VAI A PÉ OU VAI DE CARRO? MOTORISTAS E TRANSEUNTES EM DISTINTAS EXPERIÊNCIAS URBANAS NO RIO DE JANEIRO DE LIMA BARRETO E MACHADO DE ASSIS

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
VAI A PÉ OU VAI DE CARRO? MOTORISTAS E TRANSEUNTES EM DISTINTAS EXPERIÊNCIAS URBANAS NO RIO DE JANEIRO DE LIMA BARRETO E MACHADO DE ASSIS
Autores
  • Sheila Regina Alves Carvalho
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Linguagens, imagens e ritmos
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/901870-vai-a-pe-ou-vai-de-carro-motoristas-e-transeuntes-em-distintas-experiencias-urbanas-no-rio-de-janeiro-de-lima-ba
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Vivências geoliterárias; Rio de Janeiro de Lima Barreto; Rua do Ouvidor de Machado de Assis
Resumo
Este trabalho propõe estabelecer um diálogo entre o conto “Que rua é essa? ”, de autoria de Lima Barreto — publicado originalmente na revista Careta, em 24 de abril de 1915 — e uma seleção de trechos de crônicas de autoria de Machado de Assis sobre a Rua do Ouvidor, publicadas na segunda metade do século XIX e que compuseram o corpus empírico da minha dissertação de mestrado (CARVALHO, 2023). Pretendo demonstrar, através da análise destes textos geoliterários, os diferentes modos de viver a cidade proporcionados pelo seu deslocamento por meio do automóvel, abordado no conto de Lima Barreto, no qual o autor narra a experiência urbana de um sujeito que vive a cidade do Rio de Janeiro a partir da janela de seu carro, e através da perspectiva dos transeuntes, que palmeiam e vencem as ruas da cidade à pé, versada nas crônicas de Machado de Assis sobre a Rua do Ouvidor, o logradouro mais importante da cidade fluminense no século XIX. Em seu conto “Que rua é essa? ”, Lima Barreto narra a experiência urbana do doutor Fagundes, amazonense recém-chegado ao Rio de Janeiro para exercer o cargo de delegado auxiliar do prefeito de polícia Doutor Secundino, seu conterrâneo. O autor descreve doutor Fagundes como alguém bastante comprometido a se inteirar do seu cargo e da cidade, principalmente através dos jornais, que lhe eram entregues à domicílio. No entanto, a característica mais marcante do personagem é o fato do mesmo somente deslocar-se na cidade fazendo uso do seu automóvel, pelas ruas largas que propiciavam a sua passagem. Até que, certo dia, passados seis meses de sua estadia na cidade fluminense, o Doutor Fagundes decide abdicar do seu costume automotivo e percorrer a cidade a pé. Ao subir uma avenida, se depara com um Rio de Janeiro completamente outro: percorre ruas estreitas até então desconhecidas e desemboca em um logradouro com um movimento extraordinário, cogitando até mesmo estar ali havendo alguma revolução ou movimento grevista. Surpreendido, o personagem faz a um guarda a pergunta título deste conto, que, por sua vez, lhe responde, não sem indagar, estupefato, o fato do delegado não conhecer a principal rua da cidade. A seguir, convido o leitor à leitura do conto ora analisado: "Tendo sido nomeado prefeito de polícia, o dr. Secundino, chefe político muito estimado em Tefé, estado do Amazonas, trouxe ele para seu delegado auxiliar o dr. Fagundes, que há tantos anos não saía daquela longínqua localidade brasileira. Em toda a parte, os cargos policiais são dados a quem conhece perfeitamente as localidades que vão policiar; entre nós, porém, esse critério obsoleto não é obedecido, de modo que o dr. Fagundes tomou conta do seu cargo, para felicidade da população carioca e da cidade do Rio de Janeiro que ele completamente desconhecia. Fagundes, apesar dos seus trinta anos de Tefé ou Ega, não era bronco e tinha as suas luzes; procurou, portanto, exercer o seu cargo com a máxima honestidade e clarividência. Pôs-se logo nos primeiros meses a estudar as coisas policiais e consultou com mão diurna e noturna as obras do dr. Elísio, principalmente a gíria da gatunagem que o atraía, tanto pelo lado filológico como pela sua utilidade policial. Como bom alto funcionário de polícia, Fagundes não deixava o automóvel. Ia para a prefeitura de polícia de automóvel, voltava para a casa de automóvel. Se fazia compras com Mme. Fagundes... Que interessante senhora! O seu chapéu tinha dois metros de altura e uma tonelada de enfeites... E a saia? Na cintura, fazia um chumaço, que bem parecia um salva-vidas aperfeiçoado... Dizíamos: se fazia compras com Mme. Fagundes, o auto parava à porta das casas de fazendas, dos armarinhos, dos armazéns, das casas de chapéus, açougues etc. Ao teatro e às diligências, Fagundes só ia de automóvel; e era assim. Ao fim de seis meses, Fagundes estava de fato inteirado da polícia científica do dr. Elísio, conhecia os regulamentos e gozava com requintado prazer a velocidade inebriante de um auto. Não correra pelo seu cartório nada importante, nada de chamar a atenção do público e dos jornais, de modo que a alta autoridade, se não recebia elogios, não recebia ataques. Fagundes desfrutava o cargo com a mansidão de uma jiboia que digere o boi que engoliu. Juntava dinheiro até, pois nem comprava jornais. As redações se encarregavam de mandá-los de graça a S. Ex.a. Ele os lia no seu gabinete com o vagar provinciano, especialmente as notícias de polícia. Lendo-os, se por exemplo caía-lhe sob os olhos “ontem, houve um incêndio na rua da