SABORES E SABERES DO BIOMA CERRADO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O JENIPAPO, O CAJUZINHO-DO-CERRADO E O BURITI

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
SABORES E SABERES DO BIOMA CERRADO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O JENIPAPO, O CAJUZINHO-DO-CERRADO E O BURITI
Autores
  • Thamyris Carvalho Andrade
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Saberes e sabores
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/900380-sabores-e-saberes-do-bioma-cerrado--um-estudo-etnografico-sobre-o-jenipapo-o-cajuzinho-do-cerrado-e-o-buriti
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Sabores, Saberes, Cerrado, Frutos do Cerrado, Sociobidiversidade
Resumo
Em muitos aspectos, a alimentação tradicional no Cerrado foi pautada em uma dieta rica em proteínas e carboidratos, por se tratar de uma alimentação de sustança. Eram alimentos capazes de saciar a fome por longas horas de trabalho, muitas vezes ao arder do sol. Assim, deu-se a sabedoria da utilização da raiz da mandioca na produção da farinha, e por sua vez, na produção da paçoca de carne de sol. A essa dieta estão acrescidas a rapadura e o arroz, grão de cultivo ancestral dos povos de matriz africana. Tais características parecem remontar a dieta alimentar dos homens no Cerrado. Os trabalhadores de fora das casas. Os vaqueiros, os viajantes e os trabalhadores rurais. Apesar disso, existiam outras produções, protagonizadas pelas mulheres, que além de alimentar os de casa, produzia para o complemento da renda familiar na feitura e comercialização dos bolos, doces e biscoitos que tinham como principal matéria prima os frutos do Cerrado, resultantes do extrativismo, vivência com a terra e da Etnobiologia praticada, o que resultou em produções com o uso dos frutos nativos, presentes especialmente nas compotas, geleias e licores. Embora a doçaria cerratense tenha se tornado conhecida a partir da poetisa e doceira Cora Coralina, a quem não se pode negar a importância de vida e obra, há que debruçarmos sobre a urgência no reconhecimento de outras tantas mulheres, negras em sua maioria e, com isso, visibilizar suas histórias nesse espaço [cozinha] e nesse território [Cerrado], mulheres que fizeram de suas produções culinárias o arrimo de suas famílias. Tal pensamento é reforçado pela pesquisadora Taís de Sant’ana Machado na obra Um pé na Cozinha onde assegura que “A cozinha é uma metáfora para entender o lugar e o papel essencial das mulheres negras na história brasileira e o esforço sistemático de invisibilização de sua importância por parte das elites e de autoridades governamentais” (MACHADO, 2022). Para este estudo, ofereço ao debate alguns dos preparos e saberes mais difundidos. A proposta se conduz numa perspectiva geo-etnografica de natureza qualitativa e descritiva com base na experiência da autora no tema tratado, a partir de sua experiência como professora em um Universidade Federal em território cerratense. 1. Buriti (Mauritia flexuosa) A palmeira do buriti tem sua atuação estampada na história e na memória coletiva dos povos do Cerrado. Na clássica obra de João Guimarães Rosa “O Grande Sertão: Veredas” há pelo menos 60 passagens com a menção da palmeira, com algumas variações de nomes como: “buriti, carandáguaçu, carandaé-guaçu, miriti, muriti, palmeira-buriti, palmeira-dos-brejos.” (PEREIRA E BORGES, 2013). É possível identificar a temática em ditados populares, como em “Onde tem buriti, tem água”, visto que as palmeiras se encontram em áreas alagadas, uma caraterística específica de uma fitofisionomia do Cerrado chamada “Vereda”. As veredas abrigam um ecossistema exclusivo, próprio para o crescimento da palmeira do buriti, sendo elas, bioindicadoras de água em meio às longas viagens desses povos pelo Cerrado adentro. Outro ditado popular diz que “Quem planta buriti, não colhe buriti”, tal sabedoria se ampara no tempo de maturação da planta até a produção dos primeiros frutos, o que varia de cinquenta a cem anos, portanto, uma pessoa que planta uma palmeira de buriti, certamente não irá colher os frutos dela. Todos esses ditos populares são resultantes da Etnobiologia