Título do Trabalho
REAFIRMANDO IDENTIDADES
Autores
  • Igor Oliveira Duarte
  • Virgínia de Lima Palhares
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Corpo, gênero e sexualidades
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/900336-reafirmando-identidades
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
lugar; experiência, corpo abjeto; LGBTQIAPN+; resistência
Resumo
Pode um feto, ainda em sua constituição, saber suas identidades e já possuir ciência de seu comportamento diante da sociedade? Comumente, assim que o ginecologista expõe qual a genitália da criança, os envolvidos tratam de realizar o conhecido “chá revelação”. No mesmo, já se apresenta um binarismo nos gêneros. Se tiver uma vagina, será uma menina. Se tiver um pênis, será menino. Isso, simbolizado por duas cores muito marcantes nos sistemas binários, o azul e rosa. Todavia, essas postulações reafirmam um pré determinismo existente na tríade sexo-gênero-sexualidade, onde, como defende Butler (2003), um irá determinar o outro. Desse modo, constrói-se um sistema de normas sobre os corpos. Mas há uma população que rompe com essas normas: as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis/trangêneros, queers, interssexuais, assexuais, panssexuais, não bináries e identidades/sexualidades múltiplas (LGBTQIAPN+). Historicamente, a cultura de construção de lugares onde ocorrem socializações em forma de resistência e reafirmação de suas identidades, são muito comuns. Estas pessoas, como nomeia Butler (2003), passam a ser chamados de corpos abjetos. Uma vez que são tomados como estranhos, como corpos “outro”, passando a ser um “sujeito singular por exclusão” (BUTLER, 2003, p.190). Nesta perspectiva, o presente trabalho almeja desvelar como a experiência de mundo desses corpos abjetos acometem na construção de lugares de resistência e reafirmação do eu. Para realizar esta investigação foi realizada uma interpretação das reflexões de Merleau-Ponty (1999), Judith Butler (2003) e Yi-fu Tuan (1980 e 1983) em face desta interrogação. Inicialmente irá-se refletir como ocorre a implementação de lugares a partir da experiência de mundos e depois como corpos abjetos, com seus enfrentamentos sociais, concebem tais lugares. DO SENTIR AO SIGNIFICAR Para a Geografia, lugar não é sinônimo de localidade. O lugar é onde são atribuídas topofilias, “elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico, difuso como conceito, vívido e concreto como a experiência pessoal” (TUAN, 1980, p.5). Só é possível tê-lo a partir de uma significação sensível decorrente de uma experiência. Essa, por sua vez, leva a atribuir significados às sensações do contato entre o corpo e o mundo. Mundo exterior, material, pois, como comenta Merleau-Ponty (1999), existem dois mundos, o exterior, onde está posto a materialidade, externo ao corpo individual, e o interior, onde estão a mente, os processos cognitivos e suas significações. A experiência então ocorre na transitividade entre ambos. Porém, algo muito relevante aparece no seu pensamento. O corpo. O corpo é a ponte para esses dois mundos se tocarem, de forma a elucidar a própria existência humana. Ele é “um nó de significações vivas e não a lei de um certo número de termos co-variantes” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.210), considerados como os sentidos. Afinal, eles “só são instrumentos da excitação corporal” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.287), oferecendo também uma fisionomia motora para a experiência. E, através dos sentidos, constrói-se a percepção, que por sua vez, “ocorre uma re-criação ou uma re-constituição do mundo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.279). Logo, ocorre a promoção de significações sensíveis. Porém esses processos ocorrem de forma simultânea, não podendo dizer que existe uma separação entre pensar e sentir, um corpo-consciência. Dessa forma, o corpo passa a ser o meio pelo qual interpreto e (r)existo no mundo. Pois, “nosso corpo não está primeiramente no espaço: ele é o espaço” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.111). Desnuda-se então, a partir dos processos individuais supracitados, a topofilia. Todavia, os mundos interiores dos corpos-consciência estão