FORNOS A LENHA DAS CASAS DE FARINHA DE MANDIOCA: GEOPOÉTICA PELO FOGO

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
FORNOS A LENHA DAS CASAS DE FARINHA DE MANDIOCA: GEOPOÉTICA PELO FOGO
Autores
  • Efigênia Rocha Barreto da Silva
  • Jamille da Silva Lima-Payayá
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Saberes e sabores
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/901511-fornos-a-lenha-das-casas-de-farinha-de-mandioca--geopoetica-pelo-fogo
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Fogo a lenha, Saber-fazer, Torragem.
Resumo
A farinha de mandioca vem sendo desdobrada em nossos estudos mais recentes (Silva, 2024), nos quais temos buscado compreender desde o saber-fazer que envolve as múltiplas etapas de produção, até a mobilidade da farinha de mandioca aos centros urbanos do estado de São Paulo. Neste texto, buscamos discutir o sabor da farinha de mandioca e sua relação com o elemento fogo no como constituinte do saber-fazer farinha de mandioca como uma geopoética, no sentido de criação/transformação pelo fogo. O fogo à lenha demanda uma determinada forma de manipulação que, como saber-fazer, expressa um conjunto de saberes geográficos que reverberam no sabor. O saber-fazer da farinha envolve diversas etapas realizadas pelos produtores especialistas, dentre elas a etapa da torragem, a qual destacaremos neste trabalho. Nas casas de farinha que têm como modo de produção tradicional esta etapa é realizada manualmente. O forneiro (que é o especialista responsável pelo processo de torragem) manuseia o rodo (instrumento de madeira utilizado para movimentar a farinha), disposta a farinha sobre o forno de lajes, como também cuida do próprio fogo, para que este aqueça as lajes de forma contínua, de acordo com a demanda em cada ponto da fornalha de farinha. O objetivo é atingir o ponto da torra, quando então, a farinha é retirada do forno. Ao longo da torra, a remessa ou fornalha de farinha vai requerendo fogo em diversas proporções. Ao colocar a massa de mandioca (produto resultado do processo de transformação da mandioca ao ser raspada, ralada, lavada, prensada, triturada, que é preparada anteriormente) sobre o forno, é necessário que ele esteja muito quente, pois só assim irá fazer secar a massa. Este processo vai requerendo manutenção do fogo, ou seja, uma constância de temperatura, pois essa estabilidade também corrobora para que a massa não embole. Todo o processo de torra leva em média entre quatro a cinco horas, variando de acordo com o tipo da mandioca. Trata-se de um processo intenso, de muitas especificações. A cada momento da torra, a farinha possui uma demanda, requerendo um saber-fazer do forneiro com o lidar com a mandioca, o tempo, o tipo de lenha e a labareda do próprio fogo. O saber que envolve o ponto da torragem da farinha é relacionado ao sabor da farinha pela experiência do forneiro, que na lida com a torra e no controle do fogo conhece os processos intensos da beira do forno desde o pesar da massa (enquanto a massa ainda não secou o forno) que não se transformou pelo fogo em farinha, passando pelos momentos em que o forno está demandando ser alimentado por lenha, até o ponto de leveza do rodo (em que a farinha está pegando o ponto). O sabor da farinha é expresso pela geopoética de transformação da farinha pelo fogo na torragem, tendo em vista, que a experiência gustativa pode ser de uma farinha mais ou menos torrada, ou seja, que demandou mais ou menos fogo na torra, nesse caso o sabor pelo tipo de farinha é preferência de quem a consome. O uso do fogo como elemento de transformação do alimento demonstra a relação do saber-fazer das experiências intergeracionais entre os especialistas em um modo de produção tradicional, que estão entrelaçados nas intensas atividades farinheiras, sobretudo na torragem da farinha. A transformação do alimento pelo uso do fogo permeia um saber-fazer que é o conhecimento aterrado, experienciado na implicação geopoética da terra. Sobre a geopoética De Paula (2015, p. 64) enfatiza “o exercício da Geopoética e a atenção àquilo que ela pode nos ensinar”. O fogo do forno à lenha é alimentado pela lenha, cujo processo se assemelha com o fogo de tucuruva, conforme expressão de base tupi, a qual significa fogo no chão (Belluzzo, 2008). As lenhas são escolhidas a partir do tipo de fogo requerido para cada etapa. Por exemplo, no início da torragem da farinha para aquecimento rápido do forno com um fogo ardente é utilizado a aroeira (Schinus terebinthifolia), pois