O CADERNO DA PAISAGEM: UMA ROTA PELAS MEMÓRIAS DO MUSEU

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
O CADERNO DA PAISAGEM: UMA ROTA PELAS MEMÓRIAS DO MUSEU
Autores
  • MARIANA DE OLIVEIRA LACERDA
  • Carlos Henrique Rezende Falci
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Práticas espaciais, espaços de vivência e espaços apropriados
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/899936-o-caderno-da-paisagem--uma-rota-pelas-memorias-do-museu
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
paisagem, lugares de memória, Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG
Resumo
O Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG fica em Belo Horizonte e possui uma peculiaridade: está imerso em uma mata urbana de 600 mil metros quadrados. Outra peculiaridade é o fato dele ocupar cerca de 20 casas distribuídas pela mata. Atualmente, nessas casas funcionam exposições, reservas técnicas, centros de pesquisa e áreas administrativas. Com seus 52 anos de história, por ele já passaram muitos visitantes, estudantes, bolsistas, professores, pesquisadores, pessoal técnico. Por fim, por ocupar uma área extensa na zona leste de Belo Horizonte, o museu também tem muitos vizinhos. Antes de 1969, quando foi criado, ali funcionaram instituições de referência em agronomia, como o renomado Instituto Agronômico. Ali também já funcionou um horto florestal, onde antes era a antiga fazenda Boa Vista, na estrada para Sabará, nos idos do Curral del Rei. No projeto "A terra incógnita no Museu de História Natural e Jardim Botânico - UFMG" propomos uma nova forma do público vivenciar o Museu, a partir do contato direto com a memória narrada sobre seus diferentes lugares. Nos apropriamos da noção de terra incógnita para nos referir a aspectos pouco conhecidos deste Museu. Buscamos adentrar as vivências de pessoas que participam de seu cotidiano ou que conviveram com ele durante um período de suas vidas. O termo terra incógnita, em seu sentido metafórico, nos remete a terras ainda a serem descobertas, não porque elas estejam necessariamente desabitadas ou sem história, mas porque ali existem camadas de significados a serem revelados. Adotamos uma perspectiva relacional para discutir paisagem e memória, termos entrelaçados em muitas leituras possíveis de mundo. Se a paisagem não é apenas vista, mas experimentada, ela repercute sobre a memória e a imaginação. Ao mesmo tempo que se funda no corpo, ela depende da interação objetiva com o espaço para existir. É um conceito essencialmente espacial e remete a certa forma de estar no mundo e de ser atravessado por ele (BESSE, 2014). Propomos a demora como uma dessas formas de experimentar a paisagem, a partir da memória. A identidade de uma paisagem, ou a forma como ela se apresenta, está diretamente ligada às camadas de memórias e significados associados a um lugar físico, o que pode conferir a este local um sentimento de pertencimento, por parte das pessoas que o habitam ou frequentam (SKEWES et al., 2011). A paisagem pode estar ancorada em construções físicas, em hábitos que evocam lembranças, em aspectos particulares de um local que nos fazem percebê-lo de maneira diferente do que até então estávamos acostumados. Por sua vez, o conceito de memória também está associado à criação de lugares, físicos ou metafóricos. Esses lugares guardam lembranças, como no mito de Simônides, que nos diz da importância dos lugares para guardar determinadas coisas ou ideias das quais queremos nos lembrar em outro momento. Os lugares seriam uma forma auxiliar da lembrança, de forma a evitar o esquecimento, que levaria ao desaparecimento do que se desejava guardar. Os lugares de memória estão, assim, associados à maneira como as pessoas transformam espaços em lugares significativos. Quando um conjunto de narrativas de memória é agrupado e passamos a olhar para as relações entre elas, surge aí a experiência coletiva de uma paisagem, um produto da articulação e da interdependência de três esferas: uma física, uma comportamental e outra de significação (GOMES, 2013). Para interpretar o conteúdo das entrevistas nos inspiramos inicialmente no conceito de objeto da paisagem, proposto pelos geógrafos Brossard e Wieber (1984), como a dimensão do que é visível e organizamos os testemunhos a partir de sua relação com esses objetos. A partir daí identificamos os lugares de memória. Orientamo-nos pela polissemia e pela mobilidade essencial do conceito de paisagem a partir de cinco abordagens de Jean-Marc Besse (2014). Na primeira abordagem, Besse apresenta a paisagem como uma construção mental, uma representação de mundo. Essa abordagem nos levou a indagar como as pessoas entendem o Museu de História Natural e como elas explicam este lugar para quem não o conhece. Aqui encontramos um caleidoscópio de representações: uma ilha verde na cidade, um espaço de conhecimento multidisciplinar, de formação de pesquisadores, de aprendizagem para o público escolar, de lazer e socialização integrados com a história da cidade de Belo Horizonte. Na segunda abordagem, Besse se refere à paisagem como uma expressão do território, ou seja, ela é resultado de um processo histórico que configurou o espaço a partir da atuação humana, individual e coletiva. Essa perspectiva norteou nosso olhar para a materialidade da paisagem: os limites físicos, os muros, as cercas, as dezenas de edificações, as ruas internas (algumas abandonadas), as ruínas, e para as diferentes camadas temporais que precisaríamos acessar para compreender a organização deste espaço físico. Na terceira abordagem, a paisagem é apresentada como um sistema formado por aspectos naturais e culturais sem, contudo, se reduzir a esta dualidade. Pelo contrário, nesta visão sistêmica a paisagem surge da interação, o