sendo atravessados e atravessam vários outros mundos interiores dentro do mundo exterior e material. Portanto, a existência e experiência do mundo transpassa pela relação com outros corpos, ligados por significações comuns, bem como postulações comuns, podendo afetar as mais diversas individualidades. Consequentemente, a experiência desse mundo material se torna similar para alguns, tendo como base um certo ordenamento social, propagados por, demasiadas vezes, ideias compulsórias. Revela-se, assim, uma não aleatoriedade na concepção de topofilias, principalmente se tratando de corpos abjetos. LUGARES DE RESISTÊNCIA PARA CORPOS ABJETOS Os corpos abjetos estão em grande destaque no espaço midiático brasileiro, haja vista a figura das drag queens. Pabllo Vittar e Glória Groove são as duas mais seguidas no Instagram de todo o mundo, juntas somam cerca de 17,3 milhões de seguidores*. Mesmo assim, suas participações constantes e marcantes nos meios de comunicação de massa passaram a levantar discussões para além do “ele” ou “ela”, como aponta o estudo de Pereira (2018). Sua figura entrou nas famílias brasileiras causando uma tensão nas questões de gênero e sexualidade. Sendo assim, “o corpo da artista subverte as marcas do corpo que designariam um gênero e/ou sexo e expõe a natureza cultural de ambos” (PEREIRA, 2018, p.03). Assim como elas, toda a comunidade à qual pertencem, sofre por enfrentamentos por fugir subverterem as marcações dos corpos. Assumir uma sexualidade e/ou um gênero que foge dessas postulações é assumir um enfrentamento ante uma significação e discursos compulsórios. Butler (2003), então, traz luz ao espaço social do corpo. Tais discursos, historicamente dinâmicos, têm o intuito de instaurar e/ou neutralizar, não apenas fronteiras, mas limites para os corpos. Estes, por sua vez, acarretam uma idealização do binarismo de gênero e uma heterossexualidade compulsória. E, sobretudo, o repúdio de corpos em função de sexo, sexualidade e/ou cor “é uma “expulsão” seguida por uma “repulsa” que fundamenta e consolida identidades culturalmente hegemônicas em eixos de diferenciação de sexo/raça/sexualidade” (BUTLER, 2003, p.191). Além disso, ela defende que esses discursos não foram feitos com o objetivo total de reprimir os corpos, mas de fazer com que esses corpos internalizem essas ideias, de modo que passe a ser suas essências, afetando, por consequência, seus mundos interiores. Uma individualização de um processo cultural, onde os limites do corpo passariam a ser estabelecidos pelos próprios sujeitos: "A estratégia não foi impor a repressão de seus desejos, mas obrigar seus corpos a significarem a lei interditora como sua própria essência, estilo e necessidade. A lei não é internalizada literalmente, mas incorporada, com a consequência de que se produzem corpos que expressam essa lei no corpo e por meio dele; a lei se manifesta como essência do eu deles, significado de suas almas, sua consciência, a lei de seu desejo. Com efeito, a lei é a um só tempo plenamente manifesta e plenamente latente, pois nunca aparece como externa aos corpos que sujeita e subjetiva."(BUTLER, 2003, p.193). Àqueles que ultrapassam os limites, resta a “punição”, a exclusão, o estranhamento e repulsa. Então, corpos abjetos. Como, por exemplo, “a homossexualidade é quase sempre concebida, nos termos da economia significante homofóbica, tanto como incivilizada quanto como antinatural” (BUTLER, 2003, p.90). Antinatural por não performar práticas culturalmente concebidas a práticas masculinas e heterossexuais. Esses, como toda a comunidade, são atravessados por diversas violências, seja dentro do núcleo familiar ou fora. Como discute Peixoto (2018), são violências cometidas historicamente no mundo. No Brasil, estas violências ocorrem desde a colonização, que resultou em um país de “ignóbeis habitantes”. Ainda que existam avanços políticos para a comunidade LGBTQIAPN+, como aponta a sistematização realizada pelo Observatório de Mortes e Violências LGBT+ no Brasil em 2022, cerca de 5.635 pessoas morreram decorrente dessa intolerância entre os anos 2000 e 2022, sendo 273 em 2022. Desses, 58,24% foram travestis e mulheres transgêneros. 83,52% dos casos foram assassinatos. 