conflito entre sentenças do tipo “é” para sentenças do tipo “deve ser”. Por exemplo, [A] o diâmetro de um pé de cadeira capaz de suportar o peso de uma pessoa É x; logo [B] o pé da cadeira DEVE ter um diâmetro de no mínimo x. A consideração de Hume não é que [B] esteja errado, nem que [A] não tenha relação com [B], mas que a ligação entre [A] e [B] nunca é necessária ou automática. Questões do tipo [A] são factuais, e podem ser investigadas racionalmente. Questões do tipo [B] são valorativas, e portanto envolvem um julgamento que é sempre feito a partir preceitos morais. As razões são portanto inúteis para decidir questões valorativas, pois para isso são necessários desejos subjetivos (que na nomenclatura de Hume seriam paixões). Em outras palavras, sempre existe uma terceira sentença que faz a ligação entre sentenças dos dois tipos. No caso em questão, o designer DEVE fazer os pés da cadeira maiores que x, SE [C] não deseja que o usuário caia no chão. Sentenças do tipo [C] constituem guias de conduta que orientam as decisões. O problema é que este tipo de sentença nunca é tão clara para quem a ouve quanto para quem a diz. Em outras palavras, misturar fatos com valores cria um enorme risco de desentendimento. Além disso, essas sentenças normalmente são implícitas, o que as torna difíceis de discutir. Um outro exemplo pode tornar essa problemática mais clara. As cadeiras “engraçadas” criadas pelos Irmãos Campana normalmente são criticadas por serem muito famosas mas não venderem. Mesmo alguém que considere estas cadeiras um mau projeto deve concordar que esta crítica é extremamente superficial. Ela pode ser analisada da seguinte forma: [A1] pessoas comuns não fazem uso de cadeiras engraçadas, portanto [B1] designers não devem projetar cadeiras engraçadas. Mas não fica claro qual seria a sentença [C1] que faz a ligação entre [A1] e [B1]. Provavelmente, a ligação implícita [C1] gira em torno da categoria do “uso”, mas os valores em torno dessa categoria não são articulados. Embora “utilidade” seja uma ideia compreensível e analisável, não é possível retirar dela um conjunto de “deveres” de forma automática e inambígua. Este conflito entre questões factuais e valorativas está presente no cânone do design, na famosa fórmula de Adolf Loos de que “Ornamento é crime”. É possível dizer factualmente que ornamentos são uma série de coisas, como caros, elitistas, supérfluos, incompreensíveis, e assim por diante. No entanto, crime implica um julgamento. Embora o julgamento possa ser informado pelas características factuais do ornamento, ele foi promulgado por um sentimento que é independente de todas essas características. A frase “ornamento é crime” serve apenas de proselitismo dos valores, sem ser capaz de articulá-los claramente e muito menos explicá-los. A Guilhotina de Hume separaria peremptoriamente “ornamento é” da avaliação moral implícita em “crime”. Mas a separação de fatos e valores apresenta implicações para o design ainda mais profundas e problemáticas, quando se considera a relação do design com a ciência. O compromisso filosófico e institucional da ciência é limitar-se a questões factuais, de forma desinteressada, justamente para evitar julgamentos de valor. Ou seja, a ciência tem o compromisso de se limitar ao que “é” e abrir mão de opinar sobre o que “deve ser”. Porém, o design faz uso da ciência de forma normativa. Ou seja, o design extrai da ciência regras e normas a serem seguidas em projetos. O cálculo desinteressado do diâmetro do pé da cadeira, feito a partir da ciência dos materiais, se torna uma regra normativa impondo decisões de projeto. A ciência da ergonomia possui considerações complexas sobre o que é trabalho, mas o design tende a retirar dessas considerações apenas as tabelas ergonométricas. Dessa forma o design tende a evitar práticas científicas, apesar de valorizar a ciência de forma abstrata. A ciência é valorizada apenas como fonte de dados, preferencialmente dados em forma de prescrições a serem seguidas de forma mais ou menos mecânica. Explicações científicas aparecem no projeto apenas como justificativa para decisões tomadas pelo designer, não como contextualização ou explicação, e justamente por isso elas tendem a ser justificativas ad hoc. Este uso normativo vai claramente contra a filosofia da ciência, mas contraditoriamente muitas vezes a ciência é usada como justificativa da atividade, numa suposição de que os projetos de design são sustentados por essa ciência que é adotada apenas em nome. Se aceitarmos a heurística proposta por Hume, de não misturar fatos e valores, seremos obrigados a buscar justificativas mais consistentes para o design. Especificamente, seremos obrigados a especificar mais claramente os valores morais que orientam os projetos. Mas, muito provavelmente, seremos levados também a entender melhor a relação do design com o conjunto da sociedade, visto que os dados científicos já não são mais aceitos como uma autoridade inquestionável, como foram no passado.
Título do Evento
5º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais do Simpósio de Pós-graduação em Design da Esdi
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

BARACO, Marcio Rocha Pereira da Silva. GUILHOTINA DE HUME: IMPLICAÇÕES DA SEPARAÇÃO FATOS/VALORES PARA A TEORIA DO DESIGN.. In: Anais do Simpósio de Pós-graduação em Design da Esdi. Anais...Rio de Janeiro(RJ) ESDI / UERJ, 2019. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/spgd_2019/224727-GUILHOTINA-DE-HUME--IMPLICACOES-DA-SEPARACAO-FATOSVALORES-PARA-A-TEORIA-DO-DESIGN. Acesso em: 25/06/2025

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