dos povos do Cerrado com base na observação centenária da relação homem/natureza. Seus frutos têm maturação “ao longo do ano, com pico entre julho e fevereiro” KUHLMANN (2018). A polpa é oleosa e aproveitada para a fabricação de doces, bolos, geleias, vitaminas, mousses e sorvetes. Quando desidratada, a polpa em lascas pode ser armazenada por longos períodos. Para pratos salgados, usa-se as lascas de buriti para o preparo de paçocas/farofa com carne de sol e a polpa para a produção de molhos e chutneys. (KUHLMANN, ANDRADE, 2022). Como preparo em destaque, têm-se para essa discussão, a rapadura de buriti. Um doce feito à base da polpa de buriti e comercializado no mesmo formato das rapaduras feitas de cana-de-açúcar. O armazenamento do doce para comercialização é realizado, comumente, em pequenas caixas retangulares confeccionadas a partir da própria palha do buriti, potencializando o uso da palmeira, assim como em outros feitos em que se utiliza tal matéria prima até para coberturas dos telhados das casas. A feitura e comercialização do doce representa parte da subsistência de muitas famílias. Tal cenário é testemunhado ao observar às margens das estradas, numerosas barraquinhas arquitetadas com improviso, para a venda dos produtos da sociobiodiversidade. Essa cena nem sempre vem acompanhada de romantismo, trata-se de um trabalho informal, normalmente desempenhado em condições precárias e, por vezes, exercido por crianças, demonstrando as frágeis condições a que as famílias cerratenses se submetem, ainda nos dias de hoje, para subsistências dos seus. 2. Cajuzinho-do-cerrado (Anacardium humile) O cajuzinho-do-cerrado é um fruto versátil, contemporaneamente utilizado em pratos salgados, pode substituir a proteína animal em preparos como moquecas e recheios de salgados como coxinhas e pasteis. E popularmente empregado em preparos doces como sucos, compotas e licores. Sua polpa é considerada o pseudo-fruto, sendo a castanha o verdadeiro fruto do cajueiro. Diferentemente do caju (Anacardium occidentale), a castanha do cajuzinho-do-cerrado é pouco utilizada devido à dificuldade de extração em função do seu pequeno tamanho. Seu período de maturação varia entre agosto e setembro, quando no Cerrado se atinge o auge da seca. Para além do uso culinário, o cajuzinho se apresenta como um bioindicador para esses povos, a exemplo disso, tem-se a Etnobiologia da chuva do caju. No Cerrado, a primeira chuva que forma ainda no período da seca é conhecida como “chuva do caju”, esse nome se dá devido à época de maturação dos primeiros frutos do cajueiro. É considerada um marco climático que separa um grande período de estiagem para o início de um longo período chuvoso. Acredita-se ainda que essa primeira chuva tenha a função de fortalecer as árvores para não comprometer a colheita do caju e de outros frutos que maturam nessas mesmas condições. Sendo assim, grupos humanos tradicionais aguardam a chegada da “chuva do caju”, para então, fazer a colheita dos frutos no pé. Para eles, a “chuva do caju” é regada de simbolismos e reverências da relação sociedade-natureza e das alterações climáticas que a natureza necessita para se renovar. Uma sabedoria alicerçada na ancestralidade e na experiencia dos povos diante da observação da natureza. De volta à cozinha, destaca-se aqui o preparo da compota de cajuzinho, produzida a partir da polpa do caju. Retira-se o sumo do fruto e cozinha-se inteiro com água e açúcar. O doce feito na panela fechado garante uma coloração vinho vibrante. Dessa forma, nota-se a versatilidade do fruto na produção e na comercialização dos doces, visto que o caju in natura é um insumo bastante delicado de ser comercializado considerada sua alta potencialidade de fermentação [o que aumenta ainda mais a potencialidade de uso do fruto para produções mais elaboradas como espumantes e cervejas]. 