27,11% a causa do óbto foram por armas de fogo. Em face do exposto, os lugares de socialização para essa comunidade são comuns nas dinâmicas urbanas. Mas, para além disso, são locais onde é possível exercer a liberdade de expressar suas identidades e sexualidades. Pinho (2010) comenta que a constituição desses coletivos é importante como estratégia do exercício de poder. O autor também irá apresentar territórios - que também podem ser concebidos como lugares, não como sinônimos, mas contínuos - gays como uma cultura de resistência. Ali poderia "se pensar o lugar como espaço social de resistência, onde a cultura gay se territorializava” (PINHO, 2010, p.6). Outrora chamados de “guetos gay”, “esses lugares são concebidos como espaços de construção de uma homossexualidade ‘normal’” (PINHO, 2010, p.6). Afinal, “as pessoas são seres sociais; gostamos da companhia de nossos semelhantes” (TUAN, 1983, p.70). . Nesse sentido, é o encontro de um lugar que os deixam ser momentaneamente livres às normas regulatórias do sexo/gênero/sexualidade. Logo, “O lugar passa então a ser um centro calmo de valores estabelecidos” (TUAN, 1983, p.61). Realizando um “movimento dialético entre refúgio e aventura, dependência e liberdade” (TUAN, 1983, p.61). CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos, então, concluir que a experiência do mundo material de pessoas LGBTQIAPN+ são intensamente atravessados por regulações e significações comuns e compulsórias que acometem seus mundos interiores. Dessa forma, faz-se relevante para reafirmação de suas existências, bem como para uma normalização de identificações “árbitrárias”, a atribuição de lugares de resistência, reconhecendo esses lugares como locais onde podem ser em essência. Outrora, faz-se necessário olhar para as individualidades espaciais. Cada lugar carrega consigo uma história própria, um porquê pelo qual determinados corpos ocupam determinado lugar. Ainda que existam diversos lugares de resistência LGBTQIAPN+, é imprescindível elucidar as particularidades de cada um, pois certamente surgirão questionamentos sociais únicos diante desta totalidade. * Disponível em: < https://mixme.com.br/quais-as-drag-queens-mais-seguidas-do-mundo-confira/ > Aceso em: 18 de junho de 2024. REFERÊNCIAS BUTLER, Judith. Inscrições corporais, subversões performativas. In: Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Civilização brasileira: Rio de Janeiro. 2003. p. 185-201. MERLEAU-PONTY, Maurice. A síntese do corpo próprio. In: A fenomenologia da percepção. Martins Fontes. Tradução de Carlos Alberto de Moura, 2ª ed: São Paulo, 1999. p. 205-212. _______________________. A fenomenologia da percepção. Martins Fontes. Tradução de Carlos Alberto de Moura, 2ª ed.: São Paulo, 1999, p. 279-325. OBSERVATÓRIO DE MORTES E VIOLÊNCIAS LGBT+ NO BRASIL. Dossiê 2022 de mortes e violências contra LGBT+ no Brasil. Coordenação geral de Pietra Fraga do Prado. 2022. 72p. Disponível em: < https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/wp-content/uploads/2023/05/Dossie-de-Mortes-e-Violencias-Contra-LGBTI-no-Brasil-2022-ACONTECE-ANTRA-ABGLT.pdf > Acesso em: 19 de junho de 2024. PEIXOTO, Valdenízia Bento. Violências contra LGBTs: premissas históricas da violação no Brasil. Periódicos UFBA. n.8, v.1, 2018. p. 07-23. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/355710891_Violencia_contra_LGBTs_no_Brasil_premissas_historicas_da_violacao_no_Brasil > Acesso em: 19 de junho de 2024. PINHO, Fernando August Souza. Experimentando a(s) diferença (s): um exercício etnográfico sobre lugares gays. XIV encontro regional anpuh. Rio de Janeiro: 2010. 10p. TUAN, Yi-fu. Espaciosidade e apinhamento. In: Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Difel. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo, 1983. p.58-75. ___________. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Difel. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo, 1980. 288p.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

DUARTE, Igor Oliveira; PALHARES, Virgínia de Lima. REAFIRMANDO IDENTIDADES.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/900336-REAFIRMANDO-IDENTIDADES. Acesso em: 16/07/2025

Trabalho

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