que ficou muito evidente quando as pessoas mencionaram a “Mata do Horto”, como é conhecida popularmente a área verde que circunda o Museu. Descobrimos que a criação do Museu contribuiu para preservar parte da mata atlântica nativa que existia em Belo Horizonte, mas que essa mesma mata também é resultado da atuação de um agrônomo, conhecido como Dr Camilo, que projetou a mata e ali plantou muitas espécies nativas e exóticas. Além disso, a mata pode ser subdividida em zonas com características e temporalidades próprias. Assim, a Mata do Horto apresenta muitas camadas de significados e guarda um conteúdo tão curioso quanto diverso. Na quarta abordagem, Besse ressalta a paisagem como uma entidade relacional, que se revela na experiência direta com o mundo. Com isso, ele ressalta o seu aspecto fenomenológico: “as paisagens são ambientes, meios, atmosferas, antes de serem objetos a serem contemplados” (BESSE, 2014, p.47). Essa perspectiva nos possibilitou registrar acontecimentos pitorescos que revelam a disponibilidade das pessoas em vivenciar o museu a partir de seus sentidos e de seus sentimentos. Encontramos referências a diversos lugares, exposições e acervos, e também a brincadeiras, lendas e confraternizações. Neste tema, organizamos também as experiências sensoriais relacionadas a cheiros, sons, cores, sensações e sentimentos marcantes no Museu. A quinta e última abordagem é voltada para o futuro e entende a paisagem como uma intenção de intervenção no espaço: a paisagem-projeto. Algumas pessoas disseram de suas impressões a este respeito, o que nos possibilitou incluí-las em nossas interpretações sobre memórias que continuam sendo construídas sobre esse lugar. O resultado dessa investigação gerou o conteúdo do Caderno da Paisagem: uma rota pelas memórias do Museu. Um convite para uma caminhada autônoma por essa Terra Incógnita. Acompanhado do mapa de memórias, o Caderno funciona como um guia ilustrado, que amplia sensivelmente a experiência de visitação no território do Museu através do desenho. A bolsista do projeto, estudante do curso de cinema de animação da UFMG, concebeu ilustrações inspiradas nas narrativas de memória das pessoas com quem conversamos. Transcriamos as entrevistas em narrativas ilustradas e aplicamos o caráter fragmentário da memória na escolha dos traços e na composição das imagens. A fugacidade e a invenção das narrativas compõem as ilustrações, na medida em que elas são pensadas enquanto sínteses. Escolhemos não sermos figurativos, nem realistas. Elas não pretendem se encerrar e sim ampliar as possibilidades de experimentar o Museu. Os desenhos foram feitos a lápis em papel Canson, criando uma estética muito própria de caderno. As ilustrações estimulam a imaginação sobre o Museu. Com o Caderno da Paisagem em mãos, o visitante pode percorrer os onze pontos distribuídos ao longo de 2,6 quilômetros. O percurso começa na portaria e termina na cúpula do observatório astronômico. O caminho passa por trilhas na mata e ruas internas calçadas com pés de moleque. O mapa de memórias sinaliza onde estão marcados os onze pontos de parada. O traçado está sinalizado com placas numeradas feitas artesanalmente em madeira pelo marceneiro do Museu. Cada ponto de parada possui bancos de madeira para que o visitante possa se sentar e ler os relatos. Essa rota foi pensada para o público não escolar de todas as idades, que visita o museu de forma autônoma, se interessa por histórias, gosta de ler e de caminhar. Ao acessar o conteúdo textual e imagético do Caderno, o visitante tem contato com o conteúdo das dezoito entrevistas realizadas durante o ano de 2020. Ao final do Caderno inserimos as mini biografias de todas as pessoas com quem conversamos. Os lugares de memória do Museu falam do passado, mas também indicam diferentes formas das pessoas se relacionarem com esse espaço e de projetarem o seu futuro. Entre as paisagens que surgiram nesta terra incógnita, temos uma paisagem lúdica de afeto e proximidade, uma paisagem política e institucional, e uma paisagem de demora na e com a natureza. Um estudante, ex-educador do Museu, vê o tempo deste lugar mais próximo ao da natureza ou de espaços rurais, funcionando como um contraponto ao tempo da cidade, mais veloz e incessante. Essa paisagem de demora se destaca em todas as entrevistas, o que nos sugere pensar de que maneira esse tempo diferenciado poderia ser explorado como outra forma de provocar a convivência ao ar livre, em que a natureza esteja presente de maneira mais integrada no ritmo de quem habita espaços urbanos. Diante de uma lógica que parece cada vez mais nos impedir de viver essas práticas, propomos experimentar tecnologias da demora: a caminhada, a leitura e o diálogo com os lugares. BESSE, Jean-Marc. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Tradução de Annie Cambé. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014. BROSSARD, T; WIEBER, J.C. Le paysage: trois définitions, une mode d’analyse et de cartographie. Espace Géographique, Tome 13, n.1, p. 5-12, 1984. GOMES, Paulo César da Costa. O lugar do olhar: elementos para uma geografia da visibilidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. SKEWES Rua Carlos et al. ¿La memoria de los paisajes o los paisajes de la memoria? Los enigmas de la sustentabilidad socioambiental en las geografías en disputa. Desenvolvimento e meio ambiente, n. 23. p.39-57. jan/jun 2011.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

LACERDA, MARIANA DE OLIVEIRA; FALCI, Carlos Henrique Rezende. O CADERNO DA PAISAGEM: UMA ROTA PELAS MEMÓRIAS DO MUSEU.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/899936-O-CADERNO-DA-PAISAGEM--UMA-ROTA-PELAS-MEMORIAS-DO-MUSEU. Acesso em: 10/10/2025

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