3. Jenipapo (Genipa americana) O Jenipapo, tem sua etimologia proveniente do tupi-guarani e quer dizer “fruto que serve para pintar”, tal sabedoria se comprova ao observar as tinturas feitas para a pintura dos corpos dos povos indígenas, onde utilizam o jenipapo para as tinturas de cor preta e o urucum para as tinturas de cor avermelhada. Tal prática ancestral nos mostra a destreza desses povos ao utilizar o fruto. Uma planta da qual quase tudo é aproveitado, seja como alimento, pigmento, madeira e medicamento. Seus frutos e derivados têm sido comercializados em feiras livres e até mesmo pela internet, gerando renda para várias famílias. Das flores aromáticas se extraem óleos essenciais. A madeira dura, flexível e fácil de trabalhar é utilizada na marcenaria, na construção civil, em construções rurais e para a produção de lenha e carvão. A casca, rica em tanino se utiliza para curtir o couro. Os frutos maduros exalam odor bastante atrativo para peixes, por isso são usados como isca de pesca. Na medicina tradicional o cozimento das cascas do jenipapo é utilizado no combate à úlcera e diarreia. O suco do fruto é diurético e a raiz é purgativa. Os frutos são utilizados no preparo de xaropes caseiros contra tosse e resfriado. A polpa é indicada para o tratamento de anemia, asma, também é utilizada como repelente de insetos, podendo ter ação bactericida e germicida. Além disso o jenipapo é rico em vitaminas B1, B2, B3, B5, C e ferro. Como alimento, o fruto pode ser consumido in natura na forma de compota, sorvete, doce cristalizado, jenipapada, suco e, licor. A polpa verde apresenta a coloração azulada e pode ser utilizada como corante para pratos variados. Passá-lo na frigideira com manteiga e depois adoçar com açúcar e canela em pó é uma forma saborosa de se consumir. A partir dos usos aqui listados, destaco a produção do licor de jenipapo, uma iguaria presente nos banquetes das rezas e novenas, agrado oferecido aos visitantes de um velório e em toda sorte de festejos estará presente uma botija de licor de jenipapo. A generosidade da planta que produz frutos em boa parte do ano, proporciona a feitura do licor em grande quantidade. O licor é produzido a partir da infusão do fruto na cachaça. Usa-se infusionar os frutos, higienizados e partidos ao meio, na cachaça [normalmente pura e de alambique] por trinta a quarenta e cinco dias, em vasilhame de vidro e armazenado em ambiente escuro. Após a infusão, faz-se a calda com o açúcar e faz-se a junção da infusão já coada com a calda. Daí então é só armazenar nos potes e deixar em ambiente escuro. Conta-se que o licor fica apurado após seis meses de sua produção. Quanto mais envelhecido, mais saboroso fica. Além do consumo interno nas casas das famílias de quem produz, é possível observar a venda do licor de jenipapo às margens das rodovias, em feiras livres, vendas e mercados centrais. Considerações O estudo tratou-se de revisitar a sabedoria popular e a dieta alimentar cerratense. Percebeu-se que os frutos aqui destacados fazem parte do imaginário popular dos grupos tradicionais humanos do Cerrado, compreendendo que o alimentar-se vai além do conhecimento do sabor dos frutos e da feitura dos pratos, é preciso ter entendimento sobre suas ciências, sobre o respeito ancestral pelo tempo de plantio, colheita e maturação, e suas inúmeras possibilidades de uso. Sabedoria esta que foi e segue arquitetando-se no tempo, na memória e na oralidade daqueles que fazem do bioma o seu lar. Referências: KUHLMANN, Marcelo. ANDRADE, Thamyris Carvalho (Colaboradora). Frutos do Cerrado: 100 espécies atrativas para Homo Sapiens: guia para coleta e usos. 2ª edição. Brasília: BIOM, 2021. MACHADO, Tais de Sant’anna. Um pé na cozinha: um olhar sócio-histórico para o trabalho de cozinheiras negras no Brasil. Editora Fósforo. 2022 PEREIRA, Júnia Cleize Gomes; BORGES, Telma. Buriti, Poesia e Saudade em Grande Sertão: Veredas. Anais do SILEL. Volume 3, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2013
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

ANDRADE, Thamyris Carvalho. SABORES E SABERES DO BIOMA CERRADO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O JENIPAPO, O CAJUZINHO-DO-CERRADO E O BURITI.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/900380-SABORES-E-SABERES-DO-BIOMA-CERRADO--UM-ESTUDO-ETNOGRAFICO-SOBRE-O-JENIPAPO-O-CAJUZINHO-DO-CERRADO-E-O-BURITI. Acesso em: 02/07/2025

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