ela produz um fogo intenso, tendo alta capacidade de constância das labaredas devido à grossa espessura de seu tronco. Já ao fim da torragem há demanda por fogo brando, assim é utilizada a catingueira (Poincianella pyramidalis) que possui sua estrutura de troncos e galhos com uma menor espessura, mantendo a constância de uma chama mais amena. Essas plantas da caatinga estão circunscritas no lugar do saber-fazer da farinha, que estão relacionados com o lidar com o fogo a lenha, ao manusear e alimentar de acordo à escolha da lenha para cada ação. O fogo a lenha consiste em um elemento de difícil lida, implicando diversos saberes para a torra, que transforma a massa em farinha. O fogo, assim, agrega valor simbólico e cultural na produção do alimento. O fogo é um elemento implicado em um saber-fazer de transformação do alimento, no qual relacionamos especificamente no caso da farinha de mandioca com o sabor, tendo em vista a variedade e reconhecimento de uma farinha mais ou menos torrada a partir da territorialidade da casa de farinha (Silva, 2014). A relação do fogo no saber-fazer do alimento, ou seja, no cozimento, é destacado a partir da contribuição de Oliveira (2012, p. 28) ao afirmar “Uma crença antiga, ‘comida de sustança deve passar pelo fogo’, afirmam os sertanejos brasileiros”. Isso está relacionado ao processo de produção de alimentos que se implicam com o fogo diretamente, assim como comida que provém uma transformação do alimento. Nessa perspectiva, há uma diferenciação dos alimentos secos e úmidos. A farinha de mandioca é um alimento que pode ser considerado um alimento seco em que são combinados com outros alimentos úmidos: algumas combinações simples e outras mais elaboradas. Algumas combinações como: farinha com café, farinha com rapadura, farinha com carne, farinha com ovo, farinha com mel, farinha com cuscuz. A relação entre alimento seco e alimento úmido pode estar implicada na feitura, no saber-fazer desse alimento e se o modo de transformação do alimento está permeado pelo uso do fogo. O fogo consiste em um dos quatro elementos naturais, que foi sendo manuseado pelo ser humano ao longo do tempo, o seu uso se difunde em diversas atividades. Woortmann (2008, p. 19-20) explica que há uma variação entre o entendimento de Hipócrates em “quente-frio” e o “seco-úmido” como aparece correlacionado à comida. Compreendemos a farinha como um alimento que se circunscreve no alimento seco-úmido devido ao seu processo de torragem pelo fogo, embora a farinha possa ser úmida. Na perspectiva de quem a saboreia enquanto alimento de sustância que não implique em dificuldades digestivas, essa variação depende da relação do grupo que consome. A farinha de mandioca é considerada por muitos grupos no sertão baiano como um alimento de sustância (Silva, 2024), que contemplam associações e preparos de pratos diversos entre secos e úmidos. Ainda que, a implicação com o fogo não é decisória para a constituição dos pratos, mas é para a especialidade da torragem da farinha de mandioca, que permeia o manuseio do fogo a lenha no saber-fazer da farinha de mandioca. A produção de farinha de mandioca nas casas de farinha nesse modo tradicional dos fornos a lenha, em que o uso do fogo é o elemento de transformação do alimento expressa a geopoética de um saber-fazer tradicional situado nas casas de farinha do sertão baiano. Referências BELLUZZO, Rosa. São Paulo: memória e sabor. São Paulo: Ed. da Unesp, 2008. DE PAULA, Fernanda Cristina. Sobre geopoéticas e a condição corpo-terra. Geograficidade, v.5, n. especial, p. 50-65, 2015. OLIVEIRA, Lívia de. Introdução: o estudo do sabor pela geografia. Geograficidade, v. 2, n. 1, p. 27-29, Verão 2012. SILVA, Efigênia Rocha Barreto da. Meu punhado de farinha: o sabor da ancestralidade no saber-fazer da farinha de mandioca no povoado de Jurema de Pedro Leite, São Gabriel, Bahia. 119 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Territoriais) –Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2024. WOORTMANN, Klaas. Quente, frio e reimoso: alimentos, corpo humano e pessoas. Caderno Espaço Feminino, v.19, p. 17-23. 2008.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SILVA, Efigênia Rocha Barreto da; LIMA-PAYAYÁ, Jamille da Silva. FORNOS A LENHA DAS CASAS DE FARINHA DE MANDIOCA: GEOPOÉTICA PELO FOGO.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/901511-FORNOS-A-LENHA-DAS-CASAS-DE-FARINHA-DE-MANDIOCA--GEOPOETICA-PELO-FOGO. Acesso em: 04/09/2025

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