Misericórdia”, logo ele perguntava ao contínuo, a um guarda, ao escrivão: onde é essa rua? Ensinavam-lhe e ele continuava a ler. Certo dia, Fagundes foi levar um alto personagem a bordo e resolveu, na volta, subir a avenida a pé. Foi vindo, olhando sempre os guardas que o cumprimentavam respeitosamente. Subia, cruzando uma porção de ruas estreitas. Chegou a uma destas, em que havia um movimento extraordinário. Pensou em alguma grève, pensou em revolução. Aproximou-se de um guarda e perguntou: — Que rua é esta? O guarda, descobrindo-se a meio, respondeu: — Vossa Excelência não sabe? É a rua do Ouvidor. " (BARRETO, 2010) De certo, o doutor Fagundes não era um leitor das crônicas de Machado de Assis, ou talvez o delegado não recebesse, para leitura em seu gabinete, as edições de jornais, revistas e gazetas nas quais O Bruxo do Cosme Velho — alcunha conferida à Machado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade — as publicou, já que a Rua do Ouvidor obteve expressivo protagonismo nesses escritos, tendo sido citada pelo autor em 63 de suas 493 crônicas. Em Carvalho (2023), ao analisar as formas pelas quais Machado de Assis se referiu à Rua do Ouvidor em suas crônicas, foi observado que o autor conferiu grande destaque não só à sua importância econômica e cultural, como também à sociabilidade inerente a este logradouro. Ao retirar o Doutor Fagundes do seu gabinete e proporcioná-lo percorrer as ruas estreitas da cidade a pé, o conto de Lima Barreto passa a dialogar diretamente com as crônicas de Machado de Assis, grande entusiasta do “movimento extraordinário” da Ouvidor, que exerce a sua atração sobre seus transeuntes, transformando-se em um lugar de onde ninguém quer ir embora, conforme afirmou Machado em crônica publicada no jornal Gazeta de Notícias em 27 de agosto de 1893: “A razão de estar a rua do Ouvidor sempre cheia é poder cada um ir-se embora; ficam todos" (ASSIS, 1893). Na crônica machadiana, a Ouvidor não só se caracteriza por seu movimento de gentes e mercadorias, como também pela existência de um fluxo contínuo de fatos e assuntos de toda sorte, que atravessam toda a extensão da rua na qual, de acordo com Machado, “a vida passa em burburinho”, conforme salientou na crônica publicada também na Gazeta de Notícias, em 29 de janeiro de 1893: “Rua do Ouvidor, que pisamos, onde a vida passa em burburinho de todos os dias e de cada hora. Chovem assuntos modernos (...) ainda não estava descoberto o remédio que previne a concepção para sempre, e de que ouço falar na Rua do Ouvidor”. (ASSIS, 1893). Cabe destacar a expressão “que pisamos” para se referir à Rua do Ouvidor, uma vez que este logradouro, por possuir apenas 7 metros de largura, era destinada somente, à época de Machado, para o trânsito de pedestres, sendo vedada a circulação de carros. A Ouvidor, portanto, se caracteriza por nela haver um som permanente, um falatório generalizado. Soma-se a sua diversidade de assuntos, proferidos em diferentes tons e volumes, os segredos. De acordo com Machado de Assis, até mesmo o que deveria ser secreto faz sua hora de Ouvidor, a exemplo do que afirmou na crônica publicada em 01 de novembro de 1896, na Gazeta de Notícias: "Ninguém ignora que nesta cidade os segredos fazem a sua hora de rua do Ouvidor, todos os dias, entre quatro e cinco. É uso antigo; raros se deixam estar em casa" (ASSIS, 1896). Destarte, buscamos neste trabalho estabelecer um diálogo entre as duas formas de viver a cidade propostas no conto de Lima Barreto e nas crônicas de Machado de Assis, onde o conto “Que rua é essa?” parte de uma vivência da cidade a partir do trânsito de um sujeito em seu automóvel, cujo conhecimento do Rio de Janeiro se restringe às vias nas quais seu veículo pode transitar, culminando em uma experiência semelhante às observadas nas crônicas citadas de Machado de Assis, que priorizam a perspectiva dos transeuntes no viver a cidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Lima. Que rua é essa? In: Contos Completos de Lima Barreto; organização e introdução de Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. P. 242-243. ASSIS, Machado de. A Semana. Gazeta de Notícias, 29 de Janeiro 1893. in: Obras Completas de Machado de Assis VI: Crônica Completa (Edição Definitiva). Edição do Kindle. Não paginada. ASSIS, Machado de. A Semana. Gazeta de Notícias, 27 de agosto 1893. in: Obras Completas de Machado de Assis VI: Crônica Completa (Edição Definitiva). Edição do Kindle. Não paginada. ASSIS, Machado de. A Semana. Gazeta de Notícias, 01 de novembro 1896. in: Obras Completas de Machado de Assis VI: Crônica Completa (Edição Definitiva). Edição do Kindle. Não paginada. CARVALHO, Sheila Regina Alves. Geografias Machadianas: a Rua do Ouvidor nas crônicas de Machado de Assis (1861-1897). 2023. 163f. Dissertação (Mestrado em Geografia) — Instituto de Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CARVALHO, Sheila Regina Alves. VAI A PÉ OU VAI DE CARRO? MOTORISTAS E TRANSEUNTES EM DISTINTAS EXPERIÊNCIAS URBANAS NO RIO DE JANEIRO DE LIMA BARRETO E MACHADO DE ASSIS.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/901870-VAI-A-PE-OU-VAI-DE-CARRO-MOTORISTAS-E-TRANSEUNTES-EM-DISTINTAS-EXPERIENCIAS-URBANAS-NO-RIO-DE-JANEIRO-DE-LIMA-BA. Acesso em: 18/07/2025

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